ESPECIAL: A fantasia ESG de trilhões de dólares 

O ESG vai salvar o mundo ou é o maior engodo já inventado pela indústria financeira? Nem um, nem outro, escreve o professor Kenneth Pucker. Mas para potencializá-lo, é preciso entender seus limites e falhas

ESPECIAL: A fantasia ESG de trilhões de dólares 
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(Este artigo foi originalmente publicado em inglês pela Institutional Investor)

Em 8 de abril, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera atingiram 419 partes por milhão, o nível mais alto já registrado em mais de 4 milhões de anos. 

No mesmo dia, a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, anunciou outro marco: levantou US$ 1,25 bilhão para o ETF U.S. Carbon Transition Readiness, o maior valor para o lançamento de um fundo de índice na história. 

O ETF é uma materialização visceral da afirmação do CEO Larry Fink de que a BlackRock “não se vê como uma observadora passiva” quando se trata de combater a mudança climática. 

Ver a maior gestora de ativos do mundo agir como uma guardiã social e ambiental deveria ser causa de otimismo. Mas em vez disso, representa o ponto mais alto de um estratagema que vem se desenvolvendo há muito tempo, com consequências prejudiciais — uma espécie de peça de teatro kabuki em cinco atos: 

  • Ato I: As empresas acordam para sua responsabilidade em relação aos crescentes desafios sociais e ambientais
  • Ato II: A academia cria pesquisas ao redor do tópico
  • Ato III: Agências de rating, provedores de índices, empresas de dados, consultores e outras instituições financeiras correm para criar produtos ESG, destacando a oportunidade para empresas e investidores entregarem boa performance financeira e impacto social e ambiental. É o ganha-ganha definitivo
  • Ato IV: Investidores e outros atores lentamente reconhecem que o investimento ESG, como praticado hoje, provavelmente não vai levar a melhor performance financeira e, na maior parte das vezes, não leva em consideração o impacto planetário
  • Ato V: Um novo despertar para as oportunidades e limites do investimento como forma de resolver os desafios sociais e ambientais 

Estamos no intervalo depois do Ato III. Infelizmente, conforme nos movemos para o Ato IV, vai se tornando claro que o exagero com que a proposta de ganha-ganha foi colocada na chamada “revolução do investidor” está nos distraindo do trabalho necessário para reiniciar nosso sistema econômico. 

Ao mesmo tempo em que o investimento ESG ganha tração, o planeta tem experimentado as duas décadas mais quentes da história, a Antártida está derretendo, a desigualdade de renda nos Estados Unidos está aumentando, e as espécies estão desaparecendo a taxas que não víamos há milênios. 

E o índice Dow Jones está quebrando novos recordes e gestores de ativos estão ganhando comissões atrativas para supervisionar uma nova categoria de investimentos que se torna cada vez mais popular.

Aqui, o que está errado: da forma como é praticado, a maior parte do investimento ESG entrega pouco ou nenhum impacto social ou ambiental. 

Ato I: Companhias como a Timberland acordam 

O feito da BlackRock foi o ponto alto de um processo iniciado duas décadas antes, quando várias companhias expandiram seu escopo de responsabilidade para incluir os aspectos sociais e ambientais. 

Uma delas, a Timberland — de roupas e calçados, onde eu trabalhava como chefe de operações — estava na vanguarda de um grupo de companhias comprometidas em se dar bem fazendo o bem. 

A companhia trouxe um dos primeiros relatórios de responsabilidade social corporativa em 2002, pagou empregados por 40 horas de serviço comunitário e passou a usar energia renovável em seus centros de distribuição e sede corporativa. A Timberland acreditava que as companhias têm um papel a desempenhar para resolver os desafios sociais e ambientais. 

Apesar dos esforços nascentes da Timberland, na época, a sabedoria predominante nos negócios, na academia e em Wall Street, era de que a responsabilidade social corporativa era, na melhor das hipóteses, uma distração.

O aclamado economista Michael Jensen observou: “Como a teoria dos stakeholders [partes interessadas] deixa conselhos de administração e executivos sem nenhum critério de princípio para a tomada de decisão, as empresas que tentam seguir os ditames dessa teoria acabarão falhando”.

Implacáveis, os primeiros praticantes dessa responsabilidade social corporativa receberam apoio de um quadro crescente de ONGs e consultores ansiosos para ajudar as empresas a definir e relatar seu impacto social e ambiental. Em 1997, a Global Reporting Initiative (GRI) foi formada com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente para criar a primeira estrutura abrangente de relatórios de sustentabilidade. 

