Na Care, a oportunidade (e os desafios) da 'beleza limpa' no Brasil 

Startup de cosméticos naturais cresce a taxas de três dígitos e mira mercado externo; cadeia de fornecimento ainda é o ponto mais sensível

Na Care, a oportunidade (e os desafios) da 'beleza limpa' no Brasil 
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De rótulos criados nos Estados Unidos por celebridades como Selena Gomez e Jessica Alba a marcas locais, nos últimos anos os produtos de ‘clean beauty’ ou ‘beleza limpa’ se multiplicaram nas prateleiras de farmácias, perfumarias e em sites especializados. 

O conceito é bastante amplo, mas parte do pressuposto de que os produtos não contêm substâncias químicas que façam mal à saúde — humana, dos animais ou do planeta — , como parabenos, petrolatos, sulfatos, chumbo e outros metais. 

Fundada em 2018, a Care Natural Beauty é um dos principais expoentes da tendência no Brasil e agora está apostando na força de ativos tipicamente brasileiros para crescer também fora do país. 

“Já entramos com documentações para validar nossas formulações nas agências reguladoras dos Estados Unidos e da Europa”, conta a sócia-fundadora Patricia Camargo. Os primeiros destinos de desembarque devem ser Portugal e França. 

Nascida num primeiro momento apenas com a venda digital, a linha de maquiagens da Care rapidamente caiu no gosto de influenciadores de renome e ganhou tração nas redes sociais. 

No ano passado, a companhia, que hoje tem um portfólio de 95 produtos de cuidados para a pele e maquiagem, faturou R$ 14 milhões, o dobro de 2021. Segundo a empresa, todos os itens são feitos de ativos exclusivamente naturais, orgânicos e sem toxinas. 

Açaí e pracaxi, dois poderosos antioxidantes amazônicos, estão presentes em todos os seus produtos. 

Com um crescimento feito em cima de capital próprio e aporte de um investidor-anjo (de nome não revelado), a Care fechou há pouco menos de um ano seu primeiro aporte, de R$ 7 milhões, com a Order Venture Capital. 

A gestora paranaense é focada em bens de consumo e tem no seu portfólio outros casos focados em saudabilidade, como a La Guapa, de rede de empanadas da chef e defensora da agricultura familiar Paola Carosella, além da Enova Foods, holding de alimentos que inclui marcas antigas como Ki-Suco, mas vem se reinventando com marcas como &Joy, de barrinhas de cereal, Monama, de snacks e grãos integrais, e Tivva, de massas sem glúten. 

Além da internacionalização, com o aporte, a Care pretende ampliar o portfólio para as categorias de corpo e fragrâncias, expandir para mais estados brasileiros e aumentar os pontos físicos de venda. 

Em 2022, os produtos — que incluem uma linha de blush e um sérum hidratante entre os carros-chefes — passam a ser vendidos no Brasil também nas lojas da Sephora, maior rede global de cosméticos. Hoje, o canal representa apenas 10% do faturamento.  

De incumbente a desafiante 

A Care nasceu da união de angústias pessoais e profissionais das fundadoras. 

Ex-diretora jurídica de uma gigante multinacional de cosméticos, Camargo conheceu de perto o lado B das toxinas, que geravam diversos tipos de processos judiciais.

Luciana Navarro, que trabalhava organizando eventos corporativos, passou por uma experiência pessoal transformadora: uma gravidez molar (com anomalia na placenta) que não evoluiu e a levou à quimioterapia. 

Na época, o médico pediu que ela usasse apenas produtos orgânicos na pele por conta dos efeitos do tratamento — mas era difícil encontrar cosméticos certificadamente limpos, e a maior parte deles era importada. 

Foi onde o propósito encontrou a oportunidade de negócio. “Queríamos construir uma empresa que falasse de beleza de verdade, mostrando que ela não existe se antes não houver saúde”, afirma Navarro.

Com capital próprio – cerca de R$ 700 mil – elas seguiram para Alemanha, França e Estados Unidos para conhecer empresas que faziam clean beauty. Em paralelo, fizeram um trabalho com químicos, farmacêuticos, maquiadores e dermatologistas para encontrar formulações próprias. 

“Não tínhamos verbas para grandes lançamentos, por isso apostamos pesado em tecnologia, alta performance e sustentabilidade, em produtos que falassem por si”, conta Camargo. 

