Na lanterna do ESG, fundos de pensão começam a se mover — mas a marcha ainda é lenta

Na lanterna do ESG, fundos de pensão começam a se mover — mas a marcha ainda é lenta
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Se os fundos de pensão europeus, especialmente dos países nórdicos, estão na vanguarda do movimento global em direção a investimentos mais sustentáveis, no Brasil a realidade é bem outra.

As fundações brasileiras estão na lanterna do ESG no país. No caso daquelas ligadas a empresas estatais, pesa a lambança da má gestão do passado, temperada com corrupção. Para o setor de forma geral, uma regulamentação pouco exigente e os juros historicamente altos somam ao caldeirão do atraso.

“Se você investe apenas em títulos do tesouro, não faz sentido integrar ESG. Passa a fazer sentido à medida que eles vão diversificando, investindo em outros mercados e classes de ativos, mas isso é muito recente”, explica Guilherme Teixeira, gerente de consultoria para instituições financeiras da Sitawi.

A falta de preparo — e, em alguns casos, de interesse — das fundações brasileiras para tratar do assunto é tema de conversa entre casas que fazem a gestão de recursos. 

Uma pesquisa recente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), a agência reguladora do setor, indica que as coisas podem estar mudando de rumo, pelo menos na teoria. 

Segundo o estudo, 80% dos gestores de fundos de pensão disseram acreditar que a inclusão de critérios ESG na análise de risco melhora o desempenho dos investimentos. 

A Vivest, antiga Funcesp e quarto maior fundo de pensão do país, com mais de R$ 30 bi em ativos, começou a aplicar filtros ESG para os ativos de renda variável e imobiliário e a intenção é expandir também para o crédito, diz o gerente de renda variável, Paulo de Sá.

A fundação começou a trabalhar na matriz de ratings para análise ESG dois anos atrás, em parceria com a consultoria Resultante. 

Na prática, ativos que pontuam melhor no ranking recebem uma fatia maior da alocação e os com menor pontuação têm a alocação reduzida, com o valor inicial determinado por análise fundamentalista. 

A fundação prefere não adotar um filtro negativo, excluindo determinados setores. “Infelizmente excluiríamos boa parte das empresas brasileiras, que são de commodities”, diz Sá. 

A justificativa da dificuldade em encontrar opções de investimento ESG foi captada pela pesquisa da Previc, com 71% dos gestores afirmando que as opções disponíveis atualmente no mercado não são suficientes para compor o portfólio — ainda que o número de fundos e gestoras dedicados ao tema tenha crescido nos últimos anos. 

Alô, cotistas!

Os dados da Previc também captaram algo que plataformas de investimento e bancos também já notaram: ainda há pouca demanda por investimentos sustentáveis na ponta.

Ou seja, o cotista dos fundos de pensão segue desconectado da agenda. Mais de 40% dos respondentes disseram que não há demanda por ESG no país. 

“Quando me reúno com cotistas, ainda existe o receio de que melhorar o ESG não necessariamente melhora o retorno. É um conflito e infelizmente a cultura ESG ainda não é tão bem entendida no Brasil”, diz Paulo de Sá, da Vivest. 

Sá diz que uma simulação da carteira aplicando critérios ESG apontou retorno e de forma constante. “O que eu digo aos cotistas é que ESG reduz o risco da carteira e isso tende a dar retornos maiores.”

Outra fundação que desenvolveu recentemente uma metodologia ESG é a Funcef, dos funcionários da Caixa. 

Engajamento

Enquanto os filtros ESG ainda não são amplamente adotados, as fundações têm buscado entrar na agenda pela porta do chamado ‘stewardship’, ou seja, via engajamento com as empresas investidas. 

A Funcef, dos funcionários da Caixa e terceiro maior fundo de pensão do país, está em fase final da definição das estratégias e temas ESG prioritários para atuação dos conselheiros que a representam perante as investidas, diz o diretor de administração, Augusto Miranda.

Em agosto, a Funcef se tornou membro da Associação de Investidores no Mercado de Capital (Amec), “para ter oportunidades de benchmarking e networking com outros investidores, como fundos de pensão, para adotar práticas que sejam convergentes com o que nossos pares estão fazendo.” 

A Vivest também quer aprovar uma política de voto atualizada ainda este ano, mesmo em meio aos solavancos do mercado, para que esteja válida já para a temporada de assembleias de 2022, conta Sá.

A agenda do engajamento brasileira, no entanto, ainda está quase que totalmente focada no ‘G’ do ESG, enquanto lá fora é dominada pelo tema da transição para uma economia de baixo carbono.

“Temos que ter especial atenção com a remuneração de executivos para que não haja incentivo distorcido. E o segundo tema é a transação entre partes relacionadas, até pelos recentes episódios envolvendo companhias de capital aberto. Como houve mudança na Lei das S.A. sobre esse assunto, vai exigir atenção redobrada”, diz Miranda, da Funcef. 

Sá, da Vivest, diz que isso é reflexo do estágio atual de amadurecimento do mercado brasileiro. “Temos entidades que fazem certa autorregulação, mas ainda existem muitos conflitos e desvios de governança entre as empresas. Por isso é importante os maiores investidores, como fundos de pensão, começarem a ter posição mais ativa e levarem essas demandas às assembleias”.

‘Sempre que possível’

Guilherme Teixeira, da Sitawi, opina que tanto o stewardship quanto a criação de políticas de investimento ESG ainda estão restritos a fundos maiores. Uma das formas de fazer com que as práticas desçam para a base da pirâmide das fundações seria um avanço regulatório. “Ajudaria a dar um sinal ao mercado de onde e como avançar”, diz.   

Na União Europeia, por exemplo, está em vigor desde março a Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR), norma que obriga os participantes do mercado de investimentos, fundos de pensão inclusive, a divulgar informações sobre o portfólio de maneira padronizada.

As fundações devem, por exemplo, publicar informações sobre “impactos adversos à sustentabilidade” de suas decisões de investimento, além de definir suas políticas de due diligence com relação a esses impactos ou explicar que não os consideram e por que.

Aqui no Brasil, não existe nada parecido para a indústria de investimentos de forma geral. E, em relação aos fundos de pensão, o mais longe que a legislação alcançou até agora foi a inclusão, na resolução sobre a aplicação de recursos pelos fundos de pensão (a 4.661) de uma determinação para que as fundações passem a considerar nas suas análises de risco os aspectos ambientais, sociais e de governança dos investimentos “sempre que possível”.