FINANÇAS

Catástrofes climáticas chegam à bolsa de valores

Primeiro ETF de seguro climático vai começar a ser negociado em março na bolsa de Nova York 

Catástrofes climáticas chegam à bolsa de valores

Poderia ser uma cena de “O Dia Depois de Amanhã”, filme que mostra os efeitos devastadores da mudança do clima em Nova York, com os icônicos prédios da cidade sendo inundados por ondas gigantes. Mas não. As catástrofes climáticas chegaram à Bolsa de Nova York (Nyse) no formato de títulos de catástrofes, conhecidos como cat bonds

Um fundo negociado em bolsa (ETF) com base em uma carteira de cat bonds deve começar a ser negociado na Nyse no próximo mês. Será o primeiro ETF de títulos de catástrofes do mundo. 

Cat bond é um título que faz um pagamento ao seu emissor (no caso, às seguradoras) quando um determinado desastre dispara gatilhos bem definidos: um furacão que cause US$ 500 milhões em perdas seguradas, uma chuva que ultrapasse 10 mililitros em 10 minutos ou um terremoto que supere a magnitude 7, por exemplo. 

O mecanismo foi criado para que seguradoras transfiram parte de seu risco para o mercado de capitais. Para os investidores, pode ser uma aposta um tanto macabra: se a catástrofe pré-definida na emissão ocorrer, a seguradora recebe. Se não ocorrer, o investidor lucra. 

Tradicionalmente voltados a investidores institucionais, esses títulos têm se tornado populares nos últimos anos com o lançamento de fundos mútuos focados nesses ativos. Agora, no formato de ETF, ele estará disponível para um grupo ainda mais amplo de investidores.

“É uma classe de ativos com muitas nuances e nosso objetivo é desmistificá-la”, disse Rick Pagnani, CEO da King Ridge Capital Advisors Inc., que vai administrar o ETF, em entrevista à Bloomberg. Até o ano passado, o executivo comandava a mesa de títulos vinculados a seguros na Pimco, uma das maiores gestoras de renda fixa do mundo. 

Segundo ele, o desafio é construir um portfólio diversificado de cat bonds para um investidor comum e, ao empacotar esses títulos em um ETF, reduzir algumas das barreiras de entrada. 

ETFs são fundos de índices com cotas negociadas em bolsas de valores. O objetivo do ETF da King Ridge será investir em uma carteira de até 75 cat bonds – hoje são cerca de 250 títulos de catástrofes em circulação no mercado hoje, segundo a Bloomberg. 

Esses ativos  são considerados um investimento de alto risco e nos últimos anos têm apresentado um retorno acima da média do setor. O Swiss Re Global Cat Bond Index subiu 17% em 2024, após um ganho recorde de 20% no ano anterior. Um indicador da Bloomberg de títulos corporativos de alto rendimento dos EUA apresentou alta de 8% no ano passado e 13% em 2023.

Além do potencial retorno, esses títulos têm uma outra característica que chama a atenção dos investidores: eles são descolados do vaivém da economia e dos mercados. Como as crises econômicas não têm efeito sobre o clima, os cat bonds são considerados uma oportunidade de diversificação de portfólios. 

Seguros na era da mudança do clima

Encontrar cobertura de seguro para residências nas regiões costeiras dos Estados Unidos têm se tornado cada vez mais difícil – quando não impossível. Furacões e incêndios cada vez mais devastadores têm tornado os riscos de Estados como Flórida e Califórnia “grandes demais” para as seguradoras.  

Os cat bonds nasceram justamente durante um dos períodos mais difíceis para o mercado de seguros nos Estados Unidos. Em 1992, o furacão Andrew atingiu a Flórida e a Costa do Golfo, causando danos estimados de US$ 27 bilhões, dos quais pouco mais da metade  cobertos por seguro. 

À época, Andrew foi o furacão mais caro a atingir os Estados Unidos: levou à falência oito seguradoras e empurrou outras para a beira da insolvência. 

Assim nasceu, em 1997, o mercado de títulos de catástrofes. O seu crescimento nos Estados Unidos está relacionado a tempestades tropicais e furacões extremos nas regiões costeiras. 

Os preços dos seguros residenciais nessas localidades aumentaram significativamente para contabilizar a possibilidade de perdas significativas, com muitas seguradoras e resseguradoras (as seguradoras das seguradoras) reduzindo sua exposição a eventos catastróficos. 

O segundo marco no setor foi em 2005 com o furacão Katrina, o desastre natural mais custoso da história dos EUA. As perdas seguradas, de US$ 62 bilhões, esgotaram o capital de resseguro e fizeram os preços da proteção saltarem. 

O efeito é claro quando se observa o volume de emissões de cat bonds

Entre 1997 e 2005, a emissão foi estável, mas baixa, com média de US$ 1,2 bilhão por ano, concentrada em um pequeno número de seguradoras. Em 2006 ela pulou para US$ 4,7 bilhões e no ano seguinte para US$ 7 bilhões, segundo a empresa de inteligência de dados Artemis. E seguiu numa curva ascendente: em 2024, o volume de emissões foi de US$ 16,5 bilhões.