A partir de uma planta encontrada no ‘quintal de casa’, um grupo de pesquisadores brasileiros conseguiu extrair uma molécula que está se mostrando promissora no combate ao tipo mais agressivo de câncer de mama, que afeta 300 mil mulheres por ano no mundo, e que hoje não tem um tratamento específico.
Batizada de 3-NAntC, a molécula demonstrou, nos testes in-vitro, forte ação antitumoral contra o câncer chamado triplo negativo, que corresponde a 13,4% dos casos totais e apresenta o pior prognóstico — entre 30% e 40% das mulheres morrem até cinco anos após o diagnóstico.
Há oito meses a startup de pesquisa e desenvolvimento PHp Biotech foi fundada junto de executivos da indústria farmacêutica exclusivamente para incorporar a pesquisa e agora busca R$ 6 milhões para acelerar as próximas etapas do desenvolvimento da molécula.
Os recursos da rodada atual vão financiar a fase pré-clínica, que envolve a testagem em animais e antecede a fase clínica, em seres humanos.
A estrada adiante ainda é longa.
O objetivo é, dentro de seis a nove anos, ter um fármaco aprovado pelo FDA americano e que possa ser vendido para um grande laboratório multinacional.
Segundo Patrícia Alves Bezerra, biotecnologista que lidera as pesquisas, a molécula já foi reproduzida de forma sintética em laboratório e se mostrou bastante estável, pré-requisitos para que possa ser produzida em escala industrial mais adiante.
Por motivos estratégicos, a PHp Biotech não revela detalhes sobre a molécula, como o bioativo que a originou, mas afirma que a tecnologia é 100% da empresa e que o ativo é originário do Brasil.
“Essa molécula foi tirada do ‘quintal da nossa casa’, então é muito improvável que lá fora pesquisadores consigam identificá-la e cheguem a esse mesmo sintético”, disse Alves durante o evento para investidores. “Estamos fazendo com que a ciência do país e o potencial da nossa biodiversidade possam ajudar milhares mulheres no mundo todo.”
Captação em duas frentes
A captação da empresa tem duas frentes. Uma no valor de R$ 5 milhões, que mira fundos, particularmente os especializados na área da saúde. Entre esses, há conversar com o Fundepar, de Minas Gerais, que provê capital semente para empresas de base tecnológica.
A segunda frente pretende levantar R$ 1 milhão por meio de um equity crowdfunding na plataforma da Wishe, que procura ampliar a fatia de investidoras mulheres.
“A ideia é proporcionar às mulheres uma sensação de pertencimento ao desenvolvimento de um produto que pode salvar a vida de mulheres em todo o mundo”, disse o CEO da PHp Biotech, Moacyr Ramos Bighetti, em recente apresentação para investidoras.
O modelo de negócios da PHp é inspirado nas startups estrangeiras que abastecem o pipeline de inovação da indústria farmacêutica. Assim, a startup não tem receita, vínculos trabalhistas ou fluxo de caixa.
“Quando a empresa vai ter efetivamente receita? Em duas hipóteses: com o licenciamento para uma grande multinacional ou pela venda da molécula para um grande laboratório”, explicou o CEO.
Esse modelo muda também a dinâmica para os investidores. Do dinheiro que pretende levantar, entre 70% e 80% devem ser destinados para a pesquisa. E, quem entrar agora, terá que sair assim que terminar a fase de estudos pré-clínicos, prevista para durar de um ano e meio a dois.
O objetivo é mitigar os riscos para os investidores e garantir a expertise necessária em cada etapa.
Para financiar a testagem em mulheres, além do registro e a comercialização do fármaco, a empresa terá que fazer uma segunda rodada, mais robusta, que dará saída aos investidores atuais. A projeção é que a nova captação, de cerca de R$ 100 milhões, ocorra no fim de 2022.
“O nosso modelo de negócio é de parceria com grandes multinacionais, uma Pfizer, uma Novartis, uma Johnson, empresas que estejam no setor e tenham fármacos oncológicos”, diz Moacyr Bighetti.
Uma das inspirações da PHp é a BioNTech, startup alemã de biotecnologia que ficou famosa em 2020 após firmar uma parceria com a Pfizer para a produção da vacina de covid-19. Apesar de ser focada em oncologia, a BioNTech tinha estudos avançados sobre RNA, o que interessou à gigante farmacêutica.
Ativo ‘made in Brazil’
Existem três tipos de câncer de mama e o tratamento de cada um depende do tipo de receptor presente em suas células, ou seja, como elas se ligam a outras células.
No caso dos tipos de câncer luminal A e B, que juntos respondem por quase 80% dos casos, por exemplo, os receptores são hormonais e, por isso, o tratamento adequado é a hormonoterapia.
No caso do triplo negativo, no entanto, nenhum dos tratamentos específicos funciona porque suas células não possuem receptores. Assim, a única saída a essas mulheres é a quimioterapia, que apresenta muitos efeitos colaterais e baixa eficácia.
A PHp Biotech foi criada durante o Outubro Rosa de 2020, mas a história começou 15 anos antes, quando pesquisadores de universidades públicas de São Paulo passaram a investigar alguns ativos retirados da natureza.
O “pai da molécula” é o físico Roberto de Mattos Fontes, professor titular no Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu, que detectou que determinado ativo da natureza tinha forte ação anti-tumoral.
Depois, a professora Maria Regina Torqueti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas na USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto (SP), e a pesquisadora Patricia Alves, doutora pela mesma universidade e hoje responsável pelo projeto na PHp, descobriram que a molécula era mais eficiente para o tratamento do câncer de mama triplo negativo.
À equipe de pesquisadores, se juntou um time de executivos e membros do conselho consultivo com experiência na indústria farmacêutica e no negócio de saúde, responsáveis por estruturar — e vender — o negócio.
(Crédito da imagem: Louis Reed/Unsplash)
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