Ilan Goldfajn: BID emitirá bônus para financiar projetos na Amazônia

Em entrevista ao Reset, o presidente do BID falou das inovações para levar o investimento em mitigação e adaptação de “bilhões para trilhões”

Ilan Goldfajn, presidente do BID
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Manaus (AM) – O BID Invest, braço do Banco Interamericano de Desenvolvimento que financia o setor privado, está com tudo pronto para emitir em breve um bônus para captar recursos exclusivamente para projetos na Amazônia. 

A novidade vinha sendo gestada e agora está a ponto de ir ao mercado, segundo antecipou ao Reset o presidente do BID, Ilan Goldfajn. 

Trata-se de uma espécie de green bond, um título de dívida temático, em que os recursos são carimbados para um objetivo específico. “Queremos capturar o desejo global de trabalhar com a região.”

Tendo o Teatro Amazonas ao fundo, Goldfajn conversou com a reportagem no restaurante do hotel em que está hospedado no centro de Manaus, onde participa da Semana de Sustentabilidade 2024 do BID Invest, que termina hoje.

O bônus, segundo Goldfajn, vai testar o apetite do mercado para uma outra inovação que deve ficar pronta até o fim deste ano: a criação de um “Amazon bond” que poderá ser emitido pelos países que compartilham o território da floresta amazônica.  “Cada país vai emitir segundo os mesmos parâmetros, a mesma taxonomia comum.”

Diante do desafio mundial de direcionar US$ 1 trilhão ao ano para financiar projetos e negócios de mitigação e adaptação climática, Goldfajn encampou uma agenda de reforma e inovação do BID e dos demais bancos multilaterais, vistos como os alavancadores de investimentos climáticos privados, dentro da nova arquitetura financeira global para a transição verde.

Em março, ele conseguiu aprovar com os países acionistas do BID um aumento de capital de US$ 3,5 bi para o BID Invest, um dos componentes da já anunciada ampliação da capacidade de empréstimo do grupo em US$ 110 bilhões na próxima década.

Na entrevista, Goldfajn falou de outro recente avanço: a aprovação do Fundo Monetário Nacional para que os países membros usem uma reserva mantida na entidade para capitalizar os bancos multilaterais para financiamento climático. “Agora estamos mandando cartas aos países para pedir o dinheiro”.

Ele também contou que o BID Invest planeja a venda de uma parte da sua carteira de empréstimos no mercado para liberar espaço no balanço para novas operações, explicou o novo modelo em que o impacto socioambiental dos projetos “virá na frente” para a aprovação dos empréstimos e falou da estratégia que está adotando para convencer os acionistas a fazerem uma nova injeção de capital no grupo, desta vez para o próprio BID. 

“Queremos fazer a multiplicação dos pães.”

A seguir, a entrevista: 

Considerando os diferentes tipos de capital possíveis, qual a equação para que o mundo consiga alcançar o financiamento climático em volumes suficientes para deter o aquecimento global?

Vários estudos no mundo apontam para US$ 1 trilhão por ano e isso é muito além do que é capaz cada um dos bancos multilaterais ou todos eles juntos, ou seja, o setor público. Então, terá que vir, de um lado, do aumento da capacidade pública de financiar, e, de outro, do aumento dos recursos privados alocados.

De forma esquemática, isso significa duas coisas. Primeiro tem o capital atual dos bancos multilaterais e o que eles podem financiar com isso. Há uma série de recomendações de adequação de capital, que é basicamente o que você pode fazer para aumentar os empréstimos com o capital que já tem. 

Podemos fazer algumas economias, diversificar, trocar ativos que temos em carteira com outros bancos, como o Banco da Ásia, com o Banco da África. Diversificando, a gente fica menos exposto à América Latina e eles ficam mais expostos aqui na região. Nós ficamos mais expostos a Ásia e África e isso nos dá mais espaço para emprestar.

Podemos trabalhar na frente de seguros [para mitigar riscos] e emprestar mais e há outros instrumentos também [para liberar mais capital para os bancos]. 

