Após furar a bolha em 2020 no Brasil e no mundo, em 2021, o movimento ESG terá que provar que veio para ficar. Nesse sentido, identificamos quais tendências vão emergir ou solidificar no mercado financeiro e de capitais brasileiro neste ano.
As tendências 1 a 4 mostram os produtos e abordagens ESG que mais devem ganhar tração. As tendências 6 a 8 debatem o ambiente político e regulatório, e como os próprios investidores e empresas têm ajudado a moldá-lo.
As tendências 9 e 10, por sua vez, sugerem como a governança das empresas vai se adaptar a estes novos tempos. E a tendência 5 argumenta que os recursos com mandato ESG começarão a causar impacto real, movendo capital entre setores e empresas.
Afinal de contas, se não é para apoiar a construção de um mundo melhor, para que serve o movimento ESG?
1) Instrumentos de dívida baseados em desempenho ESG ficam mais populares que os baseados em uso de recursos
Desde o último trimestre de 2020, observamos um apetite crescente de emissores de dívida brasileiros pelos chamados Sustainability-Linked Bonds (SLB) ou Loans. O instrumento é uma opção de captação de recursos com rótulo de sustentabilidade para aqueles emissores que não desejam restringir sua alocação em projetos ou usos específicos, mas sim a metas ambientais, sociais ou de governança, com impacto no spread. Com o crescente apetite de investidores por dívida rotulada, os instrumentos baseados em desempenho ganham tração e podem superar as emissões de Green, Social e Sustainable Bonds no Brasil em 2021.
2) Bancos se tornam emissores relevantes de títulos e empréstimos ESG
Os dois primeiros green bonds do mundo foram emitidos por bancos de desenvolvimento em 2008 e, desde então, estes atores e os bancos comerciais pelo mundo todo são emissores relevantes. No Brasil, o mercado se desenvolveu a partir de emissões de empresas não-financeiras, mas começamos a ver uma inflexão em 2020 com emissões de Banco BV, BTG Pactual e BNDES (segunda emissão) e diversos bancos elaborando frameworks que permitem múltiplas emissões. As emissões rotuladas de bancos permitem que os recursos sustentáveis cheguem às pequenas e médias empresas através do crédito bancário. Em 2021, com a nova Taxonomia de Finanças Verdes da Febraban, apostamos nos bancos brasileiros como emissores relevantes.
3) Fundos sustentáveis crescem, se diversificam e atraem a atenção dos institucionais
Há duas décadas foi lançado o primeiro fundo de investimento com rótulo ESG do Brasil, focado em ações. Após um período sem muitas novidades, diversas gestoras lançaram fundos ESG em 2019-20 e outras o farão em 2021. Neste ano, os fundos serão testados pelos investidores em relação a seu retorno ajustado ao risco e quanto à qualidade da integração ESG realizada. A prateleira deve ganhar em diversificação em abordagens, passando a incorporar com mais força a lente do impacto positivo, bem como em classe de ativos, como private equity, infraestrutura, imobiliário e crédito estruturado puxando as novas ofertas.
4) A avaliação de impacto estará cada vez mais presente nos frameworks de análise ESG
O investimento de impacto, aqui definido como o investimento com intenção de gerar impacto socioambiental positivo e mensurável juntamente com retorno econômico, vem sendo um importante promotor do movimento ESG no Brasil desde 2018. Mas, apesar de os produtos de impacto ainda serem raros entre as gestoras tradicionais, a análise e medição do impacto nos investimentos como um todo vêm ganhando força. Uma vez que os procedimentos para integração ESG nas gestoras estejam cada vez mais desenvolvidos e robustos, esperamos uma demanda crescente para que elementos de avaliação e mensuração de impacto sejam também incluídos nos processos de investimento.
5) Aumento do volume de recursos ESG começa a mover capital e preços na economia real
“Siga o dinheiro”. A expressão popularizada pelo jornalismo investigativo e combate à corrupção agora pode ter uma conotação positiva: no momento em que recursos com mandatos ESG começam a ganhar massa crítica, o custo de capital sobe para os setores e negócios com impacto socioambiental negativo, e cai para os de impacto positivo. No mercado de dívida já se verifica o greenium, e esse efeito chegará com mais força em 2021 na renda variável listada, no private equity (saídas) e no crédito bancário.