“No início dos anos 2000, acreditava-se que o disclosure de sustentabilidade era o ingrediente que faltava”, diz Ralph Thurm, ex-COO da GRI. “Os dados permitiriam que consumidores e investidores pressionassem as empresas a se tornarem mais sustentáveis, atendendo às pessoas e ao planeta.”

Com o tempo, a visão de Wall Street sobre o social e o meio ambiente progrediu da inimizade para a indiferença. Um estudo acadêmico que examinou a relação entre as altas pontuações de responsabilidade social corporativa e as classificações dos analistas sell-side de 1993 a 2007 concluiu que analistas e investidores deixaram de interpretá-la “um fator que destrói valor dos acionistas” para serem “menos pessimistas”.

Ato II: Pesquisa

Um estudo seminal de 2012 começou a mudar o sentimento dos investidores. Este estudo colaborativo entre acadêmicos das escolas de negócios de Harvard e de Londres, examinou 90 pares de empresas “gêmeas”, cada uma no mesmo setor (por exemplo, Walmart e Kmart), uma classificada como de “alta sustentabilidade” e outra como de “baixa sustentabilidade” — características determinadas com base em uma revisão das políticas e práticas de responsabilidade social corporativa de cada empresa.

Durante os primeiros seis anos que os acadêmicos observaram, os movimentos dos preços das ações de empresas de alta e baixa sustentabilidade eram quase idênticos. No entanto, quando o horizonte temporal foi expandido para 18 anos, as empresas de alta sustentabilidade superaram as gêmeas de baixa sustentabilidade em uma média de 480 pontos-base. 

Para o estudo intitulado “Corporate Sustainability: First Evidence on Materiality“, os autores usaram dados do Sustainability Accounting Standard Board (SASB) para determinar como o foco das empresas em fatores de sustentabilidade materiais versus imateriais impactou o desempenho financeiro. 

Eles concluíram que “as empresas com bom desempenho em questões materiais de sustentabilidade superam significativamente as empresas com baixo desempenho nessas questões, sugerindo que os investimentos em questões de sustentabilidade aumentam o valor para o acionista”.

Ato III: Como a pesquisa permitiu uma blitz de marketing

Armado desses estudos, o motor de vendas de Wall Street entrou em marcha.

Goldman Sachs e BlackRock fizeram aquisições e novas contratações para apoiar o lançamento de novos produtos de investimento ESG, e pesquisas do Morgan Stanley e outras firmas “ajudaram a dissipar as preocupações de que os investidores têm de sacrificar retornos para fazer o bem”, como escreveu o The Wall Street Journal em 2016. 

As firmas de investimento deram uma pirueta coletiva, deixando de repudiar a sustentabilidade para se tornarem ferozes defensores dela.

O timing foi bom. Justamente quanto os millenials estava entrando em seus primeiros anos de investimento e as mulheres estavam assumindo cada vez mais responsabilidade por suas próprias aplicações, os gestores de ativos lhes trouxeram uma revelação: as empresas comprometidas em lidar com as crescentes questões ESG eram, na verdade, ativos de maior retorno. Nenhum sacrifício necessário. Em vez disso, finalmente, um ganha-ganha comprovado.

Essa narrativa ganha-ganha trouxe uma mudança no fluxo de recursos. Há apenas cinco anos, o termo investimento ESG ainda era relativamente novo. Agora, de acordo com a Global Sustainable Investment Alliance (GSIA), um em cada três dólares investidos globalmente é alocado em ativos ESG. Nos últimos dois anos, as entradas de recursos em fundos ESG foram quase o dobro daquelas do resto do universo de ações.

Mas, para avaliar o valor e o impacto planetário dos investimentos ESG, primeiro precisamos dimensionar e definir o mercado. Em seguida, precisamos validar as afirmações de que o ESG oferece a vitória nº 1, alfa — ou retornos financeiros superiores à média —, e a vitória nº 2, impacto ambiental e social positivo.

Primeiro, qual é o tamanho do mercado ESG? Infelizmente, isso não pode ser determinado de maneira precisa. As estimativas do tamanho do mercado ESG diferem em uma função de mais de 100.