Cada um dos bancos multilaterais está trabalhando nessas recomendações. No caso do grupo BID, considerando também a capitalização do BID Invest de US$ 3,5 bilhões [aprovada em março], e também o dinheiro que conseguimos para o BID Lab, que é nosso braço de inovação, teremos, nos próximos 10 anos, mais US$ 110 bilhões para emprestar, ou seja, mais US$ 11 bilhões de empréstimo todo ano. Hoje fazemos US$ 25 bi por ano, então, chegaremos a quase 50% a mais.

Mas isso é para tudo e não só para clima…

Para tudo. Mas temos o objetivo de que todos os empréstimos tenham um componente, um percentual, de clima. Por exemplo, se vamos financiar saneamento básico, ele tem que ser resistente a enchentes. Boa parte dessa economia que estamos fazendo acabará sendo dirigida a mitigação ou adaptação climática. 

Então, em primeiro lugar temos as economias próprias, em segundo estão os aumentos de capital e, em terceiro, vem a mobilização de capital. A gente acredita que é capaz de atrair outros capitais.

É o que estamos fazendo, por exemplo, com o Amazônia Sempre, um programa que combinamos com os ministros da Fazenda da região, com os governadores dos Estados, com os bancos públicos, que está atraindo um monte de empresas que nunca pisaram aqui.

Pode dar um exemplo?

Temos uma iniciativa que é uma rede de bancos privados, a Amazon Finance Network, que começou com 20 bancos e todo mundo quer colocar um pedaço [de recursos para empréstimo]. Está juntando a vontade de entrar emprestando – o business – com o propósito, a ideia de que você está aqui fazendo algo pela região. Hoje estive numa empresa de baterias de lítio [a UCB Power] e eles querem a nossa associação para fazer mais. 

Deixa eu complementar com o último ponto: o próprio modelo do BID Invest é novo. Lançamos o conceito ‘originar para compartilhar’. Vamos pegar o exemplo das baterias de lítio e supor que a empresa precise de bilhão. A gente pode entrar com US$ 500 milhões e o Banco Mundial com um pedaço, o Banco Europeu com outro. É uma forma de trazer, neste caso, bancos públicos. Mas normalmente teremos setor privado entrando com a gente. A gente quer usar a nossa vantagem de estar aqui na região e entender os projetos, porque os bancos e empresas confiam que aqueles escolhidos por nós têm probabilidade maior de dar certo. 

Se eu faço 10% do empréstimo e outros fazem os demais 90%, eu multiplico o dinheiro. De cada dólar que coloco, faço mais nove. Consigo que aqueles US$ 110 bilhões que mencionei se multipliquem por 10. Queremos fazer a multiplicação dos pães. Estamos mudando o modelo completamente e o BID Invest virou um modelo para os outros multilaterais. 

E vamos inaugurar daqui a pouco a primeira operação do tipo ‘originar para compartilhar’, que será pegar uma parte do nosso portfólio e vender.

Como será isso?

Teremos alguém no mercado ajudando a gente, para pegar o nosso portfólio de projetos e vender uma parte.

E aí vende e libera espaço no balanço para fazer novos empréstimos?

Isso a gente não fazia. 

Confiando que vocês têm uma boa capacidade de originação na região… Você está falando do portfólio do BID Invest? 

Sim, porque agora capitalizamos o BID Invest e podemos dobrar [os empréstimos], mas uma hora vai acabar também, então tem que mudar o meu modelo. E a gente precisa ir de bilhões para trilhões.

Além da capitalização de US$ 3,5 bi para o BID Invest aprovada em março, há outras sendo negociadas, para o próprio BID?

Por enquanto é isso. Nos empréstimos ao setor público vamos focar em demonstrar que os empréstimos que estamos fazendo têm mais impacto. Nosso discurso de mais efetividade e impacto tem dois objetivos. Um, de fato, é gerar mais impacto. O outro é convencer os meus acionistas dos governos que não é só o nosso setor privado [BID Invest] que precisa se capitalizar. Mas para conseguir aumento de capital para o público, preciso dar alguns passos, no que a gente chama de Impact Plus, para depois pensar em capitalização.

