
Para a incubadora de startups Greentown Labs, sediada nos arredores de Boston (EUA), a postura negacionista do governo Donald Trump deu um novo peso à iniciativa privada e à filantropia quando se trata de financiar novas tecnologias verdes.
Os dois principais programas de fomento do governo dos Estados Unidos, acessados por todo tipo de startup, passaram por bloqueios no início do ano, levando a uma mobilização maior das empresas para “preencher as lacunas”, nas palavras de Georgina Flatter, CEO do Greentown Labs.
Fundada em 2011 por estudantes saídos do tradicional MIT, um dos principais centros de tecnologia e ensino do mundo, a incubadora é uma dos principais aceleradoras de startups americanas voltadas à transição para uma energia de baixo carbono.
“Os orçamentos foram reduzidos e bloqueados, mas alguns estão voltando neste momento, o que é ótimo. Isso força o setor a pensar em como podemos nos apoiar, nos financiar e preencher as lacunas. Vejo o setor privado se mobilizar, assim como os filantropos. Não podemos desacelerar”, afirma Flatter ao Reset.
Cerca de um terço das empresas incubadas no Greentown Labs recebe algum tipo de apoio federal. O foco da incubadora é escalar soluções que ajudem o setor de energia, o principal emissor mundial, a diminuir as emissões de gases de efeito estufa. São as greentechs e climatechs.
Os dois principais instrumentos federais são a Advanced Research Projects Agency-Energy (ARPA-E) e a National Science Foundation (NSF). Neste ano, a verba dos órgãos está garantida porque o Congresso replicou o orçamento do ano anteior. Apesar disso, os US$ 9 bilhões previstos para o NSF e os US$ 418 milhões para o ARPA-E foram bloqueados para “revisão” assim que Trump assumiu. Em abril, o governo formalizou o corte, mas a Justiça autorizou os pagamentos e agora as verbas têm sido liberadas aos poucos. Para 2026, Trump quer cortes de até 50%.
“Há muitos de nossos membros que estão lutando arduamente para garantir que suas tecnologias continuem a ser priorizadas. A voz do setor está começando a se manifestar, pois entendem que precisamos de um portfólio diversificado”, diz Flatter.
Sem retrocesso
Essa busca das empresas por diversificação explica por que o discurso do governo Trump não atrapalha o financiamento da inovação climática, aponta Flatter. As startups seguem atraindo verba até da indústria fóssil, com interesse em eficiência e novos negócios. Em Houston, cidade do Texas considerada a capital mundial do petróleo, são 70 empresas incubadas.
Uma refinaria que consegue aumentar seu fornecimento de energia sem elevar as emissões, por exemplo, contribui para a agenda verde. A CEO do Greentown Labs aponta que essa estratégia, que envolve a redução da intensidade de carbono, é uma das armas a favor do clima.
“Eu entendo e aprecio a narrativa — que agora está se tornando popular — sobre a necessidade de aumentar a produção de energia. É inevitável que as fontes atuais continuem a ser usadas no curto prazo”, diz.
A dinâmica descrita sobre o cenário dos Estados Unidos é confirmada pela consultoria de inteligência de mercado Net Zero Insights no relatório State of Climate Tech H1 2025, que mostra que investimentos climáticos no país seguem fortes, mesmo ataques do governo Trump, com volume estimado em US$ 26 bilhões este ano, acima dos US$ 23 bilhões de 2024, e representando 51% do montante mundial.
Os números consideram a atividade total do venture capital em tecnologia climática, incluindo apoio via equity, dívida, subsídios e excluindo as saídas (desinvestimentos).
“As corporações, em primeiro lugar, podem ser clientes. Segundo, podem investir. Terceiro, podem moldar a agenda de forma que faça sentido para a escala e aconselhar”, afirma Flatter.
Suporte
Desde a fundação, em 2011, as startups participantes do Greentown Labs captaram US$ 9,6 bilhões. Até agora, em 2025, foram US$ 530 milhões captados pelas incubadas e mais US$ 880 milhões pelas que já deixaram o centro e formam uma comunidade de 400 empresas. Hoje são 200 em incubação. A estimativa é que 70% do total têm ao menos uma patente.
O centro apoia soluções diversas para transição energética e auxilia no perfil do negócio, conectando as startups com potenciais investidores e clientes. A incubadora é independente, mas tem forte relação com professores, pesquisadores e alunos do MIT.
Um dos suportes é o fornecimento de espaço físico. Esse foi, inclusive, o que levou à formação da incubadora em 2011. Os fundadores da Promethean Power Systems precisavam encontrar um local e se uniram com outros colegas para criar o centro. Na época, a startup desenvolveu uma geladeira à bateria, destinada a regiões subdesenvolvidas.
Flatter assumiu o comando do Greentown Labs no início de 2025. Ela tem mestrado em ciência de materiais e foi diretora-executiva da TomorrowNow, organização apoiada pelo bilionário Bill Gates que trabalha com meteorologia. No MIT, atuou por 10 anos como professora e pesquisadora, avaliando os impactos sociais do avanço da tecnologia.
Prioridades e soluções
As emissões de gases de efeito estufa precisam atingir o chamado net zero até 2050 para que o mundo escape de um colapso, mantendo o aquecimento global em até 1,5 grau celsius. Para chegarmos lá, na visão de Flatter as prioridades devem ser: melhorar a intensidade de carbono emitido por kilowatt, evitar o vazamento de metano na indústria do petróleo e viabilizar baterias.
“Precisamos dobrar a captura de carbono, reduzir o metano e aumentar a eficiência. São tecnologias que já existem e com custo líquido zero. No entanto, não está no mercado. Há muito que podemos fazer para trazer eficiência e que causará impacto agora”, diz.
Uma das startups incubadas no Greentown Labs foi fundada por brasileiros. Renato Gomes e Daniel Moura criaram a Pix Force em 2015. A empresa usa drones, inteligência artificial, machine learning e visão computacional para inspecionar instalações. Entre elas estão estações, linhas de transmissão e plantas solares.
A Cemvita, que já “cresceu” e saiu da incubadora, foi fundada por americanos, e inaugurou uma subsidiária recentemente no Brasil. Ela pesquisa como microorganismos podem transformar o CO2 de resíduos industriais em componentes de valor.
Uma das tecnologias aproveita a glicerina, subproduto do petróleo, para fazer combustível sustentável para aviação (SAF). No início do ano, a empresa criou um memorando de entendimento para aplicar a técnica aos resíduos da gaúcha Be8, produtora de biodiesel.
Para Flatter, o sucesso por quem passa pelo Greentown Labs pode ser medido com alguns indicadores de impacto: número de patentes, velocidade com que o negócio ganha escala e a geração de empregos. Ela pondera, porém, que não se deve ficar refém de números.
“Em última análise, gostaríamos de poder entender o impacto em emissões. Se há 50 gigatoneladas de CO2 que precisamos eliminar, qual é o impacto de nossas empresas? Isso é muito difícil medir, mas é algo que almejamos”, afirma.