Não teve para mais ninguém. O setor de saneamento básico despontou como líder absoluto das emissões de dívida ESG no Brasil neste ano até agora. Dos R$ 30 bilhões em títulos com atributos de sustentabilidade que foram ao mercado, um terço coube a apenas duas empresas, que fizeram operações jumbo: Aegea e Iguá, ambas concessionárias de serviços de água e esgoto.
Os dados integram um levantamento contínuo feito pela Nint, empresa de finanças sustentáveis, a partir de informações públicas. Eles se referem a operações de empresas brasileiras no mercado nacional e no exterior.
A Aegea ocupa o primeiro lugar, com uma emissão de R$ 5,5 bilhões em debêntures de infraestrutura (com incentivo fiscal para o investidor), com prazos de 10 e 18 anos para pagamento. Em seguida, aparece a Iguá, com R$ 3,8 bi e prazo de 20 anos.
Ambas as operações são de sustainable bonds, tipo de título que tem os recursos carimbados para projetos que tenham, simultaneamente, benefícios ambientais e sociais, e foram realizadas no mercado interno.
“O perfil de quem emite dívida ESG vai se diversificando ao longo dos anos. Começamos com energia renovável e papel e celulose. De repente, você foi adicionando outros setores, como bioenergia e agro. Hoje, o que está crescendo mais rápido é o de saneamento”, disse Gustavo Pimentel, sócio fundador e CEO da Nint.
Saneamento = Sustentabilidade?
No mundo todo, o setor de saneamento está na mira de investidores que buscam ativos sustentáveis. No universo de fundos europeus com atributos de sustentabilidade, o setor é um dos que mais tem ganhado espaço nos portfólios de investimento.
A razão para isso é simples: a ampliação do acesso aos serviços de saneamento básico, com as concessões ao setor privado, traz benefícios ambientais e sociais intrínsecos ao reduzir a poluição ambiental e melhorar as condições de saúde das pessoas.
“Você tem que se esforçar para não ter o selo sustentável em uma emissão do setor”, diz Felipe Fingerl, CFO da Iguá.
A empresa, controlada por fundos da gestora IG4, foi a primeira do setor a emitir debêntures de infraestrutura sustentáveis, em 2020. “Desde então, não faz sentido fazer de outra forma. Praticamente todas as emissões que fazemos se enquadram no critério e é um selo importante para o papel [de dívida], para a empresa e para o setor”, afirma Fingerl.
Sem greenium
Por enquanto, as emissões em que os recursos são carimbados para projetos específicos não demonstram gerar uma vantagem financeira mensurável para as empresas. Ou seja, as duas companhias não conseguiram verificar um desconto nas taxas de juro atreladas ao selo ESG das operações.
As equipes financeiras de Iguá e Agea acreditam que o atributo sustentável das dívidas ajudou a alcançar mais bolsos, de investidores que usam filtro ESG ou fundos exclusivamente sustentáveis. Mas, por ora, faltam dados.
O BNDES ainda é o principal financiador do segmento de saneamento, que se abre cada vez mais para o mercado de capitais.
Parte desse movimento é explicado pelas recentes alterações no marco legal de saneamento básico, que proporcionam maior segurança jurídica e, consequentemente, reduzem o risco dos investidores.
“Quanto mais confiabilidade tiver o marco do saneamento, mais confiança nos contratos, na entrega daquilo que está especificado para as empresas privadas, de cumprimento das metas contratuais, os investidores se sentem mais confortáveis em apostar no setor”, diz Fabiana Leno, diretora de operações financeiras da Aegea.
A captação feita em julho pela Aegea foi a maior oferta de debênture sustentável no mercado local até então. A emissão, feita pela controlada Águas do Rio, do Rio de Janeiro, chamou a atenção do mercado não só pelo seu tamanho.
A demanda dos investidores equivaleu a 1,7 vez o valor ofertado e ainda garantiu uma comissão de 17,4% do valor da oferta aos bancos que montaram a operação. A da Iguá, um mês antes, também teve demanda de 1,6 vez a oferta.
Juntas, as empresas conquistaram três lotes de concessões no Rio de Janeiro, em leilão realizado em 2021. Ainda haverá necessidade de investimentos bilionários. O financiamento total à Aegea será de R$ 25,5 bilhões e da Iguá, de R$ 7,5 bi – a companhia deve fazer uma nova emissão de dívida em breve, segundo o CFO.
Cenário de dívida verde (e amarela)
O mercado local lidou com uma crise de crédito, especialmente por conta dos calotes de Americanas e Light no primeiro semestre. “Agora, com a redução da taxa de juros pelo Banco Central, operações até então represadas devem sair”, avalia Pimentel, da Nint.
Nas contas dele, as operações devem se intensificar neste semestre e fechar o ano próximas dos R$ 63 bi captados em 2022.
Já o Bradesco BBI estima que esse mercado feche o ano com cerca de R$ 50 bilhões em operações rotuladas de emissores brasileiros, tanto no mercado local quanto no exterior. O banco de investimentos tem R$ 7 bilhões em operações de dívida ESG até o fim de 2023.
Ano a ano, o mercado de dívida ESG no Brasil tem crescido de forma estável, em contraste à volatilidade que se vê nos Estados Unidos, diz Pimentel. Segundo ele, isso valida a tese de que é factível desenvolver um ecossistema local de dívidas sustentáveis.
A maioria das emissões são de green ou social bonds, em que os recursos são carimbados para projetos, mas os sustainability-linked bonds (SLBs) ainda representam uma parcela considerável da dívida brasileira quando comparado ao cenário exterior.
Nesse tipo de emissão, o dinheiro não tem destinação definida, mas o juro é atrelado ao cumprimento de metas ESG pré-estabelecidas, com prêmio ou penalidade de taxa de acordo com o cumprimento ou não das metas
“Proporcionalmente, o Brasil tem mais SLBs que o resto do mundo. É como a Anitta: faz mais sucesso aqui do que lá fora. Isso não necessariamente é ruim, só uma característica”, diz Pimentel.
Como o mercado ainda está no início, várias operações não tiveram seu desempenho checado, afirma ele.