Organizada por Marina Cançado, a Converge Capital Conference 2024 realizada ontem, no coração financeiro de São Paulo, marcou a abertura da Brazil Climate Investment Week e reuniu quase 600 pessoas de bancos, fundos, family offices, entidades filantrópicas, empresas e governo.
Ao todo, foram 15 painéis com discussões de alto nível sobre os caminhos para se escalar os investimentos climáticos no Brasil.
A equipe de jornalistas do Reset acompanhou cada detalhe e traz até você uma seleção dos destaques do dia.
Setor financeiro, um momento da sua atenção…
“Não quero ser a geração que viu o Brasil perder essa oportunidade”, disse Cançado ao abrir a segunda edição da Converge Capital Conference, evento pensado por ela para furar a bolha daqueles que já colocaram a pauta climática no centro de seus negócios e levar o tema para o mercado financeiro brasileiro, que ainda não embarcou no financiamento da transição.
Cançado se referia à “chance de o Brasil realizar sua potência como país, de gerar e distribuir riqueza ao mesmo tempo” ao se firmar como uma referência na economia verde.
Melhorar o pipeline – e a narrativa
Mas, se nos últimos anos tem se repetido o mantra de que o Brasil é o país mais bem posicionado no mundo para capturar investimentos na transição para a economia de baixo carbono e nas soluções baseadas na natureza (NBS) para enfrentar a crise climática, a verdade é que outros países, como Índia e México, têm sido mais competentes em acessar esses bolsos.
“A Indonésia está fazendo um rapa (nesses fundos)”, resumiu Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa no Brasil e chair do Painel de Acreditação do Green Climate Fund – iniciativa da ONU com US$ 13,9 bilhões investidos ao redor do mundo.
Como transformar o potencial brasileiro em ação?
Tony Lent, fundador da Capital for Climate, afirmou que gestores estrangeiros têm mais de US$ 9 trilhões comprometidos com projetos que unem clima e proteção da natureza. Sua organização tenta fazer a ponte entre os recursos e empreendimentos no Brasil. Lent apresenta hoje, no segundo dia da Brazilian Climate Investment Week, um portfólio de oportunidades de US$ 500 milhões a US$ 750 milhões, em oito frentes de trabalho (como recuperação de pastos para recriar terras agricultáveis), para um grupo de 26 investidores.
Ele contou ter mapeado 400 iniciativas candidatas a investimentos, das quais 260 foram analisadas mais a fundo no último ano e meio e dispensou a desbotada metáfora do copo meio cheio ou meio vazio: “O Brasil tem o copo cheio o suficiente para avançar”, afirmou ele, que tem 20 anos de experiência em investimento na economia verde. Mas, disse, o pipeline precisa de maturação – algo que foi consenso entre os gestores e investidores presentes ao evento.
Mas não é só de dealflow que se faz uma economia verde. “Somos muito ruins de narrativa. Muito ruins”, disse Luciana Antonini Ribeiro, co-fundadora da eB Capital. “Nós, brasileiros, falamos para nós, brasileiros, a respeito das vantagens do Brasil.”
Ribeiro é uma das idealizadoras do Brazil Climate Summit, que já teve duas edições em Nova York e realiza a primeira edição europeia em Paris, no próximo dia 27, justamente para tentar posicionar o Brasil como hub de soluções verdes perante os investidores internacionais. “Eles não têm a menor ideia de que a gente tem uma matriz energética [limpa] que outros querem atingir em 20, 30 anos. Não fazem ideia do papel do biocombustível.”
É mainstream que querem?
E se a meta do evento era levar as finanças climáticas para o mainstream econômico, nada mais “raiz” no mercado financeiro do que o BTG Pactual.
Chairman e controlador do banco, André Esteves subiu ao palco na abertura para afirmar que nas últimas décadas o desafio do combate à mudança climática chegou, sim, ao mainstream. “Para um problema ser resolvido, ele precisa estar em cima da mesa.”
A realização da COP30 em Belém, no próximo ano, será uma das maiores oportunidades que o país já teve de mostrar seu potencial, disse o banqueiro. Esteves disse ter testemunhado, em evento que participou recentemente nos Estados Unidos, um “enorme desconhecimento” dos gringos sobre a Amazônia.
O país pode ganhar a corrida da transformação da economia pelo estômago, em sua visão. “Se você conversa com qualquer liderança do Oriente Médio ou da China, a preocupação é com segurança alimentar [diante das mudanças climáticas].”
Citando como outro trunfo a matriz energética mais limpa do G20, ele afirmou que o país não pode dispensar a ‘segurança oferecida pelo gás natural’.
