(A versão original deste artigo foi publicada em inglês pela Quartz)
As primeiras demandas para que as transações econômicas levassem em consideração questões ambientais, sociais ou de governança (ESG, na sigla em inglês) remontam aos Livros Sagrados.
O difícil, no entanto, seria profetizar a ampla adesão recente às finanças sustentáveis, acelerada após a crise financeira de 2008 e, agora, em meio a uma pandemia sem precedentes.
O entendimento de que as questões ESG têm impacto financeiro relevante sobre ações e outras classes de ativos começou a emergir como um consenso matemático. Como resultado, o volume de ativos sob gestão que aplicam essa lente têm crescido quase 20% ao ano e já representam mais de um terço do mercado financeiro global.
Índices de ações que levam em conta questões ESG — seja excluindo setores e/ou ações controversas ou dando destaque às empresas com as melhores práticas nessa seara — continuam superando os tradicionais, mesmo durante a crise.
O MSCI KLD 400 Social Index, o MSCI World ESG Leaders Index e o Refinitiv Eurozone ESG Select Index, por exemplo, têm um desempenho 200 a 320 pontos-base superior aos seus pares não-ESG nos últimos 12 meses até 30 de abril.
Já segundo a Morningstar, 24 de 26 fundos de índices sustentáveis tiveram performances melhores que os tradicionais no primeiro trimestre de 2020.
Qual a razão por trás desse desempenho superior? As empresas com melhor desempenho ESG estão de fato mais preparadas para operar em um mundo pós covid-19?
Não existe uma única explicação.
Como quase tudo na vida, é justo afirmar que parte do bom desempenho dos índices ESG tem algum componente de sorte. Se o coronavírus tivesse atingido expressivamente o setor de tecnologia, contrariamente aos setores de mobilidade ou energia, hoje estaríamos debatendo a crise do mercado ESG.
Mas o viés setorial é só o começo da conversa.
O bom desempenho das empresas que se preocupam com os fatores ESG está ligado, sobretudo, às suas boas práticas de gestão. É isso que as torna mais bem equipadas para lidar com uma nova era em que os analistas financeiros precisam estar tão familiarizados com nomes laboratoriais de vírus quanto com modelos de fluxo de caixa descontado. E explica porque a lente ESG adicionou um nível significativo de proteção aos portfólios de ações durante o primeiro trimestre do ano.
A seguir, elenco dez razões para o bom desempenho dos índices sustentáveis:
1. Pouca exposição a transporte e petróleo
Os portfólios ESG normalmente têm uma exposição limitada a grandes empresas poluidoras, como de transportes e de cruzeiros turísticos, dois dos setores mais afetados pela turbulência do novo coronavírus.
A maioria dos índices ESG, como o iSTOXX Global ESG Select 100 Index, que dá destaque a empresas globais com boas práticas de sustentabilidade, não inclui companhias aéreas ou operadoras de linhas de cruzeiro em suas participações. As carteiras ESG que são guiados por filtro negativo (negative screening) também costumam excluir ativos de empresas petrolíferas, afetadas pelo tombo nos preços do petróleo.
2. Alta exposição a empresas de tecnologia
Por outro lado, os portfólios ESG são frequentemente expostos a empresas de tecnologia, várias das quais apresentaram um desempenho superior devido ao alto consumo doméstico de produtos e serviços de TI durante a pandemia, como Zoom e Netflix.
Enquanto o S&P 500 caiu 13% nos últimos três meses, o Nasdaq recuou aproximadamente 6%. De todos os ativos que compõem o ESG MSCI USA Leaders Index, 26% são empresas de tecnologia.
3. Saúde e consumo não-discricionário
A dinâmica é semelhante na área de saúde, bens de primeira necessidade e empresas de consumo, que continuaram a ser demandadas durante a pandemia, dando alguma resiliência ao seu valor de mercado.
Logo depois do setor de TI, a área de saúde é a mais representada no S&P 500 ESG Index. As empresas desses setores percorreram um longo caminho nos últimos anos para adotar padrões ESG e, consequentemente, entraram no radar de investidores sustentáveis.
A gigante dos produtos de consumo Colgate-Palmolive e a CP ALL, que opera lojas de conveniência na Tailândia, também estão entre as empresas com melhor desempenho no Dow Jones Sustainability Index de 2019.
4. Boa gestão facilita adaptação em cenários incertos
De forma geral, companhias que valorizam questões ESG são simplesmente mais bem lideradas e, como tal, mais bem preparadas para se adaptarem a situações políticas, sociais e ambientais em rápida mutação. Por isso, tendem a ter vantagens competitivas e balanços mais fortes que as primas mais pobres em ESG.
