A disputa dos bancos para emprestar os bilhões verdes do Tesouro

Vencedores do primeiro leilão de blended finance mapeiam as iniciativas que contarão com os recursos alavancados pelo programa de incentivo à economia verde

A disputa dos bancos para emprestar os bilhões verdes do Tesouro
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Um bom indicador de que critérios climáticos de fato passaram a fazer parte dos negócios é quando eles saem do departamento de sustentabilidade e vão parar no financeiro. 

Enquanto os grandes bancos americanos estão desembarcando de alianças climáticas pelo net zero, diante de ameaças políticas e regulatórias alimentadas pela volta de Donald Trump à presidência, no Brasil as tesourarias tiveram que fazer a lição de casa e aprender o beabá das finanças climáticas para não perder oportunidades de negócios sustentáveis.

Hoje, a maior delas é o Eco Invest, programa do governo federal para atrair capital estrangeiro privado para a descarbonização da economia. Em uma das frentes, o Eco Invest oferece aos bancos, por meio de leilões, recursos a um custo baixo (1% ao ano), exigindo em contrapartida que eles alavanquem esse dinheiro com captações no exterior.   

O Reset pediu entrevistas para as cinco instituições que tiveram as melhores colocações no primeiro leilão de blended finance do programa, para saber os planos de alocação dos recursos. Além dos diretores de sustentabilidade das instituições, ouvimos de tesoureiros e diretores financeiros e de produtos termos até pouco tempo atrás circunscritos às áreas de ESG. 

O Eco Invest mobilizou diversas equipes. “Descobri que temos três áreas aqui envolvidas no Eco Invest”, disse a assessora de imprensa de um dos bancos, ao explicar a dificuldade de conciliar agendas.

Além de disputar um dinheiro barato, as instituições testaram o apetite dos competidores – e ele foi grande. Prova disso é a alavancagem que ofereceram. 

A regra da concorrência era de alavancagem mínima de seis vezes. Ou seja, para cada R$ 1 recebido, o banco tem que captar ao menos outros R$ 5 no exterior, via emissão de título de dívida ou empréstimo.

O Tesouro recebeu 23 lances acima dessa alavancagem mínima – cada banco podia fazer mais de uma proposta. A mais alta foi de 10 vezes, em uma tranche de R$ 300 milhões para uma linha de cinco anos. “O governo fez de forma inteligente tanto a parte dos recursos subsidiados quanto a contrapartida com grau de alavancagem”, avalia Sandro Sobral, diretor financeiro do Santander Brasil.

A média de alavancagem do leilão ficou em 6,5 vezes. O Tesouro vai entrar com capital público catalítico de R$ 6,8 bilhões, e os bancos vão buscar outros R$ 37,6 bilhões em capital privado externo, o que leva a R$ 44,3 bilhões o potencial de investimentos. No blended finance, capital catalítico (filantrópico ou subsidiado) entra para reduzir custos ou mitigar riscos, atraindo recursos privados em maior escala.

“O Ceron [Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional] colocou a pastinha debaixo do braço para conversar com o mercado antes de fazer o programa. Tem um foco grande de tentar tirar as barreiras que existem no país para facilitar a entrada do investimento estrangeiro”, diz Eric Altafim, diretor de produtos e corporate sales do Itaú Unibanco.

Concorrência

A matemática é simples: quanto maior a alavancagem, mais diluído é o recurso barato do governo. Isso impacta o custo final do financiamento ao cliente, uma vez que a taxa de juros para o tomador será composta pelo custo do capital subsidiado e do captado a condições do mercado.  

HSBC, Bradesco e Citi ofertaram as maiores alavancagens, com a média de seus lances em 8 vezes, 7,2 vezes e 6,6 vezes, respectivamente. 

“O que a gente buscou foi ser mais arrojado. Queríamos ter certeza de que teríamos sucesso na nossa proposta”, diz Marcelo Soares, diretor e head de global banking do HSBC. “É  sempre um balanço entre o que conseguimos atingir de alavancagem e, ao mesmo tempo, buscar ser competitivo.” 

Ele explica que alguns dos projetos mapeados para financiamento são economicamente viáveis e, por isso, não necessariamente precisam de recursos subsidiados para ficar de pé. 

O primeiro critério para seleção dos bancos foi a capacidade de alavancagem. Mas o Tesouro acabou por contemplar todas as propostas apresentadas que atendessem aos requisitos, uma vez que havia orçamento disponível para isso.

“A gente queria garantir que fôssemos entrar com os recursos integrais. Não sabíamos exatamente como seria a regra de corte, até porque fazia parte da estratégia do próprio governo”, diz Marcelo Pasquini, diretor de sustentabilidade do Bradesco. 

O banco surpreendeu o Tesouro em sua proposta. “Fizemos duas reuniões e quando vi a ordem falei ‘uau’, foram super agressivos”, diz Mario Gouvêa, coordenador do programa Eco Invest Brasil no Tesouro Nacional.

