Nos últimos meses, gestores de fundos e bancos passaram a sentir um expressivo aumento da demanda de investidores estrangeiros por ativos com atributos sustentáveis no Brasil, mais especificamente, climáticos.
A combinação da volta do Brasil a uma posição de respeito nos fóruns climáticos globais e uma regulamentação mais rigorosa para investimentos sustentáveis, especialmente na Europa, colocaram o país na rota daqueles que buscam ativos verdes.
José Pugas, chefe de ESG da gestora carioca JGP, acaba de emendar sua participação na semana do clima em Nova York com uma esticada até Genebra. A agenda das viagens foi tomada de encontros com potenciais investidores – de bancos e fundos a famílias de elevado patrimônio.
“Antes, os investidores discutiam cheques de R$ 30 milhões a R$ 50 milhões para o Brasil. Agora estamos falando de cheques maiores, de R$ 150 milhões a até R$ 300 milhões”, diz.
Na próxima COP, em Dubai, em novembro, o Brasil promete ter protagonismo renovado não só nas discussões diplomáticas. “Tem havido uma demanda de investidores estrangeiros por reuniões bilaterais com bancos e gestores brasileiros durante a COP para conhecer as oportunidades de negócios no país”, diz Fabiana Silva, que lidera a área de ESG e negócios sustentáveis do banco ABC Brasil, controlado pelo Arab Banking Corporation.
Efeitos da regulação europeia
“Só na União Europeia existem hoje US$ 5 trilhões ávidos por ativos sustentáveis”, diz Julieda Paes, brasileira baseada em Londres que é responsável pelo compliance global em ESG num grande banco internacional.
Nos últimos dois anos, tem havido uma migração de recursos para fundos classificados como sustentáveis desde que a nova regulamentação do bloco entrou em vigor, no início de 2022. Parte de um arcabouço regulatório mais amplo para estimular o fluxo de capital para a transição da economia para o baixo carbono, a chamada Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR) foi criada para que os gestores de fundos reportem o grau de integração de sustentabilidade de seus produtos de investimento, como forma de orientar melhor o investidor e combater o greenwashing.
Pelas regras da SFDR, todos os fundos devem se enquadrar em três artigos da regulação, dependendo do seu grau de comprometimento com a sustentabilidade: 1) o artigo 6, para produtos sem atributos de sustentabilidade; 2) no artigo 8 enquadram-se os fundos conhecidos como ‘light green’, aqueles que promovem fatores ESG nas empresas e ativos investidos, independentemente do setor de atividade; 3) no artigo 9 estão os chamados fundos ‘dark green’, que têm como política aplicar em ativos com objetivos sustentáveis.
Logo que entrou em vigor, a SFDR levou a uma onda de rebaixamento de fundos que não atendiam aos novos padrões. Mas agora o que se vê é uma tendência oposta.
“Nossas conversas no setor indicam que os gestores consideram cada vez mais difícil vender fundos do artigo 6, levando todos os fundos a ser pelo menos artigo 8. [Até agora], 435 fundos de ações e de renda fixa foram elevados do artigo 6 para o 8, representando US$ 131 bilhões em ativos sob gestão”, afirmam analistas do Goldman Sachs em relatório publicado no mês passado.
Além da reclassificação de fundos, tem havido um influxo muito maior de recursos nos fundos com atributos de sustentabilidade.
“Hoje, pouco mais da metade dos quase US$ 10 trilhões em fundos na União Europeia estão em produtos classificados como artigo 8 ou 9. E este é o tamanho da oportunidade, porque não existe lastro suficiente para oferecer a esses clientes”, disse Paes, numa live organizada pelo LAB de Inovação Financeira sobre as oportunidades do SFDR para gestores brasileiros, no último dia 6.
Vantagens e obstáculos
Na visão dela, o Brasil oferece múltiplas vantagens em relação a outras jurisdições:
- matriz energética limpa;
- o ‘Jardim do Éden da biodiversidade’;
- o ‘Oriente Médio dos offsets de carbono’;
- reservas de metais críticos para a transição energética;
- mercado de capitais sofisticado;
- e projetos com retornos compatíveis com os de mercado, que dispensam estruturas híbridas de capital, com recursos filantrópicos (blended finance).
Se a demanda está dada e o Brasil se apresenta como um manancial de oportunidades, existem obstáculos nada desprezíveis para que o dinheiro efetivamente flua para o país e financie a transição da economia brasileira para o baixo carbono.
Os principais são o risco país e a volatilidade cambial brasileira, questão tratada pelo economista Winston Fritsch, em recente artigo no Reset.
“São dois problemas financeiros que impedem a atração de um capital que não quer correr o risco cambial do Brasil e o risco soberano”, diz Paes. Na visão dela, o governo brasileiro deveria canalizar recursos prioritariamente para resolver esses gaps. “O resto o setor privado vai fazer.”
Construindo os encanamentos
Outra dificuldade é a escassez de fundos na prateleira para absorver esse capital que começa bater à porta.
A Itaú Asset, maior gestora de recursos do Brasil, começou a sentir uma demanda de investidores institucionais europeus por produtos no Brasil que possam atender aos artigos 8 e 9 da SFDR, diz Renato Eid, que lidera a área de investimentos responsáveis e de estratégias beta.
