Um material neutro em carbono, resistente, moldável às mais diversas formas e aplicações e totalmente biodegradável. E que, além disso tudo, reaproveita resíduos da agroindústria.
Bom demais para ser verdade?
Produzido a partir da fermentação de diferentes espécies de fungos, este material já é utilizado por grandes empresas estrangeiras, como Dell e Ikea, principalmente em embalagens.
A parte utilizada dos fungos é o micélio, conjunto de filamentos microscópicos que dão estrutura a estes organismos. Quando misturado a substratos distintos, ele funciona como uma espécie de cola natural, resultando em uma massa que pode ser moldada para diferentes utilizações.
No Brasil, a startup paranaense Mush, fundada em 2019, já utiliza o micélio em peças para arquitetura e decoração, como luminárias e mesas. Mas pretende expandir para aplicações com potencial de atingir uma escala maior.
“Novas pesquisas mostraram que o mushpack, como batizamos o nosso material, tem muitas outras aplicações”, diz Ubiratan Sá, CEO da startup, que este ano redirecionou sua estratégia para embalagens e itens para construção civil a seco.
O novo passo só foi possível após a transferência, em setembro, de uma planta piloto, até então incubada na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, para uma planta demonstração.
No imóvel de 500 metros quadrados, no município paranaense de Ponta Grossa, produção e pesquisa ganharam áreas próprias.
No mesmo prédio funciona uma startup dedicada ao desenvolvimento de tecido feito a partir de micélio e substituto do couro, batizada de Muush. A empresa integra a Fungi Biotecnologia, holding da qual a Mush também faz parte. A Typcal, que produz proteína à base de micélio, completa o trio e funciona em Curitiba.
Com a mudança para a planta demo, a capacidade de produção da Mush passou de 600 a 800 quilos mensais de mushpack, para cerca de 5 toneladas por mês.
“Escala é o nome do jogo. O preço final só será competitivo, comparado a peças de poliuretano e poliestireno [EPS, o isopor], se produzirmos em grandes quantidades”, explica Sá.
Segundo o CEO, com uma produção de 5 toneladas mensais, é possível reduzir em torno de 35% o valor final do produto – corte que pode chegar a 50% com a produção de 10 toneladas/mês. “Isso contando a estrutura que temos hoje. E ainda serão necessários outros investimentos que precisam ser amortizados.”
Mesmo com o aumento na produção, a diferença de preço será gritante.
Um metro quadrado de mushpack com 15mm de espessura sai hoje por R$ 225, enquanto uma placa de EPS de mesmo tamanho e espessura está disponível no mercado por cerca de R$ 10.
A Mush, no entanto, tem sido procurada por empresas que, segundo Sá, apostam no material para diminuir seu impacto ambiental, mesmo com o preço tão mais alto.
A produção de um quilo do mushpack consome apenas dez litros de água – como comparação, são necessários cerca de 180 litros de água para produzir um quilo de plástico – e tem emissão negativa de CO2 (-1 kg).
O processo também reaproveita resíduos que seriam descartados na agroindústria, como cascas de sementes de arroz e aveia, serragem e bagaço de cana.
“Na produção, utilizamos 98% desses substratos e apenas 2% de micélio”, explica Sá. “E ainda tem a vantagem de ser um material 100% biodegradável, gerando lixo zero.”
Outro benefício do material é a segurança. “Por suas propriedades acústicas e retardadoras de fogo, apostamos nele para fabricar placas utilizadas como forro e revestimento. Ao contrário das tradicionais, que podem conter produtos químicos nocivos, elas queimam mais devagar e de forma limpa, emitindo apenas água e CO2”, diz Sá.
Rápido e versátil
O ciclo de produção do mushpack é curto. O micélio é cultivado em laboratório e em 24 horas está pronto para ser misturado ao substrato e acondicionado em sacos plásticos. Diferentes substratos resultam em características finais distintas de textura, porosidade, dureza, resistência mecânica, flexibilidade e densidade.
Em um ambiente com umidade e temperatura controladas, o micélio então se prolifera, absorve CO2 da atmosfera e forma uma resina que agrega as partículas do substrato, funcionando como uma cola. A mistura parte para a fase de moldagem.
Triturada, ela é colocada dentro de moldes, conforme o produto a ser desenvolvido. Eles voltam a um ambiente úmido, onde o micélio passa por mais crescimento e agrupa definitivamente todo o material, tornando a peça rígida.
A fase final inclui estufa, para secagem, e eventual pintura, à gosto e demanda de cada cliente. O processo completo dura de três a cinco dias.
A virada nos negócios da Mush para novos setores incluiu um aporte de R$ 900 mil, no início de outubro, feito pela Irani Ventures, braço de corporate venture capital da indústria gaúcha de papel e embalagens.
Até então, cerca de R$ 4 milhões já haviam sido investidos na startup, de recursos dos sócios, de investidores privados e de fundos de pesquisa da universidade. Além do aporte, uma parceria da Irani Ventures com a aceleradora Grow+ ofereceu à Mush um diagnóstico mais completo de sua jornada.
O uso do micélio em embalagens não é novidade. A Dell começou a acondicionar seus computadores em peças feitas da matéria prima em 2011. A rede sueca de móveis Ikea, em 2020. Ambas em parceria com a empresa americana Ecovative, a maior do mundo em tecnologia de micélio.
Mas dados da Future Market Insight apontam que o setor deve crescer bastante na próxima década. Apenas em embalagens, deve saltar de um faturamento de US$ 74 milhões em 2023, para US$ 187 milhões em 2033.
Com um faturamento mensal de cerca de R$ 10 mil, a receita da Mush ainda vem das peças de design e decoração. A meta é, com as embalagens e placas para construção, atingir R$ 50 mil mensais ainda no primeiro semestre de 2024.
A produção deve subir para 2,5 toneladas de mushpack por mês e a startup projeta chegar em 100 toneladas/mês, em 2028.