Projetos

Para fazer suas propostas, os bancos tiveram que apresentar relatórios indicativos de alocação dos recursos. Itaú, HSBC e Santander ficaram com as maiores fatias de recursos, refletindo o volume de ofertas que fizeram: R$ 8,1 bilhões, R$ 7,2 bilhões e R$ 6,8 bilhões, respectivamente.  

O leilão tinha 60 setores elegíveis para financiamento em quatro eixos: transição energética, economia circular, bioeconomia e sistemas agroalimentares. Cada banco foi buscar dentro de suas carteiras, e a partir da demanda dos clientes, projetos que se encaixassem nas atividades indicadas, avaliando seu nível de maturidade e potencial de retorno. 

Nenhum abriu no detalhe os projetos, mas houve alguns spoilers no evento Reset Conecta: Finanças Climáticas no Brasil

O destaque ficou com a área de transição energética, que deve responder por 49% dos recursos totais (R$ 21,8 bilhões). Nele, são elegíveis 36 atividades, de transporte público e coletivo a biocombustíveis, passando por eficiência energética. Itaú, HSBC e Santander apresentaram os maiores volumes. 

O HSBC apostou pesado em biocombustíveis. O banco sinalizou um projeto de plantação de macaúba (palmeira nativa do Cerrado) em Minas Gerais e Bahia e uma refinaria para produzir querosene verde de aviação, o chamado SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês). O projeto é da Acelen, empresa controlada pelo fundo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, e tem previsão de R$ 12 bilhões em investimentos

Com menor glamour, mas de grande impacto, atividades de energia renovável e eficiência energética também foram indicadas. “Tem muita coisa que vai ser investimento pontual, específico de grandes clientes que estão no contexto da transição”, conta Daniel O’Czerny, head de infraestrutura e project finance do Citi na América Latina. “

“Por exemplo, uma planta de uma indústria eletrointensiva que vai buscar uma maior eficiência energética, vai trocar equipamentos caros para ter uma pegada de carbono menor. Daí sairá uma parte relevante do que vai acontecer, principalmente no curto prazo. Porque os grandes projetos demoram tempo para maturar”, exemplifica. 

O Citi fez propostas contemplando cheques aos clientes que vão de R$ 35 milhões a R$ 1 bilhão.

A previsão é que os grandes projetos sejam financiados por meio de um sindicato de bancos, como já acontece em operações tradicionais do mercado. O mesmo deve acontecer com os recursos do Eco Invest. 

No eixo de bioeconomia e sistemas agroalimentares, o Itaú destacou as oportunidades da agropecuária, responsável por 27% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. 

“Olhando o plano de descarbonização dos setores intensivos, a gente enxerga um potencial enorme”, diz Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco. “Plantio direto, integração de lavoura, pecuária e floresta, práticas sustentáveis que trazem um cultivo com baixa emissão de carbono e garantem a agenda alimentar.”

O banco tem projetos mapeados já para o segundo leilão do Eco Invest, que será específico para financiamento para recuperação de áreas degradadas, especialmente as relacionadas a pastagens. 

O Itaú é parceiro financeiro do Reverte, programa de recuperação de solos degradados da Syngenta e da The Nature Conservancy (TNC). “Dialogamos bastante com o Tesouro sobre ele, mas deve ficar para o segundo edital”, diz Nicola. 

Captação lá fora

Os nove bancos contemplados terão que buscar quase R$ 38 bilhões em recursos no exterior. O plano será bater em várias portas: bancos comerciais, de desenvolvimento, instituições multilaterais, agências de financiamento e investidores institucionais.  

O mais óbvio são os organismos multilaterais, como os bancos de desenvolvimento de países e blocos econômicos. Alguns deles têm compromissos públicos e políticas de investimentos sustentáveis, para os quais oferecem melhores condições. 

“São essas as linhas que vão ser mais atrativas do ponto de vista de custo e de prazo, mas há outras”, diz Bruno Cardoso, co-head da tesouraria do Bradesco. Ele destaca a possibilidade de emissão de dívida no mercado externo para investidores institucionais. 

As estruturas de capital para financiar os projetos terão que ser variadas, o que contempla também os diversos tipos de bolsos.

Soares, do HSBC, cita como exemplo os bonds lançados pelo Banco Mundial para reflorestamento da Amazônia, e a emissão de “panda bonds” da Suzano para investidores chineses, a primeira desse tipo feita por uma empresa brasileira. Ambas as operações foram estruturadas pelo HSBC. 

As condições de mercado podem trazer um risco de execução, na avaliação do Santander, com aumento de juros no Brasil, eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e um cenário geopolítico mais hostil. “É uma engenharia financeira complexa para compor o custo final”, diz Sobral, diretor financeiro do Santander.