Dividindo opiniões da plateia, também sugeriu uma abordagem que classificou de pragmática para a transição para um mundo sem combustíveis fósseis. Ele mencionou a garantia concedida pelo BTG a investidores que compraram uma térmica movida a carvão que pertencia à europeia Engie.
“Nossa primeira reação foi dizer: ‘Estamos fora’. Mas a usina estava lá, o comprador estava lá. Ou um fundo abutre ia comprar o ativo”.
Segundo ele, diante do compromisso do comprador de reduzir a vida útil da usina, o BTG aceitou oferecer crédito. “Temos que manter a cabeça aberta para soluções criativas.”
(Mais tarde o banco fez também um investimento na mesma usina.)
Onde já avançamos e o ‘tempo da democracia’
O economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, trouxe o cenário macro como pano de fundo. “Temos um cenário positivo, é só não fazer tolice”, disse ele, no painel “Riscos Climáticos na perspectiva econômica brasileira”.
Se o capital nacional ainda se move a passos de tartaruga rumo às soluções climáticas, ao menos do ponto de vista regulatório a coisa tem evoluído. A colunista do Reset Ana Luci Grizzi, sócia de Mudança Climática e Sustentabilidade na EY Brasil, ressaltou que a agenda regulatória ambiental tem sido puxada pelo Banco Central desde 2012.
A CVM, que segundo ela tem andado de forma mais ‘tímida’, deu uma grande contribuição ao baixar rapidamente, no ano passado, a resolução 193, que define padrões para elaboração e divulgação de relatórios de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade.
Mas o país está devendo ainda marcos regulatórios chave para dar segurança e atrair o capital da transição, disse Luciana Costa, diretora de Infraestutura, Transição Energética e Mudanças Climáticas no BNDES. Ela citou os vários projetos de lei que tramitam no Congresso – hidrogênio verde, combustíveis verdes, energia eólica offshore e do mercado regulado de carbono.
O Brasil, disse ela, demorou a encaminhar tais marcos e agora precisa aguardar o “tempo da democracia”. Há investimentos bilionários para hidrogênio verde no país só aguardando o marco ser aprovado, exemplificou.
Pelo amor ou pela dor
Spencer Glendon, fundador da consultoria Probable Futures, falou dos riscos ao mercado financeiro, que depende de padrões climáticos previsíveis para operar com segurança, um artigo cada vez mais escasso.
Glendon alertou para as consequências da crise em andamento, como o desaparecimento de resseguradoras nos últimos cinco anos e, agora, o grande número de seguradoras (ao menos 14) que abandonaram o segmento residencial na Califórnia ou na Flórida, por causa da alta frequência de desastres e da impossibilidade de calcular riscos diante do imprevisível.
“Na primeira vez que uma catástrofe natural acontece, é um problema das seguradoras; na segunda vez, talvez ainda seja das seguradoras; mas na terceira vez, é um problema de investidores e financiadores, porque as seguradoras já foram embora.”
Falando em urgência…
Beatriz Lima, sócia e co-responsável por renda variável na gestora de recursos Pragma, trouxe para a conversa o conceito do “time value of carbon”.
“É uma função da dinâmica do carbono na atmosfera: o valor do carbono retirado ou removido hoje é muito maior do que o valor do que é removido lá na frente”, explicou.
“Quanto mais a gente posterga, quanto mais pra frente a gente deixa esse desafio, pior vai ser. Vai ser mais abrupto e mais custoso. É do nosso interesse econômico que a transição seja organizada.”
“Investidores, nos pressionem”, foi o apelo da head de ESG da gestora Constellation, Helena Masullo, que dividiu com Lima o painel “Integração de riscos climáticos na gestão de portfólio”.
Segundo ela, 70% dos investidores da casa são estrangeiros e vem deles a maior pressão por alinhamento climático do portfólio dos fundos, enquanto os locais ainda não acordaram para o tema. “É um efeito cascata: vocês nos pressionam e nós pressionamos as empresas investidas”, disse ela.
O multi-family office Pragma, segundo Masullo, é uma exceção entre os clientes locais. “Somos um gestor tradicional e nosso mandato de investimento é maximizar retorno. Mas temos um portfólio só, que acreditamos que é ótimo, independentemente se tem famílias que se interessam mais ou menos pelo assunto clima e transmissão climática.”, disse Lima.
Ela elencou ativos do portfólio que classificou de ‘win-win’ (ganha ganha), que entregam uma boa relação risco e retorno e impacto ambiental positivo: investimentos em infraestrutura de projetos, energias eólica e solar e a cadeia de eletrificação de algumas indústrias.