Ato IV: O fato de não ser possível determinar o tamanho do mercado é um sinal de alerta

Não há uma definição comum ou estrutura legal para ativos ESG. “O ESG é, em muitos aspectos, o sonho de marketing de um banco, justamente porque é definido de forma vaga”, aponta o Financial Times. 

Sem definições, os gestores de ativos podem construir portfólios autodeclarados ESG da maneira que quiserem.

Por exemplo, se um gestor de ativos decidir investir no universo de 10% das empresas mais bem classificadas entre as que possuem rating ESG, o fundo ESG pode acabar detendo ações de empresas de combustíveis fósseis e armas de fogo.

Ou um fundo que investe em combustíveis fósseis e mineração mas evita ações de tabaco pode se classificar como um fundo ESG com negative-screening (ou “filtro negativo”).

Não é uma surpresa, então, que o ETF BlackRock U.S. Carbon Transition Readiness tenha muito pouco a ver com carbono, mudanças climáticas ou ESG.

Embora o objetivo do fundo seja entregar valorização do capital de longo prazo, investindo em empresas de média e grande capitalização e entregar uma carteira que é consideravelmente mais baixa em intensidade de carbono do que sua referência, seus maiores investimentos por setor são em tecnologia da informação (28%) e cuidados de saúde (13%). 

Além disso, o fundo detém posições na Apple (mais de 5% e a maior participação), Berkshire Hathaway, Coca-Cola, Walt Disney, Exxon Mobil, Chevron, JPMorgan Chase (o maior banco financiador de combustíveis fósseis) e Dover Corp., um conglomerado industrial que fabrica bombas de gasolina.

Outros gestores ESG também possuem ações de tecnologia e combustíveis fósseis em seus fundos.

Por exemplo, no primeiro trimestre deste ano, o fundo de índice Northern Trust World Custom ESG Equity mantinha mais de 50 investimentos em grupos de petróleo e gás, totalizando US$ 213 milhões.

Da mesma forma, um estudo recente do InfluenceMap revelou que 71% dos fundos que se autointitulam ESG possuem carteiras que não estão alinhadas com as metas do Acordo de Paris. O relatório concluiu que mesmo “os fundos de ações com tema climático analisados exibem níveis de desalinhamento climático semelhantes aos dos índices de mercado”.

Os reguladores — principalmente na Europa, onde o ESG tem uma história mais longa — entendem que essa liberdade para todos não pode continuar sem controle. Em Bruxelas, a União Europeia está trabalhando em uma taxonomia que governe o que pode ser comercializado como um ativo sustentável ou ESG

Nos EUA, a Securities and Exchange Commission (SEC) criou uma força-tarefa de clima e ESG e sinalizou sua intenção de policiar esse espaço no futuro, e o CFA Institute está escrevendo um novo conjunto de padrões para gestores de ativos

Nesse ínterim, o greenwashing na indústria de gestão de ativos continua inabalável.

E sobre o alfa, a vitória número 1? 

Apesar da ausência de regulamentação e controle de qualidade, os ativos ESG sob gestão continuam a crescer. Isso ocorre, em parte, em função da crescente demanda de indivíduos, family offices, fundos de pensão e endowments. Cada um desses atores, pelo menos até certo ponto, deseja alinhar seus interesses e valores com sua prática de investimento.

A demanda também é alimentada por relatos de alfa ESG, ou seja, de que a prática gera retornos em excesso. Um estudo do MSCI de 2015 que avaliou investimentos ESG ao longo de um período de oito anos encontrou evidências de alfa. 

O mesmo ocorre com uma revisão do Morgan Stanley que confirmou que os fundos de ações ESG dos EUA superaram seus pares em 2019 e 2020. Dito isso, os relatos de retorno em excesso são suspeitos, especialmente à luz das questões sobre o que constitui um fundo ESG. 