O fundo que rastreia o Good Governance US equity Long/Short Index — índice que leva em conta temas como prudência financeira, abordagens proativas de gerenciamento de riscos e se a empresa contempla vários stakeholders — superou o desempenho do S&P 500 (TR) em 0,66%, em abril de 2020, e em 10,17% no acumulado do ano.
5. Agilidade
Em períodos críticos como o atual, ser ágil também é uma questão de sobrevivência. Ao longo dos anos, as empresas com bons padrões ESG enfrentaram mudanças estruturais para atingir objetivos como eficiência energética, melhor gerenciamento da água, e uso mais racional de matérias-primas.
A boa gestão de temas ambientais não significa apenas gerar benefícios para o planeta; trata-se de controlar custos, manter margens e preparar as empresas para quedas na receita. A falta de gordura corporativa e a experiência com mudanças internas ajudam a blindar as empresas ESG.
6. Modelos flexíveis de trabalho
Conseguir perseverar durante a crise atual também depende, consideravelmente, da capacidade de cada empresa de se ajustar ao trabalho flexível. Companhias com melhores padrões de sustentabilidade geralmente também superam outras empresas nesse quesito, pois suas políticas e práticas de RH costumam atender às diferentes necessidades dos funcionários e incentivar um equilíbrio saudável entre vida profissional e vida pessoal, oferecendo modelos de trabalho remoto e licença parental.
7. Sustentabilidade é a mãe da inovação
Outro ponto crítico neste momento é a capacidade de inovação. Inequivocamente, as empresas mais inovadoras estarão mais bem aparelhadas para sobreviver.
O casamento entre sustentabilidade e inovação tem sido objeto de um corpo crescente de pesquisa. Um estudo de 2009 mostrou que a sustentabilidade “é a mãe de inovações organizacionais e tecnológicas que geram retornos tanto da base para o topo, quanto do topo para a base”. Outro estudo realizado por professores de Harvard destacou que as empresas que levam em conta fatores ESG não como mero exercício de identificação de riscos mas também como uma oportunidade de criação de valor compartilhado e de inovação social podem proporcionar retornos superiores aos acionistas.
8. Óculos de longo prazo
Além disso, os investidores ESG estão mais inclinados a investir a longo prazo, favorecendo estratégias, fundamentos e criação de valor com horizontes mais dilatados, indo além de estimativas de lucro trimestrais.
Por isso, selecionam ativos que tendem a mostrar menos volatilidade e, geralmente, apresentam menos exposição a riscos de cauda, como punições de órgãos reguladores ou acidentes ambientais. Embora os ganhos de curto prazo possam ser sacrificados, os investimentos de longo prazo têm um potencial de desempenho superior em contextos como o atual, que lembram uma montanha-russa.
9. Atenção à comunidade local
É possível dizer ainda que as empresas globais continuarão sendo globais, mas os padrões de trabalho e a vida cívica deverão ganhar uma natureza mais isolacionista e localizada no pós-covid. Os nossos horizontes físicos se encurtaram e as empresas precisarão se ajustar. Aquelas, como as empresas sustentáveis, que possuem um histórico de diálogo com a comunidade e de engajamento de cidadãos, juntamente com uma sólida âncora local, terão uma vantagem inicial.
10. Alinhamento com estímulos verdes
Finalmente, pelo menos uma parte dos planos de estímulo e dos incentivos lançados por organizações globais como o FMI para auxiliar o mercado a enfrentar a crise deve oferecer uma oportunidade para orientar a economia em direção a menores emissões de carbono.
Embora muitas das medidas adotadas até o momento tenham se concentrado em reparar as fissuras econômicas, é provável que a implementação de novos instrumentos esteja alinhada com compromissos feitos anteriormente, como o Green Deal europeu de 1 trilhão de euros.
O mercado financeiro é um reflexo matemático e comercial da nossa sociedade. E, como tal, analisar balanços de empresas sem levar em consideração dados ESG é uma prática financeira imperfeita.
A crise da covid-19 ajuda a mostrar a exequibilidade da agenda ESG e sugere que, no século 21, as empresas mais sustentáveis continuarão provavelmente mostrando mais resiliência do que as suas contrapartes de qualidade inferior.
* Rodrigo Tavares, Ph.D., é fundador e presidente do Granito Group, uma empresa de consultoria, assessoria financeira e pesquisa focada na economia sustentável. É Professor de Finanças Sustentáveis na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em Portugal. Em 2017, foi nomeado Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico Mundial.