
Não é raro startups nascerem a partir de achados de pesquisas acadêmicas. Mas existe um caminho considerável até que a ideia se torne um modelo de negócios. Uma pesquisa realizada na Universidade de São Paulo (USP), porém, se tornou uma climate tech em apenas poucos meses por trazer uma possível solução para um problema dramático para a maior cidade do hemisfério sul do globo: a queda de árvores.
Cerca de 330 delas caíram na cidade de São Paulo em apenas uma hora de tempestade no último dia 12, causando uma morte, acidentes, interdição de ruas e interrupção no fornecimento de energia em 170 mil imóveis.
Pesquisadores da USP desenvolveram uma tecnologia que analisa o equilíbrio das árvores e orienta as podas com precisão a partir de imagens em três dimensões (3D). Uma poda mais precisa pode evitar o enfraquecimento da árvore, reduzindo os riscos de queda.
A solução atraiu o interesse não só de prefeituras e concessionárias de energia, mas também de investidores. Fundos de venture capital procuraram a universidade para impulsionar o desenvolvimento do projeto, o que acelerou a criação da Treetronics, cujo CNPJ saiu esta semana, antes mesmo de os resultados da pesquisa serem publicados.
À frente da pesquisa estão os professores Marcos Buckeridge, do Departamento de Botânica, e Emílio Carlos Nelli Silva, do Departamento de Engenharia Mecatrônica, além de três alunos – a USP não divulgou os nomes.
A tecnologia desenvolvida pela pesquisa parte de um escaneamento completo das árvores. A partir das imagens geradas em 3D é possível aplicar cálculos que estimam quais são os pontos fracos da estrutura e simular o impacto das podas.
Especialista em árvores e arborização urbana, Buckeridge afirma que o manejo indevido é um dos responsáveis por comprometer as árvores na cidade de São Paulo, assim como a falta de monitoramento da saúde em geral.
“Tem que podar com a maior precisão possível para não deixar a árvore desequilibrada e suscetível a cair com uma tempestade, com um vento mais forte. Só pode podar no máximo 30% da copa, mas no processo ninguém sabe muito bem que partes cortar”, explica.
“Uma árvore com crescimento normal costuma ter só um ponto fraco. Quando ela é podada, pode aparecer mais um ou dois. Isso dobra ou triplica a possibilidade de a árvore cair.”
Da academia para o mercado
Mesmo antes dos fundos chegarem, o potencial da tecnologia chamou atenção da diretoria do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da universidade ainda em 2024, antes das chuvas do último verão.
O centro reúne pesquisas de diversas áreas da USP com potencial de solucionar problemas levados por empresas privadas. Desde a sua criação, em 2017, foram R$ 600 milhões em contratos diretos com empresas como Petrobras, Toyota e Braskem.
Além da Treetronics, seis startups já surgiram a partir de pesquisas no centro. Entre elas estão a Carbonic, Carbon to Carbon e Multiscale.
“O que me chamou atenção foi o nível em que o projeto estava. Eu estava trabalhando com projetos em estágios mais baixos de maturidade. Essa pesquisa apareceu com todas as soluções já encaminhadas e testes feitos. Estamos perto de começar a comercializar”, conta Ruy Rede, gerente de transferência de tecnologia responsável pelo desenvolvimento de startups no centro. Ele auxilia os pesquisadores a construir o modelo de negócio das empresas e a atrair investidores.
O centro foi procurado por mais de um fundo de venture capital interessado na Treetronics nas últimas semanas. Por isso, Rede prevê que a primeira rodada de captação possa se equiparar aos valores de uma Série A, pulando investimentos iniciais conhecidos como pré-seed e seed. Ele não estimou o valor, mas no Brasil as rodadas do tipo captam pelo menos R$ 5 milhões.
O investimento será destinado a montar equipe e comprar equipamentos como drones e scanners. Testes têm sido feitos para estimar, por exemplo, qual é o detalhamento necessário nas imagens geradas. Alterações desses parâmetros podem diminuir o tempo de análise e os custos da tecnologia.
Outras soluções
Outras pesquisas coordenadas por Buckeridge também podem ser convertidas em oportunidades de negócio pela Treetronics. Uma delas desenvolveu um algoritmo que analisa fotografias de árvores pela cidade e estima a probabilidade de os galhos entrarem em contato com a fiação elétrica.
São usadas imagens do banco de dados do Google Street View e a precisão chegou a 75%. Em tese, seria possível também estimar a saúde das árvores a partir de marcadores como buracos, entrada de insetos e podas mal feitas, como as que retiram galhos muito grossos.
O objetivo dos pesquisadores é desenvolver tecnologias que facilitem a inspeção das árvores e verifiquem a condição de saúde delas, usando drones, aviões e análise a partir de inteligência artificial.
A equipe foi procurada pelas prefeituras de São Paulo, Maringá e Indaiatuba, com quem têm tido conversas iniciais.
“Um problema é que a população não conhece árvores. Então, o número de pedidos para poda e corte é enorme, com base, às vezes, em ideias que não fazem sentido. A pessoa acha que se uma árvore está inclinada, ela vai cair, mas se ela cresceu inclinada, ela já tem todo um princípio de compensação do seu balanço”, aponta Buckeridge.
Segundo o professor, o que poderia ser feito é a inspeção, usando essas tecnologias mais sofisticadas para que a prefeitura se adiante ao problema. “Essa é a meta. Não vai ter equipe suficiente para ficar olhando as 650 mil árvores da cidade de São Paulo, aí que a gente entra”, diz. O número de árvores a que ele se refere faz parte da última estimativa oficial da cidade, de 2014.
A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade de São Paulo confirmou ao Reset que está em conversas com a equipe de pesquisadores da USP e vai avaliar se a ferramenta pode contribuir para a poda preventiva e a redução do risco de quedas. Se positivo, serão estudadas formas de integração com as políticas já adotadas pela Prefeitura.
O manejo preventivo em São Paulo deveria ganhar mais relevância nos próximos anos, conforme mais árvores são plantadas na cidade e os eventos climáticos extremos aumentam.
A Prefeitura tem como meta plantar 120 mil mudas em 2025. Ela está prevista no “Pacote verde” lançada pela gestão de Ricardo Nunes em fevereiro.
Além da remoção de gases do efeito estufa, o que reduz o aquecimento global, árvores colaboram para a adaptação das cidades porque prestam serviços ambientais: aumentam a umidade do ar, facilitam a infiltração da água da chuva no solo, diminuem a velocidade dos ventos e baixam a temperatura.
Em São Paulo, a temperatura máxima durante o dia varia até 10 graus célsius entre uma rua arborizada e uma sem árvores.
Quanto à poda, a Prefeitura afirma que tem 129 equipes, cada uma com 10 pessoas sob coordenação de engenheiros-agrônomos, e que o volume de árvores podadas em 2024 foi 39% maior que o de 2019, levando à queda dos pedidos acumulados.
Já a concessionária de energia Enel afirmou que executa podas que estão próximas à rede elétrica seguindo normas técnicas estabelecidas pela ABNT e manuais da poda, além da legislação municipal. A empresa também afirma que os eletricistas passam por treinamento em arborização urbana e manejo florestal.