A capacidade de os gestores gerarem alfa a partir de fatores ESG é afetada pelos seguintes fatores:

  • Primeiro, mesmo que os fundos ESG tenham um bom desempenho, não está claro se a relação entre ESG e retornos financeiros é causal ou correlativa. Pode ser que os retornos financeiros e ESG sejam ambos uma função de uma boa administração. A Scientific Beta, um provedor de índices vinculado a um think tank acadêmico francês, concorda. “As estratégias ESG funcionam como estratégias simples de qualidade construídas mecanicamente a partir de índices contábeis”, disse o diretor de pesquisa da Scientific Beta, Felix Goltz, ao Financial Times. “Não há alfa ESG.”
  • Em segundo lugar, não está claro se a epistemologia de algumas das pesquisas ESG seminais é sólida. Um estudo recente de Andrew A. King e Luca Berchicci revisou o artigo frequentemente citado “Corporate Sustainability: First Evidence on Materiality”. King e Berchicci concluíram que as descobertas do artigo eram “não representativas do padrão de resultados de outros modelos razoáveis ​​e podem ser um artefato estatístico”.
  • Um terceiro desafio é determinar de onde vêm os retornos excedentes. O ETF U.S. Carbon Transition Readiness da BlackRock detém ações que muitos outros supostos fundos ESG também possuem. De acordo com o MSCI, a ação mais comum nos 20 principais fundos ESG foi a Alphabet, a empresa-mãe do Google. As empresas de tecnologia da informação, de fato, representavam a maior porcentagem de participações na maioria dos fundos ESG, com ações de energia menos representadas. “Esta exposição setorial foi um dos principais impulsionadores do recente desempenho superior a curto prazo de muitos fundos ESG em relação aos seus homólogos não ESG, uma vez que as ações de tecnologia subiram em 2020, enquanto as ações de energia caíram”, observou o MSCI.

O ESG pode ou não ser uma fonte de retornos extraordinários para os investidores, mas os gestores de ativos estão ganhando ao administrar esses fundos.

De acordo com dados da FactSet, as taxas para ETFs definidos como investimentos socialmente responsáveis ​​são 43% mais altas do que as taxas para ETFs padrão. O Wall Street Journal escreveu que esse pode ser um dos motivos pelos quais “os gestores de ativos estão entre os maiores torcedores do investimento sustentável”.

O alfa não foi comprovado. Mas esses fundos têm impacto, a vitória número 2? 

O investimento ESG promete melhores retornos e melhores resultados sociais e ambientais. Mas os investidores aceitam isso quase pela fé. Enquanto milhares de estudos foram conduzidos para determinar a relação entre o investimento ESG e o alfa, apenas um punhado de estudiosos explorou a questão de saber se o investimento ESG leva a melhores resultados sociais e ambientais.

Alguns tipos de investimentos ESG podem cumprir suas promessas mais prontamente. Com um mercado de investimento de impacto global de US$ 715 bilhões, de acordo com a Global Impact Investing Network, os gestores, por definição, estão moldando o negócio empresas privadas. Assim como os US$ 16 bilhões em investimentos de venture capital em tecnologia climática, incluindo transporte, tecnologia agrícola, energia e uso da terra.

Mas os investimentos de impacto e tecnologia climática representam menos de 1% do que alguns chamam de ESG.

Para o restante, é novamente útil distinguir entre o chamado “negative-screening” e outras formas mais engajadas de ESG. 

O filtro negativo provavelmente não faz quase nada para o avanço das metas ambientais e sociais. 

Embora evitar o financiamento de indústrias extrativas possa aumentar seu custo de capital ou tornar suas atividades obsoletas, é mais provável que paremos de usar combustíveis fósseis muito antes que a oferta deles se esgote. Também é provável que os declínios de custo associados à energia renovável acabem com a viabilidade do combustível fóssil antes que o capital acabe para apoiar essas indústrias.

E quanto aos investimentos ESG restantes, que não dizem respeito ao negative-screening?

Em primeiro lugar, é fundamental distinguir entre o impacto do investidor e o impacto corporativo. Impacto é “uma mudança além do que teria acontecido de qualquer maneira”, de acordo com Florian Heeb, pesquisador do Centro de Finanças Sustentáveis ​​e Riqueza Privada da Universidade de Zurique. 

O impacto corporativo é a mudança causada pelas atividades da empresa, e o impacto do investidor é a mudança no impacto da empresa causado pelas atividades de investimento. Dado que os impactos dos investimentos são “indiretos e amplamente mediados pelos mercados financeiros”, de acordo com Heeb, eles são muito difíceis de provar.

Em uma das poucas análises do impacto dos investimentos ESG, “Can Sustainable Investing Save The World?” os autores analisam três tipos de mecanismos de impacto do investimento sustentável: alocação de capital, impactos indiretos e engajamento dos acionistas.

