A logística de última milha – entrega de produtos para os consumidores finais – tem não apenas o desafio de fazer as mercadorias chegarem às mãos dos clientes de forma rápida e eficiente, mas também de maneira limpa. Uma das alternativas é substituir os veículos por modelos elétricos.
A MEV Rental propõe um modelo ligeiramente diferente: em vez de desenvolver carros novos, a empresa quer trocar somente o motor a combustão de modelos existentes por sistemas de tração movidos a bateria.
A empresa desenvolveu a tecnologia para manufaturar o kit de eletrificação (constituído por motor, inversor e pack de baterias) e instalá-lo em Fiorinos, modelo da Fiat escolhido para a solução. A Hawk Transportes, que realiza entregas para empresas de e-commerce como o Mercado Livre, deve iniciar os primeiros testes práticos com um veículo convertido no início de maio. O acordo de intenções com a Hawk tem possibilidade de ser expandido para 5 veículos neste ano.
A MEV está de olho nas metas de descarbonização das empresas de consumo e do setor de logística. O Mercado Livre, por exemplo, pretende expandir a frota de elétricos na América Latina para 10 mil veículos nos próximos anos. Eram 2,3 mil (sendo mil no Brasil) em 2023, de acordo com o mais recente relatório de sustentabilidade da empresa de e-commerce.
A emissão de gases de efeito estufa do carro convertido é zero, da mesma forma que os carros que já “nascem” elétricos, diz o CEO da MEV Rental, Matheus Maia. Considerando uma rodagem entre 36 mil a 40 mil km por ano, ele calcula que a versão eletrificada da Fiorino evite a emissão de dez toneladas de gases.
A conversão do veículo é rápida, diz Maia: o processo dura apenas um dia. O veículo é suspenso na oficina e dele são retirados o motor, o tanque de gasolina e o escapamento. São então inseridos o pack de baterias, o motor elétrico e o inversor.
A empresa manufatura todos os componentes e faz a montagem do pack de baterias – hoje, a compra é apenas de matérias-primas e de células que compõem a bateria, embora ao longo do desenvolvimento da tecnologia, a MEV já tenha adquirido motores e componentes de fornecedores como a WEG.
Conversão
O processo de fabricação do kit de eletrificação leva um mês. Por enquanto, tudo é feito de forma manual e não há escala na produção. A empresa desenvolveu internamente os sistemas que gerenciam a transmissão dos comandos dados pelo motorista e a recarga e a performance da bateria.
Maia estima que o custo mensal de manter uma Fiorino elétrica rodando seja 80% inferior ao da versão a combustão – e seu aluguel custará R$ 6,5 mil mensais. A meta é comprar carros usados, converter e alugar cerca de 1,5 mil Fiorinos nos próximos quatro anos. Para 2026, ele espera converter 100 veículos para atender a empresas de logística, “dando os passos com segurança”. A Fiorino elétrica por assinatura terá como parceira a BS2 Seguros, que vai oferecer a cobertura para os carros.
O custo da conversão da Fiorino gira em torno de R$ 100 mil e a compra de cada carro demanda R$ 50 mil, diz o CEO. Os usados (com cerca de 5 anos) serão comprados de empresas de locação de veículos, que estão sempre renovando a frota.
Os recursos para financiar a aquisição virão principalmente da antecipação dos recebíveis oriundos dos contratos de aluguel das Fiorinos – um modelo já usado no setor de logística. Maia afirma que ainda não está definido o que será feito dos motores a combustão. A venda de cada um geraria até R$ 10 mil, mas outras alternativas estão em avaliação, com a destruição.
Para quem está se perguntando por que a Fiorino foi a eleita pela startup, é necessário voltar um pouco no tempo. A intenção original dos sócios – que se conheceram na Ampera Racing, uma equipe de competição de veículos elétricos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – era converter diversos modelos diferentes e ganhar com a prestação do serviço de conversão.
A startup levou a sua proposta de eletrificação de veículos para empresas como a Hawk e ouviu como resposta o interesse num modelo de aluguel, dadas as particularidades de manutenção dos carros elétricos.
Além disso, ao participarem do programa de aceleração Shell StartUp Engine Brasil, os sócios perceberam que o modelo de negócios não podia ser escalado, uma vez que cada carro tem as suas particularidades para ser eletrificado. “Era necessário pivotar o modelo de negócios, e aí apareceu a ideia de focar em apenas um carro”, diz o CEO.
A Fiat Fiorino foi considerada o veículo mais adequado porque o modelo é o mesmo desde 2014, além de ser muito vendido. Os furgões das transportadoras que fazem entregas de e-commerce costumam rodar 150 km por dia e a conversão foi pensada sob medida para a logística de última milha. Por isso, a autonomia é de 200 km. “O veículo leva uma bateria mais leve e carrega mais rápido”, diz Maia.
Já a opção por fabricar os componentes se deu pelo desejo de não depender de produtos importados e não sofrer com a volatilidade cambial. O pack de baterias é formado por vários módulos e células – apenas estas últimas são importadas, para reduzir os custos. A MEV monta os packs num galpão na Fundação Certi, em Florianópolis.
Outros negócios
A MEV Rental faz parte do grupo MEV Mobilidade, o resultado da fusão entre duas startups catarinenses: a Swap-e e a consultoria de engenharia MVPesolutions, que desenvolve motores e inversores.
Além do negócio de aluguéis, o grupo também conta com a MEV Tech, que desenvolveu um sistema hidráulico para veículos de serviço, como caminhões de concessionárias de energia que contam com cestos aéreos para realizar a manutenção em postes e na fiação. Para subir o cesto aéreo, os caminhões continuam com o motor a combustão funcionando. Com a eletrificação desse sistema, evita-se o consumo de diesel, a emissão de gases e os ruídos.
No momento, duas concessionárias de energia estão testando a solução, segundo Maia. Nessa frente, a proposta é faturar com a venda direta e não com o aluguel (o ecoPTO, sistema elétrico dos cestos, custa R$ 100 mil) e a expectativa é gerar R$ 2 milhões neste ano com a venda do produto.
O ecoPTO será uma importante contribuição para a expansão da empresa, que vem usando capital próprio e recursos da realização de consultorias para financiar as atividades. Para desenvolver os projetos do ecoPTO e do motor axial da Fiorino, a MEV contou com R$ 6,2 milhões de editais de entidades como a Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Além de participar da aceleradora de negócios da Shell, a MEV também fez parte da aceleradora BNDES Garagem.
Agora, a startup busca R$ 2 milhões junto a investidores anjo e fundos de venture capital para aumentar a capacidade produtiva e obter certificações junto a órgãos como o Inmetro. O CEO considera que esse montante será suficiente para acelerar a operação durante os próximos dois anos.
Depois desse prazo, a expectativa é que a antecipação dos recebíveis, aliada ao retorno com a venda do ecoPTO, seja suficiente para a empresa financiar as atividades. “Toda a expansão de frotas vai ser viabilizada pelo fundo de recebíveis. Não vale a pena abrir mão de equity para isso. A empresa deve rodar sozinha”, diz Maia.
*Atualizado às 15h28 para corrigir o valor do ecoPTO, sistema elétrico dos cestos, que custa R$ 100 mil