Por que é mais fácil convencer os acionistas a fazer o aumento de capital no braço privado do que no público?

Porque eu preciso, neste momento, mostrar que os empréstimos que a gente tem dado para os governos têm tido a efetividade e o impacto que a gente gostaria. Temos que mudar a ideia de que estamos emprestando dólares apenas para financiar buracos de balanço de pagamentos ou buracos orçamentários de países.

É uma nova lógica. Hoje, se o país está precisando de US$ 2 bilhões, ele me traz um projeto. O que estamos falando agora é: primeiro você me traz um projeto e eu penso em quanto dinheiro vou te dar. A limitação passa a ser a existência de projetos bem feitos, que gerem impacto. A lógica dos bancos públicos de forma geral é: tenho que emprestar mais. Eu venho do setor privado e ninguém nunca me mediu pelo que eu gasto, mas pelo resultado.

E o acionista sabe dessa lógica e está nessa desconfiança. No setor privado, em um ano eu consegui um consenso para BID Invest e BID Lab, mas não para o setor público. 

Em quanto tempo você acha que vai conseguir fazer isso? 

Não sei. Mas na reunião anual do BID do ano que vem, que será no Chile, vamos anunciar as reformas. Agora anunciamos a aprovação da estratégia e no ano que vem vamos detalhar como será feita. 

Pode falar um pouco como será?

Na questão de impacto, tenho que mudar tudo de inputs para outcomes.

Hoje, muito do que é medido é o que a gente aporta. Por exemplo, acabei de falar que a gente tem metas de quanto emprestar para o clima. É importante. Mas eu quero medir onde eu cheguei, quero medir o CO2, quero medir o desmatamento evitado.

Então, vocês vão desenvolver esses indicadores de performance de impacto?

Hoje existem alguns indicadores e vamos elevá-los e trabalhar com metas para torná-los mais explícitos.

Meta do BID, nos contratos ou ambos?

Ambos. Primeiro, nos contratos sempre existiu. Mas é uma matriz de impacto tratada como um apêndice dos contratos, nunca levada a sério. Vamos levar a sério, ela virá na frente. Quantas pessoas vai beneficiar? Como vai beneficiar? E, além de fazer isso para cada projeto, vou ter que agregar os projetos para uma meta maior. E é difícil. Porque como é que eu vou agregar milhões de projetos? Posso agregar todos os projetos de clima. Mas como é que eu vou agregar projetos de clima com projetos de pobreza? Então, isso é o que a gente está pensando agora. A cozinha não é bonita, tá? É uma mudança de funcionamento.

Você já mencionou em entrevistas a proposta de criar um bônus amazônico, a ser emitido pelos países da região para captar recursos para investir na floresta. Em que estágio está essa ideia? 

Está avançando. As equipes do Banco Mundial, do BID e dos governos estão trabalhando juntas. A ideia agora é ter um guia de regras conjunto para emissão desses bônus cujos recursos serão usados para a região.

E quem é o emissor de um papel desses, já que são vários governos diferentes?

Abandonamos a ideia de emitir um bônus único. A ideia agora é que os emissores continuem sendo os países, que é o mais fácil. Só que cada país vai emitir segundo os mesmos parâmetros, a mesma taxonomia, o mesmo arcabouço comum.

Em que estágio está isso?

Queremos ter o arcabouço até o fim do ano, já pronto para começar a fazer emissões. Mas, como tem tempo até o final do ano, pode ser que o banco teste o mercado antes disso.

Ou seja, o BID Invest deve fazer uma emissão em breve para testar o mercado?

Os bônus amazônicos, com um guia para os países, é algo para o próximo semestre. Agora, a emissão do BID Invest que a gente vai usar para a região vai ser logo.