A alocação de capital apenas mostrou ter impacto limitado, exceto para pequenas empresas em mercados imaturos — o exato oposto de onde a maioria dos dólares ESG são investidos. A evidência de impactos indiretos — via estigmatização, endosso ou benchmarking — é ainda menos pronunciada. 

O engajamento dos acionistas se mostra a ferramenta mais eficaz para investidores que desejam que seus investimentos tenham impacto sobre as questões que identificaram como importantes. Infelizmente, o engajamento dos acionistas representa um pequeno subconjunto de investimentos ESG, e mesmo os fundos ESG de grandes gestores de ativos nem sempre votam a favor de propostas ambientais e sociais.

Na verdade, um estudo recente revelou que o FTSE Social Index Fund da Vanguard, o maior e mais antigo fundo de índice ESG, se absteve ou votou contra propostas ambientais e sociais em mais de 95% das vezes nos últimos 14 anos.

Essas descobertas não são uma surpresa. As empresas operam dentro de um sistema e agem de acordo com suas regras e incentivos. Apesar das manchetes anunciando que empresários e analistas estão engajados, a pressão por diversidade, o desempenho na intensidade de uso da água, as emissões de gases de efeito estufa e as horas extras forçadas não são a norma nos conference calls trimestrais. 

Esses fatores fazem ainda menos parte das conversas entre investidores e equipes de gestão de empresas privadas. De acordo com Merryn Somerset Webb, editora-chefe da MoneyWeek, “um fundo ESG terá basicamente o mesmo efeito no mundo em que vivemos que um fundo não ESG bem administrado”.

Além disso, a ausência de relatórios de impacto obrigatórios, abrangentes ou padronizados torna o impacto ambiental e social difícil de verificar. Considere as seguintes ilustrações de empresas reconhecidas como líderes ESG por empresas de rating:

Nestlé e Nutrição

Em um artigo seminal da Harvard Business Review em 2011, Michael Porter e Mark Kramer citaram a Nestlé como um modelo para a criação de valor compartilhado (CSV). Os autores destacaram as práticas de compra da Nestlé com proprietários rurais na África e na América Latina, que incluíam empréstimos bancários, garantia de fornecimento de pesticidas e fertilizantes e compartilhamento de conhecimento com os fazendeiros. 

Esse programa gerou segurança de abastecimento para a Nestlé e maiores rendimentos e preços para os agricultores. A Nestlé permaneceu um modelo CSV para a empresa de consultoria de valor compartilhado de Porter e Kramer e se envolveu em muitas outras iniciativas de CSV. A empresa também tem sido uma inclusão perene no Índice FTSE4Good, e a MSCI ESG Research classifica a Nestlé como ‘AA’.

Ainda assim, de acordo com sua própria avaliação interna, a Nestlé admite que cerca de 70 por cento de seus produtos alimentícios e 96 por cento de suas bebidas (excluindo café puro) não atendiam a uma “definição reconhecida de saúde”. 

Embora a água seja certamente saudável, a Nestlé foi acusada na Califórnia e na Flórida de esgotar aquíferos alimentados por nascentes e lucrar com um recurso público. A Nestlé também é um dos três maiores poluidores de plástico e usou apenas 2% de plástico reciclado em suas 1,7 milhão de toneladas métricas de plástico produzidas no ano passado. A empresa tem sido intensamente criticada por ONGs por sua falta de transparência e progresso nessa frente.

Nike e impostos

Depois de se tornar vitrine dos abusos de mão de obra terceirizada na década de 1990, a Nike trabalhou para se tornar uma autêntica líder em sustentabilidade. Entre outras coisas, a Nike tem um comitê de RSC em seu conselho de diretores, participa de lobby político para lidar com a mudança climática, patrocina programas focados nos direitos das mulheres em suas fábricas parceiras e cria soluções de produtos inovadores para se tornar uma empresa circular.

Ao mesmo tempo, a Nike não pagou nenhum imposto de renda federal nos EUA em 2020. Não se trata de uma exceção. Salesforce, HP e Consolidated Edison aproveitaram-se de lacunas na legislação tributária para zerar sua fatura de impostos. E, ainda assim, a Nike foi classificada como ‘A’ ou superior pelas empresas de classificação ESG.

Coca-Cola e Água

A Coca-Cola define o uso de água como um de seus fatores de sustentabilidade mais materiais. Como a água se tornou cada vez mais preciosa, a Coca foi pressionada por comunidades e ativistas para limitar seu uso. Em 2007, os protestos em Kerala, na Índia, e em outros locais nos EUA se concentraram no papel da Coca no esgotamento do lençol freático local. Em resposta, naquele mesmo ano, a Coca se comprometeu com a “neutralidade da água” até 2020. 

