A premissa por trás da divulgação (disclosure) de riscos climáticos e dos testes de estresse pelas instituições financeiras é que, se eles revelarem resultados potencialmente assustadores, isso mudará o comportamento dos investidores e impulsionará uma alocação mais eficiente de capital. Uma das minhas maiores inquietações atuais é a seguinte: será?
Hoje existe consenso de que os riscos climáticos — sejam eles físicos ou de transição — são uma agenda econômica estruturante. Há divergências, ainda assim, sobre essa ser a agenda prioritária para autoridades financeiras (vide posicionamento público recente de Larry Summers, ex-presidente do Fed, o Banco Central americano).
Mas, no geral, há um bom entendimento nas elites financeiras de que “bolhas de carbono” podem estourar nos próximos anos se não houver uma transição planejada do modelo com base em combustíveis fósseis para outro, livre de emissões.
E essas bolhas, como alertou em 2015 o então chefe do Banco Central da Inglaterra, Mark Carney, oferecem risco à estabilidade do sistema financeiro. Por essa razão, Bancos Centrais de todo o mundo — inclusive o do Brasil — reagiram comprometendo-se com a divulgação obrigatória e também com testes de estresse para facilitar e organizar tal transição.
Ontem, o Banco Central do Brasil divulgou duas resoluções próprias e outras três do Conselho Monetário Nacional (CMN) com efeitos (diretos e indiretos) sobre gerenciamento de riscos climáticos.
Riscos…
Na Resolução 4.943 do CMN, há dispositivos novos, que alteram a Resolução 4.557 de 2017. Neles, basicamente pede-se que as instituições financeiras identifiquem, mensurem, avaliem, monitorem, reportem, controlem e mitiguem o risco climático, e de modo integrado. Assim, as instituições passarão a declarar seus apetites de risco (RAS) considerando a questão climática, em termos de níveis que estão dispostas a assumir, e, quando aplicável, por diferentes horizontes de tempo.
Assim, aqui entra algo inédito: instituições financeiras brasileiras terão de divulgar ao regulador o quanto toleram os riscos físicos e de transição relativos à mudança do clima. E, também, explicitar como se prepararão para eventuais perdas, o que impactará os requerimentos de capital.
A resolução define o risco climático como possibilidade de ocorrência de perdas em função do processo de transição para uma economia de baixo carbono (risco de transição) e por intempéries frequentes e severas ou a alterações ambientais de longo prazo, que possam ser relacionadas a mudanças em padrões climáticos (risco físico).
A definição é crítica porque estabelece um “nível de jogo” aplicável a todos e também aproxima as “regras do jogo” ao contexto desafiador da descarbonização global até 2050, premissa do Acordo de Paris.
Ainda assim, as definições de risco de transição adotadas em todo o mundo, em geral, assumem a premissa de que haverá transição, mais cedo ou mais tarde, e que esta produzirá perdedores.
Segundo a Network for Greening the Financial System (NGFS) “os riscos de transição surgem de políticas que visam atingir emissões de carbono “líquidas zero” em uma data especificada e que transformarão a economia, com a implicação de que ativos em determinados setores podem perder valor”.
Aqui no Brasil, temos riscos políticos significativos à transição, que esperamos que sejam apenas conjunturais. Porém, o desmatamento, nosso principal fator de emissão, hoje impõe um risco de caráter sistêmico: espraia-se sobre setores diversos, impacta a reputação do país em acordos comerciais e afasta investimentos.
Assim sendo, mudanças legislativas com potencial impacto negativo sobre a descarbonização (como muitas hoje em pauta no Congresso Nacional e outras recentemente aprovadas, com destaque para a MP da Eletrobrás) têm potencial de transmissão para o restante do sistema financeiro.
Olhando o copo meio vazio, o maior risco hoje é o da não-transição, no caso brasileiro, pois verificamos um aumento de emissões em todos os setores, com potenciais efeitos sistêmicos sobre os negócios.
…e oportunidades
Por outro lado, é notável que o risco da transição da economia para baixo carbono seja tratado apenas pelo viés prudencial e negativo nos exemplos trazidos no corpo da Resolução 4.943 do BC.
Isso quer dizer que novas legislações climáticas, inovações tecnológicas para descarbonização, ou até novas dinâmicas que afetem oferta ou demanda por produtos e serviços, serão vistos pelo lado do impacto negativo pela instituição e pelo regulador.
Ainda que siga a cartilha internacional, a definição deixa a desejar no sentido de oportunidades, que imaginamos existir e inclusive podem ser transmitidas no contexto financeiro.
Essa questão é tratada ou “corrigida” em outras duas resoluções: a Resolução 139 e a Resolução 4.945 do CMN, que imputam às instituições financeiras a adoção de Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) e sobre as ações com vistas à sua efetividade, bem como sua relatoria por meio do Relatório GRSAC (de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas). Na Política, pede detalhamento da contribuição positiva da instituição à transição de baixo carbono e à adaptação.
Já o Relatório GRSAC ganha escopo mais amplo de informações obrigatórias e facultativas. Nestas últimas, a autoridade incluiu “oportunidades de negócios”. O viés positivo é oportuno, pois de fato há muitos mercados em vias de aquecimento por conta da marcha rápida que a descarbonização busca no mundo.
Ainda nesse item facultativo, há uma inédita consideração sobre a redução dos impactos ocasionados por intempéries frequentes e severas ou por alterações ambientais de longo prazo, que possam ser associadas a mudanças em padrões climáticos.
Portanto, a resolução do Banco Central entrelaça o contexto mais amplo da transição para zero carbono líquido do Brasil com as políticas, apetites ao risco climático e divulgação de informações sobre as instituições financeiras em si, tratadas nas outras duas resoluções do CMN.
É louvável que essas ferramentas, regulações e coalizões com foco no tratamento de risco climático estejam se disseminando nos bancos e instituições financeiras afora.
Mas a pergunta é: qual o efeito delas? Vai passar à gestão dos riscos físicos e de transição relacionados à mudança do clima ? Se sim, como isso irá impactar os requerimentos e a alocação de capital em ativos expostos ? Se não, o que está faltando nesse quebra-cabeças? Como mover os ponteiros da implementação da regulação de riscos climáticos para tornar o Brasil um líder na agenda, olhando para frente e não no retrovisor?
É sobre esses e outros temas que escreverei mensalmente nesta coluna no Reset. A intenção é discutir ideias, respostas e tecnologias do nosso tempo, já que, diante da emergência climática, não temos tempo a perder.
* Natalie Unterstell é presidente do Instituto Talanoa, membro do Painel de Acreditação do Green Climate Fund e escreverá mensalmente para o Reset sobre políticas climáticas. Com mestrado em administração pública pela Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, atuou em governos federal e estaduais, onde apoiou a construção de políticas públicas, incluindo o mais ambicioso programa de adaptação à mudança do clima já realizado no país, o Brasil 2040, como diretora na SAE/Presidência da República.