Além do hype
Mesmo para os convertidos, a vida do investidor verde não é fácil.
O cientista ambiental Jonathan Foley alertou que os investimentos direcionados para supostas soluções climáticas estão desalinhados do problema. No segmento de venture capital, o setor de transportes se tornou o maior captador de recursos, no hype dos carros elétricos.
“Sistemas alimentares, agricultura, uso da terra e reflorestamento são setores que oferecem muito resultado e muito rapidamente, e são também os mais negligenciados”, disse Foley, diretor executivo do Projeto Drawdown, uma rede global de pesquisadores dedicados a acelerar a implementação de 93 tecnologias críticas para conter as emissões de gases de efeito estufa.
Foley afirma que 80% das soluções baseadas em ciência mapeadas pelo projeto já são mais baratas que as práticas tradicionais em uso atualmente, mas muitos investidores tomam decisões sem o melhor amparo científico.
“Precisamos de mais investimento (nessas áreas), mas acho que, para isso, governos, filantropos e outros tipos de investidores precisam abrir o caminho. Talvez o venture capital vá atrás.”
Filantropia estratégica
Herdeiros de três famílias empresárias brasileiras falaram de filantropia estratégica e transição de portfólios de investimento para incluir impacto e teses climáticas:
- Marina Feffer, herdeira da Suzano Papel e Celulose, fez um balanço do Generation Pledge, iniciativa que criou há seis anos para mobilizar capital de herdeiros de famílias de elevado patrimônio para investir em soluções para desafios socioambientais. Quem adere assume o compromisso de, a partir do recebimento da herança, doar pelo menos 10% para uma filantropia estratégica num prazo de até 5 anos. Os participantes também se comprometem a migrar todo seu capital para investimentos com impacto positivo. “Temos 93 pessoas no Generation Pledge, em 24 países e o Brasil tem 33 famílias. Só para filantropia já temos comprometidos US$ 840 milhões.”
- Um desses ‘pledgers’ brasileiros, Marco Kelson falou sobre a carreira que fez no mercado financeiro até chegar ao ponto em que seus valores pessoais não eram compatíveis nem com a carreira e nem com suas escolhas de investimento. Provocado pela esposa, a atriz e ativista climática Laila Zaid, passou a se dedicar à transição do portfólio de investimentos da família para ativos alinhados à questão climática. “Não tem nada no portfólio de investimentos de vocês aqui que não vai ser afetado pela crise climática. Nenhuma classe de ativo, nenhuma geografia”, provocou.
- Ana Maria Diniz trouxe a experiência do PolvoLab, fundo criado para incentivar a mobilidade social de quem ‘está fora do jogo’. O fundo mapeia produtos brasileiros de pequenas cooperativas e investe em pesquisa e desenvolvimento, capacitação e estratégia de logística e venda. “Essa iniciativa é para criar liberdade de escolha e conectar pessoas da base da pirâmide com cadeias produtivas que o Brasil pode desenvolver de uma forma muito mais profissional, porque o Brasil é ruim de fazer marca.”
De problema a solução
“Não dá para falar de transição climática no Brasil sem falar de pecuária”, disse Valmir Ortega, CEO da Belterra Agroflorestas. O empreendedor, um dos mais engenhosos para unir agenda verde e inclusão social, criou uma nova empresa, a Rio Capim, para promover práticas mais sustentáveis e regenerativas entre pequenos pecuaristas.
“Falar de agrofloresta é fácil, todo mundo gosta. Mas quando se começa a falar de pecuária, muita gente torce o nariz, já que ela é também parte do problema, não apenas uma solução”.
Durante o evento, a Rio Capim anunciou uma emissão de R$ 100 milhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que já nasce com R$ 10 milhões em cotas garantidas pelo Fundo JBS pela Amazônia, uma das entidades filantrópicas que mais tem injetado recursos em startups da região.
Andrea Azevedo, diretora executiva do fundo, disse que buscava um “intermediário do bem” que conectasse o pequeno produtor aos grandes frigoríficos, resolvendo uma dor do setor, que sofre para conseguir o rastreio completo do gado, do nascimento ao abate. “Da forma como está hoje, a cadeia produtiva é longa, geralmente bem desorganizada e sem padrão de produção.”
No flow
A noite já caía sobre a região da Faria Lima quando sete gestores de fundos de venture capital e private equity subiram ao palco para apresentar as oportunidades em negócios que têm recebido seus cheques – e também os desafios para estruturar e encorpar o chamado dealflow verde no Brasil.
Na primeira parte, falaram os gestores de private equity.
