OPINIÃO: Como o venture capital brasileiro pode apoiar a inovação duradoura

Cinco propostas para fugir da moda passageira e direcionar capital para soluções que transformam

Mão feminina segurando uma lâmpada, iluminada por círculo em amarelo, em fundo verde.
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Temos acompanhado nos últimos anos uma generalização do termo “inovação” e de termos correlatos como startups, digitalização e tecnologia. A onda de demissões e grandes ajustes financeiros em big techs e nos chamados unicórnios acendeu um farol amarelo entre os investidores e na opinião pública sobre o que são de fato iniciativas de transformação com estofo real.

Mas afinal, o que está por trás de uma inovação sólida e perene?

O venture Capital não vive de moda. Já é algo presente nos Estados Unidos há mais de 60 anos, sendo quase uma necessidade básica de mercado por lá. 

Vivemos, sim, de ondas tecnológicas, a partir da produção de ciência, que acabam por oferecer soluções diversas a diferentes desafios em busca de qualidade de vida, de riqueza, etc. Será sempre um percurso de resiliência, muitas vezes com escassez de capital. 

Startups que promovem boas inovações costumam ter algumas destas características: 

  • Desenvolvem soluções que atendem a demandas críticas de seus clientes
  • Criam barreiras complexas aos eventuais competidores. 
  • Costumam gerar mais margem operacional, o que se traduz em solidez financeira e menos dependência de novas rodadas de investimento. 

Por consequência, são companhias que demandam menos capital regularmente e por outro lado entregam mais previsibilidade aos gestores e investidores. 

1. É hora de amadurecer

A questão é que existe algo um tanto infantil que ainda permeia o universo do venture capital. Trata-se de um certo exagero que começou com sacos de boxe, mesas de pingue-pongue, ambientes descolados e que desaguou nos “cavalos com chifre”, alados e coloridos. 

Outras iniciativas no mercado de ações, private equity, mercado imobiliário, para citar apenas alguns exemplos, não adotam este tipo de vocabulário para significar suas dinâmicas. Está na hora de amadurecer. 

Venture capital não pode ser playground. Não precisamos tirar da mesa o lado divertido, curioso, inventivo, surpreendente que faz parte do DNA do ecossistema de inovação. Mas sempre recordemos sempre que esta é uma atividade profissional, séria e cheia de obrigações entre os envolvidos.

2. A pressa é prejudicial

É muito importante ressaltar outro ponto-chave: a pressa é absolutamente prejudicial. Não adianta colocar gasolina aditivada em um fusca, a velocidade final e o tempo de viagem serão os mesmos. 

É evidente que não deve haver um culto à lentidão, mas sim um cuidado minucioso com a velocidade de construção e adoção da inovação. Há um imediatismo enraizado na cabeça de muitos empreendedores e investidores que é absolutamente nocivo para a construção de um negócio sólido. Neste caminho, é essencial ter em mente a seriedade da governança e falarmos de forma madura sobre uma gestão séria que equilibra a importância de clientes e da gestão com o dinheiro investido. 

3. Governança de qualidade

É essencial resgatarmos o protagonismo da qualidade da gestão e da governança nos investimentos. É claro que sem recursos pouco pode ser feito, mas para além do cheque, investidores e conselheiros precisam aportar o que sabem fazer por excelência, complementar a jornada de desafios do empreendedor. Quer só dinheiro? Vá ao banco. 

Esse comprometimento real é que vai resultar em inovações e estas transformam e salvam vidas. O processo é árduo, envolve muita pesquisa, patentes e regulação muitas vezes, que se transformam em diferenciais competitivos. 

4. Um modelo brasileiro

Por um lado, o Brasil tem deficiências em relação à produtividade dos fatores da economia e a inovação deveria ser foco de atenção do Estado e sociedade civil. 

Por outro, o país tem várias competências únicas em relação a conhecimento e capital humano disponível. Exemplos como Embraer, Petrobras e Vale deixam isso muito claro. Sem falarmos das pré-disposições geográficas, como o clima e o potencial agrícola para alimentar o mundo.

O modelo de venture capital baseado em cópia não é o único e tampouco o melhor caminho. Precisamos pensar o ecossistema de VC brasileiro usando algumas referências do que existe em Israel e nos Estados Unidos, por exemplo, dois países que sabem dar potência ao que têm de melhor em termos de capital humano disponível, pré-disposições geográficas e socioeconômicas. Quais são as brasileiras? 

5. Incentivos à inovação

Também cabe aqui frisar a ausência completa dos fundos de pensão como investidores da inovação no Brasil. Com mais de R$ 1 trilhão em ativos, são a maior poupança de longo prazo do País e deveriam financiar com força a pesquisa e o desenvolvimento (P&D). 

Deveríamos pensar em incentivos, como a Lei de Informática ou a obrigatoriedade de um percentual a ser alocado em P&D, como acontece em diversos setores. Imaginemos o que 1% deste montante poderia significar para milhares de novas companhias…

Importante ressaltar que temos não mais do que uma dezena de unicórnios no Brasil. Para muitos investidores e mesmo empreendedores, o sucesso, ou mesmo a falência deste modelo, seria uma amostra estatisticamente válida para qualificar e muitas vezes quantificar todo o ambiente de inovação empreendedora, que conta com milhares de startups.  

Mais recentemente, a chegada do capital e da atitude dos fundos de Corporate Venture Capital (CVC) é muito bem-vinda por trazer estímulos corretos à pauta da inovação. 

Sem incentivos distorcidos ou mesmo oportunísticos, as corporações têm em suas iniciativas de investimentos em inovação a busca pela eficiência produtiva, a busca por novos canais. Em resumo, buscam sua sobrevivência a longo prazo. Quem não se atentou morreu no meio do caminho. 

A inovação robusta requer governança sólida, maturidade e comprometimento real. Ela não pode ser apenas uma moda passageira ou uma distração momentânea. O venture capital desempenha um papel crucial na sociedade, impulsionando a inovação coerente e duradoura. 

Devemos valorizar e apoiar as iniciativas que atendem a demandas críticas, criam barreiras complexas, geram solidez financeira e entregam resultados para a sociedade. Somente assim poderemos alcançar uma verdadeira transformação e avançar em direção a um futuro melhor.

* Renato Ramalho é CEO e Gustavo Junqueira é sócio-fundador da gestora KPTL