Esse bioplástico tem petróleo? A queda de braço de duas startups de embalagens ‘verdes’ no Brasil

BioElements, investida do BTG, e ERT, com aporte da XP, disputam narrativas e espaço num setor que ainda engatinha no país

Imagem de uma sacola plástica deita à base de plantas e biodegradável
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Grande aposta para combater a poluição plástica no mundo, os bioplásticos ainda engatinham no Brasil e representam menos de 0,2% de todas as embalagens plásticas que circulam no país.

Ainda diminuto, o setor se tornou palco de questionamentos sobre a autenticidade de produtos e de uma guerra comercial entre duas startups, uma investida do BTG Pactual e outra da XP Investimentos, que tentam liderar a corrida brasileira dos bioplásticos.

Há duas semanas, a Associação Brasileira de Biopolímeros Compostáveis e Compostagem (Abicom) informou a Positiva, startup de produtos de limpeza ecológicos, que havia testado a embalagem de um de seus produtos e concluído não era feita exclusivamente “de plantas” e “zero plástico”, como a empresa informava. A análise do laboratório Afinko, reconhecido no segmento, havia constatado a presença de polietileno, que tem origem fóssil.

Poucos meses antes, a Positiva havia trocado a embalagem do seu sabão de coco e também a do lava-louças em pó, passando a comprar o invólucro interno da startup chilena BioElements e comunicando seus clientes sobre os novos atributos ecológicos.

A contratação do fornecedor foi precedida por uma pesquisa das opções disponíveis no mercado com o objetivo de encontrar um material que fosse ao mesmo tempo 100% feito à base de plantas, totalmente biodegradável e que pudesse ser compostado na casa dos clientes. 

A empresa acreditava ter encontrado a resposta na resina da BioElements, que no processo concorrencial deu essas garantias à Positiva e apresentou certificações internacionais e nacionais.

Mas a história era um pouco diferente.

Tem ou não tem?

Em conversa com o Reset, a diretora da BioElements no país, Adriana Giacomin, foi questionada sobre a existência ou não de derivados fósseis nas embalagens feitas pela empresa.

“A formulação é um segredo industrial e não vem ao caso se tem ou não”, disse ela. Pelo seu raciocínio, o relevante era o fato de o material ser comprovadamente biodegradável e compostável, conforme atestam diversas certificações internacionais e nacionais obtidas pela empresa.  

Depois de alguma insistência, a executiva cedeu: “Não existe nenhum produto 100% à base de plantas que possa dar as propriedades mecânicas necessárias para embalagens”.

Uma nota da empresa encaminhada à reportagem por e-mail também segue a mesma linha. “O fato de um material ser mais ou menos de base biológica ou mais ou menos fóssil não tem relação com seu comportamento no meio ambiente ou capacidade biodegradável, ou seja, a capacidade de um material servir como fonte de energia e carbono para vários microrganismos.”

Segundo a TUV Austria, principal certificadora de bioplásticos no mundo, a resina BioE-8 da BioElements contém entre 20% e 40% de base vegetal – a parcela mínima para ser considerada biobased é de 20%. Não há esse tipo de atestado para os 22 produtos finais da empresa.

A BioElements diz “focar fortemente nas análises de ciclo de vida dos produtos finais, que contém diversos materiais poliméricos, e não somente nos materiais que os compõem separadamente”. Ou seja, para a empresa, importa mais o comportamento final dos produtos no meio-ambiente do que sua composição. 

Mas não é como a Abicom vê a questão. “Na Abicom, nós só reconhecemos bioplásticos compostáveis. Quando um produto contém polietileno, ele não se enquadra nessa categoria”, diz Emanuel Martins, presidente da associação. 

Para produtores de bioplástico se associarem à Abicom, é exigida alguma das principais certificações (europeia, americana ou brasileira), que atestem a degradação de 90% do produto no prazo limite de 180 dias.

A BioElements não admite de forma direta – mas também não nega – a existência de polietileno na sua formulação. 

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi escolhida pela empresa no Brasil para testar seus produtos e diz ter concluído que eles são compostáveis e biodegradáveis, resultando apenas em CO2, água e biomassa. 

“Já analisamos mais de 30 amostras da BioElements. Nas nossas análises, não foi detectado polietileno. Se o fosse, o produto não teria 100% de biodegradação, inclusive em meio aquoso”, diz Alane Vermelho, professora responsável pelo laboratório BioInovar, da UFRJ, e quem assina o laudo. 

Mas, numa segunda nota enviada à reportagem, a BioElements diz ter havido um “ruído de comunicação” entre ela e a cliente Positiva, “que resultou em informações que não estavam completamente corretas na embalagem”.

Agora a empresa diz que entregará um novo produto à Positiva “que não considera em sua composição traços de poliolefinas (Polietilenos, Polipropilenos), mas apenas amido e copoliésteres biodegradáveis como PBAT, PLA, entre outros.”

