A 100% Livre quer ir além da alface em suas fazendas verticais

Startup que cultiva hortaliças e ervas em sistema de hidroponia vertical quer expandir as culturas e busca clientes na indústria

Diego Gomes, fundador da 100% Livre, startup de hidroponia vertical
Diego Gomes, fundador da 100% Livre, startup de hidroponia vertical
A A
A A

Quem vê o horizonte cinza de galpões industriais centenários do bairro do Ipiranga, em São Paulo, se surpreende ao entrar na sede da 100% Livre, startup de hidroponia vertical indoor.

Em seis estantes de 10 metros de altura, cada uma com 20 “andares”, milhares de pés de hortaliças e temperos crescem sem precisar de terra, luz natural ou agrotóxicos.

As plantas são iluminadas por filamentos de LED de brilho intenso, que variam do branco ao violeta. Para cuidar da horta, trabalhadores com máscaras e uniformes esterilizados sobem aos andares mais altos com carrinhos especiais e equipamentos de segurança semelhantes aos de quem faz rapel.

A empresa produz 40 toneladas de alimentos por mês numa área plantada de 200 m² e com o consumo de pouco mais de 90 mil litros de água. No campo, seriam necessários 15 mil m² de área cultivável e 3,6 milhões de litros de água para obter a mesma quantidade das oito hortaliças e cinco ervas cultivadas, segundo Diego Gomes, fundador e CEO da companhia. 

Isso sem falar na vantagem logística: a “lavoura” fica a menos de 10 km de seus principais clientes. Gomes diz que o trajeto dos caminhões de entrega dura menos de duas horas.

“A localização reduz o desperdício, e o consumidor recebe um produto mais fresco, mais barato e mais durável. Nossas hortaliças duram até dez dias após a colheita.”

Como outras startups que estão se multiplicando em grandes centros urbanos, como Nova York, Londres e Paris, a 100% Livre aposta que a agricultura longe do campo é sustentável em outras dimensões além da ambiental. 

Em cidades ou em regiões onde o solo não é cultivável, essas fazendas verticais poderiam ajudar a reduzir as perdas de alimentos no transporte, que no Brasil chegam a 55%, de acordo com a Embrapa.

Além de um negócio, afirma o fundador, a 100% Livre também opera como um laboratório. A startup trabalha em parceria com a Embrapa para encurtar a distância entre a produção e o consumo.

Como funciona a hidroponia vertical

Antes de criar a 100% Livre, em 2019, Gomes passou por bancos e teve uma empresa de comercialização de espaços publicitários. Mas ele afirma que a agricultura urbana o interessa há pelo menos oito anos, quando nasceu seu primeiro filho.

“Naquela época, o alimento orgânico não só era difícil de encontrar, como também era caro e, não vamos negar, não tinha uma boa aparência. Foi quando comecei a pesquisar a hidroponia.”

Na hidroponia, as hortaliças são cultivadas sem a necessidade de terra. As raízes das plantas ficam dentro de um substrato, como a fibra de coco, ou então em contato direito com a água. Nesses meios elas recebem um mix otimizado de nutrientes, como nitrogênio, potássio, fósforo, cálcio e magnésio.

Na hidroponia indoor, como no galpão da 100% Livre, o clima, um fator mais instável que o solo, também passa a ser controlado. As plantas estão protegidas de pragas e intempéries. Variáveis como luz, temperatura e umidade são constantemente monitoradas e ajustadas. 

O resultado são verduras prontas para colheita na metade do tempo em comparação com uma horta tradicional.

“No campo, uma alface pode demorar até 60 dias para ser colhida. Na hidroponia vertical, ela está pronta em 29, consumindo apenas um litro de água”, afirma Gomes.

(Mesmo que não sejam usados agrotóxicos, a legislação brasileira não permite que verduras hidropônicas sejam rotuladas como orgânicas porque não crescem em contato com a terra.)

Não é apenas alface

Hoje, somente com hortaliças, a 100% Livre abastece 100 pontos de venda em São Paulo e no Rio, atendendo às redes de mercado Carrefour, Pão de Açúcar, Mambo, Natural da Terra e Hirota. 

As verduras chegam na gôndola custando entre R$ 7 e R$ 10. Elas já se pagam e competem com outros vegetais embalados prontos para consumo, com o diferencial de ser livre de agrotóxicos.

A empresa não divulga receitas, mas afirma que a meta é abocanhar, até o fim de 2024, 3% do mercado de verduras prontas para o consumo. A próxima horta está sendo construída em Osasco, na região metropolitana de São Paulo e perto do Ceagesp, maior centro atacadista de alimentos da América Latina.

Com a nova instalação, que terá uma área total cinco vezes maior que a atual, a empresa deve ampliar as culturas. Tomate, pimentão e morango são três produtos que devem começar a ser vendidos em breve. A startup também estuda a viabilidade de produção de frutas como o mirtilo e o abacate hass, também conhecido como avocado.

Além da horta vertical

Gomes afirma que o potencial de crescimento é enorme tanto olhando para o varejo quanto para a indústria. E a agricultura urbana está dando os primeiros passos.

Dentro do segmento de hidroponia vertical, a 100% Livre concorre com a Pink Farms, startup paulistana que produz 3 toneladas de hortaliças por mês e que também está em franco crescimento.

A 100% Livre, no entanto, é mais ambiciosa. Está buscando investimentos na ordem de R$ 50 milhões para expandir a operação para dez capitais. A empresa recebeu o primeiro aporte em fevereiro. A BMPI Ventures, family office do grupo Barbosa Mello, comprou 20% da empresa.

Mas a startup quer que parte significativa do faturamento venha da relação com a indústria. Em parceria com a Ambev, a 100% Livre tem um programa piloto para produzir lúpulo, ingrediente essencial para a produção de cerveja.

Parte dos manjericões colhidos na 100% Livre hoje já vai para a De Tomasso, que produz molho pesto e molho de tomate industrializado.

Esses clientes industriais serão essenciais para o sucesso do negócio das fazendas verticais, afirma Gomes.

Compradores regulares e de grande porte ajudam a justificar o alto investimento inicial em equipamentos – controle de temperatura e umidade, iluminação artificial de alta eficiência e circulação da água.

E as culturas não precisam ser necessariamente comestíveis. “A mesma lógica pode ser aplicada para outros produtos de alta demanda para indústrias como a farmacêutica e a cosmética. Podemos testar, por exemplo, a viabilidade de plantas como a calêndula e a duboísia (planta medicinal usada para aliviar dores abdominais)”, diz Gomes.