Pará dá largada em captação inédita atrelada à sustentabilidade

Governo estadual busca R$ 350 milhões para conservação de rios e lança edital para contratar instituições financeiras

Pará dá largada em captação inédita atrelada à sustentabilidade
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O Pará deu a largada a um processo para levantar a primeira dívida de um Estado brasileiro atrelada a metas de sustentabilidade

O governo paraense lançou ontem um edital buscando uma instituição financeira para estruturar um empréstimo de R$ 350 milhões com objetivos ligados à conservação de seus rios. 

A ideia é que o empréstimo tenha prazo de 10 anos, com redução nas taxas de juros caso alguns marcos sejam obtidos ao longo desse período. 

Como os Estados não podem captar diretamente no mercado, a operação será estruturada: instituições financeiras – bancos ou gestores de ativos – emitem um green bond e destinam os recursos na forma de empréstimo ao Estado. 

Os recursos seriam voltado para três objetivos principais:

  • a conservação dos rios São Benedito e seu afluente Azul; 
  • a elaboração de um marco regulatório para a conservação dos rios do Estado; 
  • e o fortalecimento das secretarias de Meio Ambiente e também de Planejamento e Fazenda para dar conta desses objetivos. 

Há um cronograma prevendo a implementação gradual dessas políticas ao longo do período do empréstimo, com verificação do atingimento de objetivos no terceiro, quinto e oitavo anos. 

O edital prevê que, caso essas metas sejam atingidas, o “step-down”, ou seja a redução da taxa de juros, precisa ser de no mínimo 0,4 ponto percentual ao ano a partir do terceiro ano, e de 0,15% no quinto e no oitavo. 

A operação conta com o apoio da Fundação Gordon and Betty Moore, instituição filantrópica dos fundadores da Intel, que deu o capital para o trabalho técnico de estruturação. As consultorias Nint e Posaidon trabalharam no desenho do empréstimo, que já recebeu contribuições após um período de audiência pública iniciado no começo deste ano. 

O edital prevê que a operação deverá ser, necessariamente, sindicalizada. Isto é, uma instituição financeira deverá liderar um grupo de outras instituições interessadas no projeto. 

A ideia é que o Pará sirva de projeto-piloto de um modelo que possa ser replicado em outros estados amazônicos. 

“Pretende-se, com a sindicalização, envolver um maior número de bancos e com isso sinalizar para a possibilidade de operação desse tipo de instrumento para entes públicos, tanto quanto replicar sua utilização no país”, afirmou a Nint em nota. 

Ineditismo 

Sede da COP30, que será realizada em 2025, o Pará vem tentando emplacar uma forte agenda verde voltada à bioeconomia e à preservação das florestas, capitaneada pelo governador Helder Barbalho. 

Além do ineditismo de usar dívida com metas de sustentabilidade para financiar o setor público no Brasil, a operação traz alguns outros pontos inovadores. O primeiro deles é usar os recursos para a conservação das águas – uma agenda transversal, que engloba desde o saneamento até a preservação das florestas adjacentes. 

O rio São Benedito e seu afluente Azul constituem um hotspot de biodiversidade na fronteira com o Mato Grosso, entre os biomas Amazônia e Cerrado. 

Ao todo, seriam conservados 350 km do rio e mais sua bacia hidrográfica de 1,3 milhão de hectares de floresta. Hoje uma unidade de conservação, a região do rio vive sob pressão para construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e do fogo na fronteira agrícola, especialmente na margem esquerda. 

Outro ponto inédito da operação é a destinação de parte dos recursos para capacitar as secretarias e os órgãos públicos para implementação da agenda ambiental. Cerca de 30% dos recursos captados iriam para esse fim. 

Desafios

Com uma estrutura inovadora, o empréstimo deve enfrentar uma série de desafios para se materializar. 

O primeiro é levantar recursos no mercado para um ente subnacional, o que é pouco usual – especialmente num período de juros altos, liquidez apertada e investidores avessos aos risco. 

O Pará tem boa performance fiscal, com capacidade de pagamento ‘A’ e foi escolhido de forma intencional para o piloto. 

Por isso, a operação prevê a entrada de capital concessional, de filantropia ou fomento, para absorver eventuais riscos que não sejam comportados pelas instituições financeiras tradicionais, dentro do conceito de blended finance. 

Há ainda os desafios de ordem burocrática. O empréstimo precisa ser aprovado pela Assembleia Estadual e também pode precisar do aval do Tesouro, além de tribunais de contas.