A Positiva também encaminhou nota com informações semelhantes, confirmando que todas as embalagens fornecidas pela BioElements sofrerão a troca para o novo material a partir de janeiro.

Disputa comercial

Tudo indica não se tratar apenas de uma disputa envolvendo a veracidade de alegações de predicados verdes e a confusão de conceitos e certificações. 

O episódio revela também uma disputa comercial entre a BioElements e a Earth Renewable Technologies (ERT). 

Desde que a BioElements passou a conquistar clientes no Brasil e recebeu um aporte de US$ 30 milhões do fundo de impacto do BTG Pactual, no início de 2023, passou a incomodar a ERT, uma empresa que fabrica bioplásticos a partir do ácido lático obtido pela fermentação do açúcar, em Curitiba (PR), e que em 2022 recebeu um investimento de R$ 50 milhões de um fundo da XP Private.

Além do avanço da concorrente, a ERT também desconfiava dos atributos do produto e chegou a testar o material para confirmar suas suspeitas. 

A ERT possui 16 produtos. As resinas que dão origem a quatro deles têm certificado pela TUV Austria de serem entre 80% a 100% à base de plantas e nove são compostáveis industrialmente. 

Desde abril de 2023, a ERT passou a presidir a Abicom – Emanuel Martins é diretor de inovação e produto da ERT – e parece ter levado a disputa para dentro da associação.

Segundo um outro associado, partiu da ERT a ideia de testar a embalagem feita pela concorrente. Mas essa mesma pessoa diz que a desconfiança era geral entre empresas do setor. “A interpretação geral era que os materiais da BioElements não são realmente compostáveis. Quem está há muito tempo nesse mercado repara no toque, na transparência e até no efeito sonoro dos produtos.”

Emanuel Martins diz que não foi apenas o material da BioElements o alvo do escrutínio da associação. A provocação que levou aos testes, conta, veio de um funcionário do governo do Distrito Federal, onde a distribuição e venda de sacolas plásticas passou a ser proibida no início deste ano.

A escolha dos materiais a serem testados, segundo Martins, é feita de forma aleatória, com base em informações divulgadas na mídia. “Nosso objetivo é ter um papel educativo. Também testamos uma sacola do iFood, Havaianas e a sacola plástica que circula em Brasília. Quando comunicamos a Positiva, não sabíamos nem que a BioElements era a fornecedora.”

A BioElements rebate. “A gente entende que por trás do recente episódio há uma disputa comercial e que a ERT vem passando por uns momentos difíceis”, diz Adriana Giacomin, da BioElements. “Esse é um movimento normal quando a concorrência entende que está acontecendo um movimento grande. Nós estamos duplicando [a produção] a cada dois ou três meses.” 

O BTG não quis comentar e a XP não respondeu até a publicação desta reportagem. 

As letras miúdas

O episódio joga luz sobre a dificuldade de marcas e consumidores de navegar entre as diferentes tecnologias e materiais que anunciam ter atributos verdes.

A confusão de conceitos não ajuda. Os bioplásticos, grosso modo, podem ser divididos em três categorias: à base de plantas, biodegradáveis ou uma somatória dos dois atributos anteriores.

O polietileno verde da Braskem, por exemplo, tem origem renovável, na cana-de-açúcar, mas não é biodegradável. Já o PBAT da BASF é um polímero de origem fóssil, mas que se biodegrada.

“Ser biodegradável significa passar por um processo de degradação no qual determinados tipos de microorganismos reconhecem o resultado como fonte de alimento e energia. A questão é que não se sabe em quanto tempo isso ocorre. Pode levar anos”, explica Thiago Spedo, coordenador de negócios da BASF Brasil e responsável pelo segmento de polímeros especiais. “Já quando compostável, o produto tem a capacidade, no final da vida útil, de se tornar um se tornar um fertilizante orgânico.”

Ainda sem uma regulamentação forte para os bioplásticos no Brasil, as certificações são a única referência para que as empresas compradoras consigam ter parâmetros para basear suas escolhas, e encontrar a alternativa mais sustentável que se adeque a seu público e ao orçamento. 

“Muitas empresas têm mais de dez tipos de bioplástico, e é preciso uma certificação para cada um. Se você tem a certificação para uma resina e vai misturar com outros tipos de resinas, precisa também de outra certificação para o produto final”, diz Fernando Figueiredo, presidente do InBioPack, uma associação civil sem fins econômicos que promove educação ambiental. Figueiredo ressalta que o alto custo para cada certificação muitas vezes se torna um empecilho para as empresas. 

Entre os certificadores mais reconhecidas no setor estão a europeia TUV Austria, que faz análises abrangentes e de diferentes aspectos, e o americano Biodegradable Products Institute (BPI), que testa a compostabilidade de cada produto em ambiente industrial. As especificações são rigorosas e descrevem quais cores e espessuras máximas para que as características certificadas sejam válidas.