6) Mudanças climáticas a caminho do compliance das instituições financeiras
A partir de 2014, com o estabelecimento da Resolução 4.327 do Conselho Monetário Nacional, as instituições financeiras brasileiras aceleraram políticas e processos para incorporar questões ambientais e sociais na gestão de riscos. Um ano depois, impulsionado pela crescente demanda de investidores por informações consistentes sobre riscos climáticos, o FSB (Financial Stability Board) desenvolveu a Força-Tarefa para Divulgações Financeiras relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD).
Com a evolução da agenda global de economia verde, o Banco Central do Brasil está na iminência de incorporar as recomendações da TCFD nas demandas de compliance das instituições financeiras. Outros reguladores nacionais do setor financeiro também sinalizam interesse no tema. Portanto, 2021 será o ano do “como” — não mais “se” — as instituições farão para atender esta demanda e integrar as mudanças climáticas em seus procedimentos e divulgações.
7) Empresas brasileiras respondem à perda de prestígio ambiental do Brasil
O aumento no número de incêndios florestais e áreas desmatadas, reforçado pela postura do governo federal quanto a fiscalização e multas, colocou em dúvida a efetividade da avançada legislação ambiental brasileira. Somado a diminuição da ambição do Compromisso Nacionalmente Determinado (NDC) frente ao Acordo de Paris, seria o cenário ideal para diminuição da ambição das empresas brasileiras no tema ambiental.
Por outro lado, como participantes de cadeias de valor globais, as empresas brasileiras estão expostas a pressões de seus investidores e clientes. Em 2020, algumas empresas deram importantes passos para evoluírem suas práticas de combate ao desmatamento na cadeia de suprimentos. Em 2021 outras grandes empresas devem seguir esse caminho e isso deve influenciar que seus fornecedores também melhorem suas práticas. As empresas serão mais vocais em relatar suas práticas para se dissociarem da imagem negativa do país.
8) Posicionamento de investidores frente aos desafios socioambientais e climáticos
O movimento de agrupamento e posicionamento conjunto de investidores frente a desafios socioambientais e climáticos ganhou bastante força: em 2019 investidores internacionais se posicionaram quanto ao desmatamento da Amazônia e em 2020 empresas brasileiras fizeram o mesmo.
Pela sua função magna de alocação produtiva de recursos ociosos, o mercado financeiro é essencial para o enfrentamento dos desafios que já se apresentam e se intensificarão nos próximos anos. Investidores pelo mundo já vêm entendendo sua inserção nesta dinâmica, enquanto os investidores brasileiros estão sendo cobrados por posicionamentos mais transparentes quanto aos temas ESG nas políticas públicas, pressionando governos em torno de uma agenda positiva.
9) Alinhamento da remuneração executiva às metas de sustentabilidade
Vincular a remuneração variável de executivos a metas de sustentabilidade não é uma prática nova: há anos as empresas utilizam métricas de saúde e segurança, retenção de colaboradores ou satisfação do cliente como componentes dos bônus.
A novidade é a tração que o tema ganhou na agenda de investidores, nos ratings ESG e índices de sustentabilidade, e até mesmo nas dívidas baseadas em desempenho ESG. Após dois anos em que muitas empresas assumiram compromissos públicos com a sustentabilidade, o passo lógico é que seus executivos e gestores tenham os incentivos econômicos alinhados a agenda.
10) Temas ESG entram de forma estruturada em conselhos e comitês
O conselho de administração direciona a tomada de decisão e determina o rumo dos negócios. O tema se tornou mais recorrente nas pautas dos conselhos e deve ganhar ainda mais força por conta de sua relevância na gestão de riscos. Vale a reflexão se a frequência do assunto ampliará a ambição da organização na agenda de sustentabilidade. Os comitês de sustentabilidade podem protagonizar a qualificação do debate, oferecendo insumos técnicos ao conselho e atuando como guardião da temática na organização. Nesse sentido, são instâncias com papel relevante e cada vez mais reconhecido.
* Gustavo Pimentel é diretor executivo da Sitawi, provedora de consultoria e research ESG. Colaboraram para este artigo Maurício Barbeiro, Gustavo Pimentel, Beatriz Maciel, Guilherme Teixeira, Carla Schuchmann, Felipe Nestrovsky, Tatiana Assali, Cristóvão Alves, Isabela Coutinho, Anderson Neto, Rachel Besso, Rafael Gersely, Marina Briant, Biano Batista, Daniela Lima e Fred Seifert, todos da equipe da Sitawi.