Banca Ética dá largada para fundo de crédito no Brasil

Instituição fundada no Chile por Joan Melé quer levantar R$ 40 milhões para emprestar a 60 negócios de impacto

A Banca Ética Latinoamericana vai captar fundo de crédito no Brasil para financiar 60 negócios
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A Banca Ética Latinoamericana é uma instituição peculiar. Fundada em 2016, no Chile, só empresta dinheiro para empresas e organizações com impacto socioambiental positivo e que se encaixam em um dos eixos de investimento do grupo: educação e cultura, desenvolvimento social e inclusão, além de meio ambiente.

Até agora já foram mobilizados US$ 89 milhões para 900 negócios na região.

Depois de testar as águas e fazer operações pontuais no Brasil nos últimos meses, a Banca Ética resolveu dar peso à sua atuação no país e acaba de iniciar a captação de R$ 20 milhões para seu primeiro fundo de crédito local.

Outra rodada, de mesmo valor, deve ocorrer até o fim do ano, ambas em parceria com a Azumi DTVM, especialista em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC). 

A Banca é a materialização do questionamento sobre o que nutre e a quem serve o dinheiro, amplamente feito por seu idealizador, Joan Melé – que já transformou a reflexão em livro. 

Melé é presidente da Fundação Dinheiro e Consciência, que propõe uma economia centrada na dignidade humana, e atuou por décadas em bancos tradicionais até se tornar vice-diretor-geral do Triodos Bank na Espanha. 

Criado na Holanda em 1980 e com filiais pela Europa, o Triodos é referência no setor de impacto. Com mais de 740 mil clientes, integra o grupo dos chamados “bancos éticos”, que consideram os impactos sociais e ambientais no cerne de suas operações. O Brasil ganhou sua versão há cerca de dois anos, com a fundação do Impact Bank.

Depois de conhecer a filosofia e as engrenagens do Triodos por dentro,  Melé resolveu adaptar a fórmula para a América Latina a partir de 2016.

A metodologia BELA

Mudança climática e desigualdades sociais estão na base da tese de impacto. 

“Na Europa, o Triodos não conta com um eixo para educação, enquanto aqui é algo fundamental”, diz a head de impacto da Banca Ética Latinoamericana no Brasil, Iranise Pedro. “Existem essas características regionais que nos propõem um cenário diferente mesmo.” 

Uma das propostas da Banca Ética é a abrangência e capilaridade que busca na região, diz Pedro, para contemplar as especificidades dos diferentes países da América Latina. 

Quando uma empresa solicita crédito, a primeira peneira é o propósito, avaliado por meio de um questionário e de uma entrevista. “Nós olhamos por que a empresa existe, quem faz parte dela e procuramos entender sua história”. 

Só depois é feita uma análise que integra impacto e perfil financeiro, levando em conta a complexidade do problema e a solução apresentada, além do risco de crédito.  

Apesar do nome, a Banca Ética ainda não é um banco. Para fazer seus empréstimos, opera como um correspondente bancário da Socinal, instituição sediada no Rio de Janeiro e focada em pequenos e médios negócios. 

“Queremos mudar isso no curto prazo, dentro dos próximos dois anos”, afirma o head de relações com investidores no Brasil, Vinícius Costa. 

No Chile, o processo para se tornar uma instituição financeira deve ser concluído ainda neste ano. Embora também presente na Argentina e no Uruguai, é em seu país-sede que a Banca concentra 99% dos clientes com quem faz negócios.

A maior parte dos financiamentos vai para empresas (74%), mas organizações sem fins lucrativos (22%) e cooperativas ou organizações comunitárias (4%) também fazem parte do portfólio.

Zoom no Brasil

Por aqui, a Banca Ética já estruturou nove operações de crédito, via Cédulas de Crédito Bancário (CCB), com recursos de 50 investidores individuais. 

A BioWash, que fabrica produtos de limpeza biodegradáveis, a Okena, que faz o tratamento de efluentes industriais evitando a poluição dos rios, e a SunR, que recicla painéis fotovoltaicos, são alguns dos negócios contemplados.

“Foram aproximadamente R$ 2,7 milhões mobilizados por meio dessas estruturações, com um ticket médio de R$ 278 mil”, diz Costa. 

Agora, com um FIDC, inicia-se um outro capítulo, de maior escala, completa ele.

A expectativa é captar R$ 20 milhões até setembro e outros R$ 20 milhões até o fim do ano. O objetivo  é garantir retorno de CDI + 4% ao ano para o investidor, diz Costa. 

Já na ponta das investidas, a Banca Ética espera fornecer crédito a 60 empresas, com distribuição equilibrada entre os três eixos de investimento. A solicitação de crédito pode variar entre R$ 200 mil e R$ 5 milhões. 

As empresas precisam ter ao menos dois anos de atuação, mas não há um valor mínimo estipulado para faturamento. “O FDIC nos dá essa flexibilidade de oferecer taxas um pouco mais altas ou baixas a depender de quem precisa mais”, afirma Costa. 

Por enquanto, já estão aprovadas para o fundo quatro empresas, nos setores de educação de qualidade, cultura, consumo e produção sustentável e sistemas alimentares. 

*Atualização às 08h36: Iranise Pedro é head de impacto na Banca Ética Latinoamericana Brasil, não head de investimentos, como constava