IA rural da Smartbreeder recebe aporte de R$ 15 mi

Com investimento de fundo americano, agtech de software preditivo para controle de doenças e pragas quer ir além dos canaviais

IA rural da Smartbreeder recebe aporte de R$ 15 mi
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A Smartbreeder começou a trabalhar com big data e agricultura de precisão quando esses termos ainda não eram populares no Brasil. Agora, vem colhendo os frutos de seu pioneirismo.

Uma das primeiras startups dedicadas a coletar e analisar milhares de dados vindos do campo, a empresa acaba de receber um aporte de R$ 15 milhões do fundo norte-americano EcoEnterprises, com mais de 25 anos de experiência em investimentos de impacto.

A empresa foi fundada há 15 anos por Éder Giglioti, um veterano com mais de três décadas de pesquisa e empreendedorismo na cultura da cana-de-açúcar, para incluir a dimensão digital nos ganhos de produtividade do campo.

A Smartbreeder trabalha com uma plataforma preditiva para controle de doenças e pragas. Sua matéria-prima são informações armazenadas em pontos diversos do cliente, muitas vezes sem relação aparente entre si. O resultado são indicações práticas para os produtores.

“Baseados em bilhões de dados e utilizando a inteligência artificial, a gente promove onde, quando e como o produtor tem que usar cada insumo agrícola, cada defensivo, cada tecnologia”, afirma Giglioti.

Instalada em Piracicaba, no interior de São Paulo, a empresa hoje tem 110 clientes, reunindo alguns dos grandes players do setor sucroalcooleiro, como Atvos, Tereos, CMAA e Jalles Machado.

A área monitorada pela Smartbreeder corresponde a 3 milhões de hectares em seis Estados – São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná.

O investimento do fundo norte-americano servirá para a Smartbreeder fortalecer sua posição na cana e expandir sua atuação para outros culturas, como milho, soja e algodão.

A meta é chegar a 5 milhões de hectares nos próximos cinco anos, segundo Giglioti. Também há a intenção de internacionalizar suas operações a partir deste ano, uma frente que vai começar pelos Estados Unidos.

Além disso, a empresa quer ampliar consideravelmente seu faturamento, que foi de R$ 20 milhões no ano passado, para R$ 125 milhões em 2030. 

De onde tudo veio

Giglioti é um velho conhecido do setor. Engenheiro agrônomo de formação, ele foi se embrenhando na academia, ainda nos anos 1990, nas pesquisas envolvendo o sequenciamento genômico da cana-de-açúcar.

Ele participou do grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que fundou a CanaVialis. A startup, criada em 2003 com participação do Grupo Votorantim, foi vendida à Monsanto em 2008, num dos primeiros cases bem sucedidos do país de venture capital no agronegócio.

Ao deixar a CanaVialis, ainda nos anos 2000, Giglioti começou a pensar em quais áreas poderia atuar e se deu conta de que o empreendedorismo era mesmo o seu caminho.

“Pensei: ‘O que acho que sei fazer é transformar ciência em negócio’. Foi aí que veio a ideia de buscar a maximização de produtividade e sustentabilidade através da otimização da gestão e do manejo de culturas agrícolas”, recorda ele.

Giglioti inicialmente participou de uma outra startup, a Genecana, onde trabalhou com um projeto-piloto que seria a base da Smartbreeder, fundada em 2009 com o nome de Smartbio.

Naquele momento, uma usina tentava combater a broca, uma praga comum em canaviais e também na cultura do milho, e contratou uma consultoria para tentar acabar com o problema.

“Na época eu não chamava de big data, mas era um big data”, diz Giglioti. “O acordo com a usina foi que ela ajudaria no desenvolvimento e teria licença para usar o produto, mas não poderia comercializá-lo.”

O sucesso da iniciativa motivou Giglioti a fundar a Smartbreeder. O negócio deslanchou em poucos anos. De início, eram apenas duas usinas-clientes, correspondendo a uma área monitorada de 70 mil hectares. Cinco anos depois, em 2014, esse número já havia saltado para 26 clientes, em 850 mil hectares.