Você levantou algumas bandeiras para conseguir aumentar o capital disponível para os bancos multilaterais ampliarem os financiamentos para clima. Uma delas acaba de ser aprovada em maio pelo Fundo Monetário Internacional. Pode explicar como vai funcionar? 

Nós e o Banco Africano de Desenvolvimento defendemos isso e o FMI aprovou que o chamado Direito Especial de Saque, ou Special Drawing Rights [uma espécie de reserva internacional suplementar para os países membros que fica ‘depositada’ no fundo], possa ser usado para capitalizar os bancos multilaterais. Agora, está aprovado, mas daí a convencer de fato a fazerem é outra conversa. 

A negociação começou agora. Enviamos cartas aos países pedindo e vamos conversar. 

Já há uma estimativa de quanto isso pode trazer para o BID?

US$ 20 bilhões é o tamanho dessas reservas no FMI que podem ser transferidas para todos os bancos. Mas vamos começar mais humildes, pedindo um pouco para cada um e mostrar que isso é seguro, que ninguém vai perder a liquidez. 

Mas é um bolso novo…

Um  bolso novo e importante. Porque, para esses US$ 20 bilhões, consigo US$ 80 bilhões em empréstimos. 

Outra medida que você tem defendido, também bastante técnica, é o reconhecimento do chamado ‘callable capital’ como capital dos bancos multilaterais para efeitos de alavancagem dos empréstimos. Como está isso? [O callable capital, criado no pós-guerra e nunca usado, é um compromisso dos países acionistas dos bancos multilaterais de capitalizar essas instituições em circunstâncias financeiras extremas. O reconhecimento desse compromisso, que totaliza US$ 2 trilhões, como capital faz parte de uma lista de recomendações de modernização dos bancos multilaterais feitas por um painel independente do G20, em 2022.]

O callable capital é um dinheiro que o banco pode acionar de forma emergencial. Mas havia muitas dúvidas. Pode acionar como? Tem que ir para o Congresso aprovar? Quanto tempo demora? Todos os bancos multilaterais de desenvolvimento fizeram um esforço e hoje ficou claro que, de fato, existe esse dinheiro, ele é de verdade. Mesmo que tenha que passar nos parlamentos, você tem a capacidade de reagir relativamente rápido.

Agora, a gente vai para o exercício de convencer as agências de classificação de risco, para que elas percebam que aquilo é capital de verdade. Se eu tenho mais capital, eu consigo emprestar mais. 

Ou seja, para que os bancos possam emprestar mais sem que as agências rebaixem o rating por conta de uma suposta alavancagem adicional?

Exatamente.

Vamos encerrar falando do Rio Grande do Sul e o quanto a tragédia pode aumentar a demanda dos governos por financiamento para adaptação e remediação climática?

Todo mundo está pensando em como ter um projeto contingente. Como se proteger. A gente quer sair com um grande projeto regional, um programa regional de cooperação, com instrumentos financeiros, porque vai faltar dinheiro, com ajuda física quando acontece uma tragédia, com parâmetros de o que fazer antes para se preparar. Vamos tentar anunciar no próximo encontro anual do banco. 

Agora, a gente já está trabalhando com cada país. O Chile está pensando em se preparar para incêndios. Em Barbados, a gente está pensando em fazer uma troca de dívida [com juros menores] em que os recursos que sobram sejam usados para tratamento de água. Uma das coisas que a gente pensa pouco, mas agora com o Rio Grande do Sul ficou claro, é que falta água. Queremos trabalhar a resiliência para a água. Cada país está com um projeto com a gente. 

E no Brasil?

Viremos com uma missão para o Brasil na semana que vem, em conjunto com o Banco Mundial, Cepal e outros, para começar a avaliar os danos no Rio Grande do Sul, as perdas, e fazer um planejamento para a reconstrução e começar a trabalhar. Teremos 30 dias para o diagnóstico do tamanho das perdas e 60 dias para o plano de reconstrução.

* A jornalista viajou a convite do BID Invest