Com R$ 870 bilhões sob gestão, a asset do maior banco privado brasileiro tem apenas um fundo que se adequa à demanda. “Estamos nos preparando para fazer um road show para potenciais investidores”, diz Eid.
O fundo é o Active Fix ESG MM, um fundo de crédito privado que investe em títulos de dívida emitidos por empresas de setores como saneamento básico, energia renovável, educação e saúde. Ao todo, são mais de 40 papéis diferentes na carteira.
Eid é criterioso ao dizer que este não é um fundo de impacto, mas sim um produto temático, que busca ativos que gerem externalidades sociais e ambientais positivas. Criado há dois anos, o fundo é pequeno, mas vem ganhando tração com a queda da taxa de juro local e, nos últimos dois meses, saiu de R$ 75 milhões para R$ 120 milhões.
A montagem da carteira ainda é um desafio. “Os ativos verdes ainda são escassos”, diz Eid, explicando que a casa procura se valer da experiência do robusto time de análise de crédito e da bagagem em análise ESG para acessar esse tipo de negócio em primeira mão.
A gestora JGP tem atualmente R$ 1 bilhão em ativos sob gestão que considera como ESG, incluindo um fundo de crédito, o JGP Crédito ESG, que, segundo Pugas, equivale a um artigo 8+ da regulação europeia (categoria intermediária que vem surgindo e mescla características dos artigos 8 e 9).
“Falta produto na Europa e por isso estão vindo para o Brasil. Mas o dinheiro está vindo e aqui os produtos também ainda não existem”, diz José Pugas.
Segundo ele, hoje o investidor não está mais interessado em produtos que invistam nas companhias ‘best in class’ em ESG. “O estrangeiro que vem ao Brasil quer, acima de tudo, soluções baseadas na natureza”, diz.
As chamadas Nature Based Solutions (NBS) são atividades e tecnologias de manejo sustentável, proteção ou restauração de ecossistemas que oferecem respostas à degradação ambiental e às mudanças climáticas. Se enquadram na categoria negócios como o reflorestamento de mata nativa e a agricultura regenerativa, por exemplo.
E, se o Brasil tem um enorme potencial nessas frentes, o fato é que o país ainda está na infância dessas atividades. “Não é que faltam projetos, mas faltam projetos que dialoguem com os mandatos dos investidores existentes hoje”, diz Pugas.
Trocando em miúdos, o pipeline de projetos está sendo construído agora e ainda não tem a liquidez que o investidor demanda e nem a escala para comportar os cheques disponíveis. “Estamos falando de projetos com outro tempo de maturação. Muitas vezes estamos falando de contratos de dez anos, com dois de carência.”
Para exemplificar, ele cita o caso da Belterra, empresa de recuperação de áreas degradadas com sistemas agroflorestais, que está no pipeline de estruturação de projetos da área de assessoria ESG da gestora. “A Belterra começou com investimento de R$ 130 milhões e vai bater em R$ 1,5 bilhão até 2030.”
Outra dificuldade, diz, é que existe abundância de capital comercial, mas ainda falta capital catalítico para absorver o risco desse tipo novo de negócio. “Para cada R$ 300 de capital comercial, precisamos trazer cerca de R$ 100 de capital catalítico e não temos essa disponibilidade hoje. Instituições de fomento como IFC e BID estão aprendendo agora a trabalhar nesses novos moldes, oferecendo o capital catalítico para alavancar esses projetos.”
Não é só no Brasil que os projetos verdes ainda estão sendo criados.
“O mundo ainda está com poucos cases de sucesso. No Brasil, os projetos de soluções baseadas na natureza ainda não são grandes e o dinheiro estrangeiro não quer negócios pequenos”, diz Daniel Brandão, diretor de impacto da gestora Vox Capital.
A gestora acaba de lançar um Fiagro para recuperar áreas degradadas de pastagens. “Ainda estamos originando os ativos”, diz Brandão. Segundo ele, a casa hoje não está pronta para atender essa demanda do capital estrangeiro, mas quer estar preparada até 2025.
Com um escopo que vai além das soluções baseadas na natureza, a gestora Yvy, acaba de ser criada pelo ex-presidente do BNDES, Gustavo Montezano, com a intenção de mobilizar o capital internacional em escala para projetos que destravem o potencial brasileiro de contribuir para a descarbonização da economia global. Em conversa com o Reset, Montezano também citou a carência de projetos.
Com foco em transição energética, recursos naturais, agroindústria e saneamento e resíduos, o primeiro fundo de private equity da Yvy deve começar a captar em breve. Outras casas de private equity, como GEF e Vinci, também têm atraído capital estrangeiro para fundos climáticos na casa do bilhão.
Na consultoria Nint, especializada em finanças sustentáveis, estão chegando demandas específicas de gestoras locais para enquadrar novos fundos na regulamentação europeia. “Não é uma demanda explosiva, mas começou a aparecer”, diz o CEO Gustavo Pimentel.
“Hoje existe uma corrida no mundo para ver quem se adapta mais rápido”, diz Julieda Paes. “Se o Brasil não correr, vai ficar para trás.”