A Coca cumpriu sua meta cinco anos antes, declarando: “Para cada gota que usamos, nós devolvemos uma”. Para atingir esse objetivo, a Coca trabalhou com centenas de ONGs em projetos que vão da conservação ao reúso e saneamento. A empresa restaura cerca de 200 bilhões de litros de água à natureza a cada ano. Parece impressionante.

No entanto, um exame do progresso louvável da Coca revela problemas.

Em primeiro lugar, a definição de neutralidade da água da Coca não é específica de um local. Dito de outra forma, a Coca pode esgotar uma bacia hidrográfica em uma parte do mundo e, ao mesmo tempo, aumentar uma bacia hidrográfica saudável em outro lugar para cumprir seu objetivo.

Além disso, a Coca define a neutralidade para incluir apenas a água que usa em suas operações. Infelizmente, de acordo com a empresa, mais de 90% do uso de água da Coca acontece fora de suas fábricas de engarrafamento, principalmente nas lavouras de cana-de-açúcar e no processo de fabricação de plástico para garrafas.

Estes exemplos mostram os perigos de padrões frouxos, insuficiência de dados e dependência de autorrelato. Mesmo que não saibamos realmente se o uso geral de água da Coca está aumentando ou diminuindo, a empresa tem uma pontuação elevada como um investimento ESG.

Estas são apenas três ilustrações de como as classificações e investimentos ESG não são projetados para promover o impacto ambiental e social.

A Coca, a Nestlé e a Nike cumprem a lei e estão trabalhando para minimizar suas externalidades negativas. No entanto, essas empresas operam dentro de um sistema que valoriza o crescimento acima do bem-estar, coloca o lucro acima do bem maior e relata que menos insustentável é sustentável.

As classificações ESG estão quebradas. 

Imagine, como analogia, se outro sistema de classificação, o Vigilantes do Peso, permitisse aos usuários ignorar uma categoria — digamos, doces — em seus esforços para perder peso. 

Ou se os clientes do Vigilantes do Peso não estabelecessem metas, mas, em vez disso, recebessem prêmios por desempenho relativo. O sucesso, então, ainda poderia deixar um cliente pagante obeso, só que menos.

É assim que funcionam os sistemas de classificação ESG. Eles não consideram limites planetários; em vez disso, eles recompensam o desempenho relativo.

Por fim, os fundos ESG são medidos em relação a benchmarks de retornos financeiros; eles não são medidos pelo impacto que proporcionam. 

De acordo com Tariq Fancy, ex-diretor para investimentos sustentáveis ​​da BlackRock, “investíamos onde quer que pudéssemos gerar os melhores retornos. É para isso que somos pagos, é isso que somos legalmente obrigados a fazer como nosso dever fiduciário e é isso que nossos clientes realmente desejam”. 

Os fundos permanecem não regulamentados. Não é um mistério, então, porque as ações de tecnologia representam as maiores participações em carteiras de fundos ESG e as emissões de carbono continuam crescendo. Os relatórios de sustentabilidade não entregaram desafios sistêmicos. Investir em ESG, como praticado atualmente, também não.

Ato V: Despertar: há evidências de que as finanças podem ser uma fonte de mudança ambiental positiva

Além do jogo de cena ESG, algumas boas notícias estão aparecendo. 

A pressão de investidores e cidadãos levou mais de 1.000 empresas a se comprometerem com metas baseadas na ciência para fornecer resultados ambientais para proteger o planeta. Tanto as empresas quanto os países recentemente aceleraram seus compromissos com as metas de emissões líquidas de carbono zero. 

A Microsoft se comprometeu a se tornar carbono negativa até 2030 e a remover todo o carbono emitido desde sua fundação em 2050. O Japão e a UE se comprometeram a se tornar net zero em 2050 e a China, em 2060.

Embora as metas não devam ser confundidas com progresso, empresas e países estão mudando devido a desastres naturais iminentes, pressão de ONGs, engajamento cívico e seus próprios interesses.

Ao mesmo tempo, reduções dramáticas nos preços de energia renovável e baterias tornam antieconômico adicionar nova capacidade de combustível fóssil na maior parte do mundo. 

