A Boston Metal, startup apoiada pelo fundo de capital de risco de Bill Gates e pela Vale na busca pelo aço verde, vai estrear sua tecnologia comercialmente no Brasil.
O que sairá dos “caldeirões eletroquímicos” da empresa ainda não é a solução para livrar a siderurgia das emissões de CO2. Mas tudo faz parte da jornada, diz o CEO da companhia, o brasileiro Tadeu Carneiro.
Usando um processo muito semelhante ao que está desenvolvendo para transformar o ferro em aço, a empresa deve começar a operar no ano que vem uma planta em São João Del Rey para reaproveitar rejeitos de mineração e extrair deles metais de alto valor agregado.
O investimento inicial será de “alguns milhões de reais”, segundo Carneiro, e virá de recursos da própria Boston Metal. A companhia já recebeu US$ 100 milhões em duas rodadas de aportes.
Ao todo, para chegar na escala desejada, o projeto deve consumir R$ 500 milhões. “Já estamos indo atrás [do dinheiro] para as próximas fases”, diz Carneiro.
O terreno onde será implantada a unidade já foi comprado, e as obras começam em dezembro. A expectativa é que a produção tenha início no ano que vem.
O modelo de negócios do empreendimento é essencialmente encontrar o que há de valor na escória e em outros rejeitos que hoje são passivos financeiros e ambientais para mineradoras.
“Vamos achar parceiros que tenham esses rejeitos empilhados em algum lugar. Pegamos aquilo tudo, levamos até a nossa fábrica para fazer o processamento e devolvemos aquela massa para ele, mais uma parte do lucro das vendas” do que tiver valor de revenda após a purificação, afirma Carneiro.
A chave de tudo está no processo desenvolvido pela Boston Metal. Fundada por pesquisadores do MIT, a companhia é parte de uma onda de startups tentando provar que é possível produzir aço com baixas – ou até mesmo zero – emissões de carbono.
Sopa de óxidos
Na siderurgia tradicional, o minério de ferro é aquecido a temperaturas altíssimas nos altos-fornos. Esse processo depende da queima de coque, um derivado do carvão mineral, e resulta em muitas emissões de CO2.
Estima-se que a siderurgia seja responsável por algo entre 7% e 8% dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera.
Em vez de combustíveis fósseis, a tecnologia básica da Boston Metal usa a eletricidade como fonte energética, e o principal subproduto dessa reação eletroquímica é oxigênio puro.
Num galpão em Woburn, uma cidadezinha a cerca de 20 km de Boston, os engenheiros da companhia continuam fazendo ajustes para que o procedimento funcione em escalas cada vez maiores.
Os módulos que serão montados na planta em Minas Gerais são muito parecidos com os testados no laboratório da startup (foto). A diferença é a “sopa de óxidos” que será submetida à corrente elétrica, diz Carneiro. Em vez de minério de ferro, serão rejeitos. Em vez de aço verde, o resultado final serão metais de alto valor.
“Os investidores da empresa me perguntaram se [a iniciativa no Brasil] não seria uma distração. A resposta foi um retumbante ‘não’”, afirma o executivo. “Muito do que estamos aprendendo agora se aplica ao aço. São programas muito complementares.”
Além de conhecimento, a subsidiária vai gerar receitas. O objetivo da Boston Metal é produzir aço sem emissões, mas isso vai levar um bom tempo para acontecer.
Carneiro afirma que ainda falta de um ano a um ano e meio até que comecem os primeiros pilotos de aço verde em escala comercial.
Movendo os ponteiros
Outra diferença da planta brasileira será a energia elétrica empregada. Pelo menos inicialmente, a subsidiária brasileira da Boston Metal não pretende operar somente com energia limpa.
“No começo não precisa ser necessariamente limpa. Temos de mostrar que estamos movendo os ponteiros pro lado certo”, afirma Carneiro. Como o volume será contado em milhares de toneladas – diante de centenas de milhões no caso do aço – e o produto recuperado terá alto valor, a questão da fonte energética não é decisiva.
“E estamos falando de uma pegada ambiental espetacular”, diz Carneiro. “Estamos gerando um valor que vai ajudar [as mineradoras] a tratar [os rejeitos] de maneira correta. Hoje muitas delas não têm dinheiro para investir nisso.”
Essa oportunidade de uma segunda “peneira” no descarte da mineração existe no mundo inteiro. A companhia escolheu começar no Brasil por alguns motivos, segundo o CEO.
O primeiro é porque Carneiro conhece a região e a oportunidade. Antes de assumir a Boston Metal, ele passou dez anos à frente da maior produtora de nióbio do mundo, a CBMM, da família Moreira Salles, em Araxá.
Outro motivo são as pessoas. Como indica o nome do Estado, Minas Gerais tem tradição na formação de talentos na área de mineração, e é de lá que vem o responsável pela operação brasileira.
Itamar Resende, que tem mais de duas décadas no comando de empresas de metais, como a LSM no Brasil e no Reino Unido, a Mineração Taboca e a Sigma Lithium, vai chefiar uma equipe inicial de cerca de 20 funcionários, com o objetivo de chegar a 200.
Não seria lógico que as mineradoras usassem a tecnologia desenvolvida pela Boston Metal em suas próprias operações, para aumentar sua produtividade?
Carneiro afirma que sim, mas antes é preciso provar que tudo funciona. “No futuro, quando virem como o processo é bom, todo mundo vai querer fazer. Mas hoje ainda não dá. Temos que começar nós mesmos.”