Dados são o coração

Para a Smartbreeder, os dados são o coração de todo negócio – inclusive os do campo.

A empresa começa coletando informações espalhadas em diversos pontos dos clientes. São cerca de mil indicadores, de imagens de satélites e informações de estações meteorológicas a números de planilhas de Excel guardados em laptops dos funcionários.

Depois de um processo de depuração e padronização, tudo é reunido em um enorme banco de dados que será analisado pelo software da Smartbreeder.

O sistema usa tecnologias de aprendizado de máquina e inteligência artificial generativa (como o que ficou popular com o ChatGPT) para entregar ao produtor a receita de onde, quando e como atuar, apresentando informações – que podem ser ilustradas com mapas, gráficos e números – sobre tecnologia, insumos e defensivos agrícolas a serem utilizados no manejo do cultivo.

“Nós temos um sisteminha em que o produtor clica e indica: “Gera para mim a agenda de onde eu tenho que [fazer o controle de pragas] nessa semana.”

“O cliente acessa a plataforma de uma a três vezes por semana e recebe agendas de monitoramento e recomendações [indicando de que forma o produtor deve atuar]”, afirma Giglioti.

Nas ferramentas da empresa, também é possível ver, por exemplo, cada área em que foi aplicado um defensivo, onde houve sucesso ou falhas nessa aplicação, além de informações sobre produtividade dos canaviais, gráficos sobre condições climáticas, entre outras funcionalidades.

Com a análise das áreas, os produtores de cana conseguem combater de forma mais efetiva e com mais antecedência doenças e pragas no campo.

“A gente praticamente duplicou o uso de biológicos nas áreas onde atuamos nos últimos 15 anos, pois eles conseguem atuar de forma mais localizada”, afirma Giglioti.

O pioneirismo da empresa foi o que chamou a atenção do EcoEnterprises, que vem conversando com a startup há cerca de um ano e meio.

“O que as pessoas começaram a fazer nos últimos cinco anos, a Smartbreeder começou a fazer há mais de uma década”, observa o diretor administrativo do fundo, John McKenna.

O diferencial da empresa em relação a outras do mercado, para McKenna, está na capacidade que a solução da Smartbreeder tem de transformar o manejo dos produtores, tornando-o mais sustentável.

Ele traz um exemplo prático. “Antes uma fazenda enviava um avião para pulverizar produtos químicos em 20 mil hectares. Agora a Smartbreeder indica: “Você tem uma infestação apenas numa parte da terra. Não mande um avião inteiro, mande um drone e certifique-se de usar, em vez de um pesticida químico que é muito prejudicial ao meio ambiente, uma solução biológica que seja natural.’”

Expansão para outras culturas

Para expandir a utilização de seus produtos em culturas como soja, milho e algodão, a Smartbreeder tem desenvolvido nos últimos dois anos um projeto-piloto em cerca de 100 mil hectares numa parceria com o Grupo Schlatter, que atua na produção de grãos, algodão e carne em 14 fazendas de Estados como Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

“Obtendo todos os dados de produtividade, a gente conseguiu dizer para esse produtor, através de inteligência artificial, qual foi a variedade que mais entregou produtividade, qual foi o produto de fungicida para controle de doenças que mais entregou resultado”, afirma Giglioti.

Além de conquistar mais espaço dentro do agronegócio nacional, a Smartbreeder pretende alcançar 500 mil hectares monitorados fora do país nos próximos anos.

Até julho, a empresa deve começar a fazer monitoramento de cana de açúcar nos Estados Unidos e pretende alcançar, nos próximos anos, países como Colômbia, Guatemala e Austrália, segundo Giglioti.

Também há uma ideia, ainda em fase de maturação, de oferecer os produtos de monitoramento da Smartbreeder para ser utilizado em agroindústrias, especialmente as de etanol, energia elétrica e biogás, aproveitando a ligação da empresa com o setor sucroalcooleiro.

“Mas aí não sabemos se seria uma nova unidade de negócio, um braço ou [até mesmo] um spin-off”, afirma Giglioti.

*Colaborou Ilana Cardial