O apoio governamental para tecnologias como hidrogênio, agricultura regenerativa e reciclagem de plásticos — e um senso de urgência mais compartilhado para lidar com as emergências ambientais — está fazendo mais dinheiro fluir para soluções como baterias e cimento e aço limpos. Isso, por sua vez, está gerando soluções estimulantes e transformadoras em campos que incluem energia renovável, materiais de base biológica e transporte.

Os investidores também estão demonstrando que o financiamento pode ser uma fonte de impacto social e ambiental positivo. 

A Breakthrough Energy, de Bill Gates, avalia os investimentos por meio de duas lentes: 1) A empresa pode entregar retornos no quartil superior?; e 2) a tecnologia tem potencial para sequestrar 500 milhões de toneladas métricas de emissões de carbono (cerca de 1 por cento das emissões anuais globais atuais) a cada ano? Agora, está investindo seu segundo fundo de bilhões de dólares. De acordo com a PwC, mais de US$ 60 bilhões foram direcionados à tecnologia climática nos últimos cinco anos.

O engajamento dos acionistas também está provando ser um veículo atrativo para gerar impacto social e ambiental. Não há melhor ilustração dessa tendência do que a agitação liderada pelo fundo de hedge Engine No. 1

Com apenas 0,02% do capital, o fundo levou a Exxon a substituir três dos 12 conselheiros numa campanha para aumentar os investimentos em renováveis enquanto a companhia trabalha para descarbonizar seu negócio de fósseis. BlackRock, Vanguard e State Street Corp. votaram a favor de três dos quatro candidatos do conselho da Engine No. 1.

Além disso, existe a necessidade de uma avaliação comparativa mais rigorosa dos fundos ESG em comparação com as referências apropriadas.

Para esse fim, um consórcio de ONGs está trabalhando para estender o padrão de medição de Science Based Targets de empresas para gestores de ativos. Se adotadas, as Metas Financeiras Baseadas em Ciência seriam uma ótima maneira para os gestores de ativos verificarem suas credenciais enquanto alocam capital para empresas comprometidas com a mudança climática.

Enquanto isso…

Até que essas ferramentas sejam amplamente adotadas, os investidores que buscam o impacto ESG deveriam fazer três perguntas simples aos gestores de ativos para determinar a probabilidade de um fundo ser projetado para oferecer resultados ambientais e sociais positivos:

  1. Qual porcentagem de seu fundo é dedicada a soluções ambientais ou sociais?
  2. Como você mede o impacto ambiental e social?
  3. Como você avalia o desempenho do gestor do fundo?

As respostas a essas perguntas separarão os fundos comercializados como ESG dos fundos comprometidos com ESG.

O setor privado terá que ser um parceiro cada vez mais ativo e autêntico para enfrentar os desafios sociais e ambientais. No entanto, governos e políticas devem liderar. 

Em um artigo na Barron’s, Adam Seessel observou: “Não é trabalho de uma corporação policiar os comuns para prevenir tragédias; esse é o trabalho da comunidade”. Até o CEO da BlackRock, Fink, concorda. Sua carta mais recente aos acionistas observou que “o governo deve desempenhar um papel de liderança na abordagem desta crise”. 

Isso requer novas regras, incluindo preços de carbono e água que reflitam custos sociais, mandatos de eletricidade limpa, compromissos para remover veículos com motor de combustão interna das estradas, impostos sobre empresas e indivíduos que sejam justos e exequíveis, transparência de lobby corporativo e incentivos para novas soluções para setores de difícil descarbonização. 

O financiamento do Green New Deal da UE que vincula o progresso ambiental de cada país é um modelo a ser seguido, enquanto os Estados Unidos se reintegram à comunidade global assumindo compromissos agressivos para eletrificar e descarbonizar é uma notícia bem-vinda.

O mesmo ocorre com o aumento da preferência do investidor por ativos ESG e o trabalho há muito atrasado para padronizar os relatórios de sustentabilidade e regular os investimentos ESG.

Dito isso, não espere que essas mudanças abordem adequadamente os problemas sociais e ambientais. Esse trabalho deve vir também da ação cidadã e de uma política governamental coordenada mais urgente e agressiva para mudar as mentalidades e as regras do sistema.

* Kenneth P. Pucker é professor sênior da Fletcher School da Tufts University. Anteriormente, foi diretor de operações da Timberland.