Três meses depois do lançamento da Care, a marca foi selecionada para uma aceleração na Sephora, onde poliram o modelo de negócio — mexendo, inclusive nas embalagens, para dar um ar mais moderno e menos artesanal que o dos primeiros lotes. 

Fabricação terceirizada (com olho do dono)

Num mercado onde ainda não há muita regulação, um outro tipo de maquiagem se tornou comum: a maquiagem verde, ou greenwashing. Na prática, é difícil para o consumidor saber se a produção é limpa. 

A Care depende de fábricas terceirizadas para produzir suas formulações, o que exige um relacionamento muito próximo com essas fabricantes — e um bom grau de confiança. São eles que compram os insumos e se responsabilizam pelos melhores padrões de sustentabilidade ambiental e social. 

“Nunca fabricaremos os produtos, então somos bastante rígidos com a escolha destas fábricas que nos atendem”, diz Camargo.  

Hoje a empresa fabrica seus produtos com cinco empresas: as multinacionais Faber Cosmetics (divisão de cosméticos da Faber-Castell) e Schwan Cosmetics; as italianas Intercos e LabPhyto, além da brasileira Natural D’Gaia, de Curitiba. 

A escolha, diz Camargo, está ligada ao fato de que essas unidades conseguem fornecer garantia de origem dos insumos usados na produção. 

Essa garantia se dá por meio de certificados como o selo de orgânico da IBD, maior certificadora de produtos orgânicos e sustentáveis da América Latina, e o ISO 22 176, concedido pela Bureau Veritas, que avalia critérios como gerenciamento da cadeia de suprimentos.

Mas o processo não está livre de tropeços.  

“Recentemente, estávamos para lançar um produto e, já na fase dos testes de performance, ficou constatado que ele tinha metais pesados. Cancelamos tudo, o que trouxe uma série de impactos financeiros para a empresa”, diz Camargo. A própria fábrica identificou o problema e descredenciou o fornecedor de insumos. 

Nos casos em que há agricultores que ainda não são certificados, a Care faz a ponte de empresas como a Beraca, que realiza o processo de certificação junto às comunidades e garante a rastreabilidade do produto. 

Fundada pela família Sabará, a Beraca, com sede no Pará, é a maior produtora de insumos naturais, como óleos e manteigas, para a indústria de cosméticos no Brasil e foi comprada em 2021 pela suíça Clariant

Além do contato próximo com fornecedores, a Care se apoia em outras certificações para se diferenciar para o consumidor. 

A empresa é a única brasileira de cosméticos com produtos certificados com o selo EWG, do Environmental Working Group, organização americana sem fins lucrativos que segue padrões rigorosos para atestar se a formulação é limpa; e tem também os selos Cruelty-Free e Vegan da PETA. 

Interesse das brasileiras

Com um faturamento que ainda é uma pequena fração das gigantes de higiene e beleza, a Care não tem estrutura de logística reversa, para o retorno das embalagens dos produtos, e compra créditos de reciclagem, por meio da eureciclo.

Da mesma forma, a pegada de carbono dos produtos é compensada por offsets de carbono. “Sabemos que mais importante que compensar é reduzir as emissões, por isso estamos fechando com transportadoras que garantam entregas mais conscientes, com o uso de bicicletas, por exemplo”, diz Navarro. 

A Care oferece refis para todos os seus produtos — mas apenas 30% do faturamento vem dessa linha. A maioria dos consumidores ainda prefere a recompra dos produtos na embalagem original, mesmo com a diferença de preço a favor da opção mais sustentável. 

A questão, dizem as empresárias, é que o perfil das consumidoras da marca no Brasil ainda é o de mulheres mais preocupadas com qualidade e requinte, do que com sustentabilidade.

Essa é uma diferença de comportamento relevante em relação ao mercado estrangeiro. “Lá fora, há mais concorrência, mas também mais consciência e procura por clean beauty”, diz Camargo.

“Aqui, nossos concorrentes principais são nomes como Guerlain ou dermocosméticos como Vichy e La Roche-Posay”, explica. “Mas queremos mudar isso aos poucos, educando cada vez mais essas mulheres, e avançando das classes A e B para a C”. Hoje, o ticket médio de compra está entre R$ 380 a R$ 420.