Eduardo Mufarej, fundador da Good Karma Partners e responsável global pelos investimentos em soluções naturais do fundo Just Climate, tem nas mãos um mandato “incomum”, segundo suas próprias palavras: metade do dinheiro será alocada em mercados emergentes. Ele estima que o país fique com um terço dos recursos do novo fundo.
O Just Climate é parte da Generation Investment Manager, do ex-presidente americano Al Gore. Ele estima que o país fique com um terço dos recursos do novo fundo.
Mas ainda há um longo caminho até tornar os negócios da natureza algo relevante na economia brasileira. E, em se tratando de investimentos verdes em geral, os gestores foram unânimes em apontar para uma necessária cooperação entre os atores dos investimentos alternativos para organizar o pipeline de negócios e conseguir atrair mais estrangeiros.
“Semana passada o Calpers, maior fundo de pensão americano, alocou US$ 25 bilhões para investimentos verdes. Mas o foco deles a princípio é Europa e Ásia. Não falta espaço para colaborar e criar esse ecossistema que vai colocar o Brasil no mapa”, afirmou Lourenço Tigre, sócio-fundador e CFO da Yvy Capital. Lançada no ano passado, a gestora tem entre os sócios o ex-ministro da Economia Paulo Guedes e o ex-presidente do BNDES Gustavo Montezano e está em fase de captação do fundo.
Pedro Faria, fundador e diretor de investimentos da Kamaroopin e sócio do Pátria, apontou um sinal importante captado no exterior: o possível interesse das gigantes da tecnologia, que têm bilhões em caixa e que não costumam investir em private equity. “São empresas que não têm a capacidade de originar [negócios] ou colocar o capital para trabalhar, às vezes nos próprios compromissos [de descarbonização] que assumiram.”
E, se depender de retornos atrativos para trazer o capital de fora, Aníbal Wadih, da GEF Capital, disse que a casa tem entregado algo na casa de 20% a 25% ao ano, em dólar. Veterena com três fundos no Brasil voltados a soluções climáticas, a casa levantou R$ 1 bi no ano passado.
Com a palavra, o venture capital…
Três gestores de venture capital e early growth falaram dos seus portfólios e dos desafios de quem atua no berçário dos negócios verdes.
Quando se fala em soluções para a natureza e clima no Brasil, quase 100% dos negócios que buscam capital ainda estão em um estágio inicial. “Um dos desafios para se empreender no país é o pouco funding. Tem pouco capital concessional ou de blended finance para early stage e pre-seed”, disse Pedro Vilela, CEO e co-fundador da Rise Ventures, uma casa que se classifica como ‘private equity early growth’.
A Rise acaba de abrir a captação de um segundo fundo que tem o clima como tese central, para levantar entre R$ 250 milhões e R$ 500 milhões, contou Vilela.
Se antes os recursos para as gestoras de venture capital de impacto brasileiras vinham majoritariamente de famílias e indivíduos de elevado patrimônio, agora os investidores estrangeiros estão entrando na conversa. “No primeiro, representava 10%. Agora, estamos mirando capital internacional porque o nível de maturidade é diferente.”
Mesmo sem estar em captação, a Positive Ventures também já identificou a mesma demanda de fora. “Temos sido demandados por fundos multilaterais, e outros para ter conversas e entender exatamente a questão de investimento em clima e resolver isso no Brasil”, disse Andrea Kestenbaum, sócia-fundadora e CEO.
Na Positive, que tem R$ 250 milhões sob gestão, 70% dos investimentos já são voltados exclusivamente para negócios na área de clima, como a argentina Pachama e a brasileira Eureciclo.
Com foco no universo do agronegócio, Antonio Moreira Salles, da Mandi Ventures, trouxe para a mesa um desafio que o setor privado não resolverá sozinho: a falta de investimento em pesquisa e a desconexão entre academia e setor privado no Brasil.
“A gente adora falar de Embrapa, e tem coisas incríveis de fato. Mas, hoje, 90% do grant que deveria ir para pesquisa vai para pessoas [folha de pagamento]”, disse. “Por que será que o cacau do Brasil já foi super relevante para o mundo, e hoje não é mais?”
A Mandi tem cerca de R$ 150 milhões sob gestão e investe em quatro empresas na Europa, duas nos Estados Unidos e duas no Brasil.
Tanto Salles quanto Kestenbaum têm contornado a dificuldade de dealflow no Brasil buscando oportunidades também fora – e trazendo-as para o mercado brasileiro.
“Uma tecnologia muito interessante e importante, ao ser aplicada no Brasil, sobe a outro patamar”, disse Salles.
(Reportagem de Sérgio Teixeira Júnior, Ilana Cardial, Marcos Coronato e Vanessa Adachi)