A fintech que quer incluir natureza no balanço chega ao Brasil

A fintech que quer incluir natureza no balanço chega ao Brasil
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Apesar dos sobressaltos recentes, a ideia de que empresas paguem pela redução ou remoção de gases de efeito estufa está estabelecida. O mecanismo para isso são os créditos de carbono, e o objetivo é evitar consequências ainda mais graves da mudança do clima.

Mas a atmosfera não é o único bem comum da humanidade sob ameaça. É crescente o entendimento de que os recursos naturais são exauríveis e precisam ser conservados e restaurados.

Parte do dinheiro terá de vir do mundo corporativo, por um motivo muito simples: metade do PIB mundial depende da natureza e seus serviços e, portanto, está sujeito aos riscos da crise ecológica.

“Nós nos perguntamos: de um lado, como podemos garantir que cada pessoa que zela pela terra, que provê o capital natural, seja recompensada por melhores resultados ambientais? Do outro, o que podemos fazer para que investidores e empresas comecem a apostar em capital natural como algo crítico para seu negócio?”, diz ao Reset Martin Stuchtey, cofundador e CEO do LandBanking Group, uma fintech alemã que busca responder essas perguntas e está iniciando suas operações no Brasil. 

Se a natureza é uma infraestrutura crucial para as empresas, ela precisa de manutenção e investimentos, do contrário vai “desmoronar diante dos nossos olhos”, afirma Stuchtey.

Essa foi a premissa que o levou a criar o LandBanking, em 2022, junto com sua esposa, Sonja Stuchtey. A ideia central da startup é simples: remunerar os produtores rurais não só pela matéria-prima que vendem, mas também pela guarda de bens comuns como biodiversidade e recursos hídricos.

A questão é como isso será feito na prática. É algo longe do trivial, para o qual não existe receita ou padrão estabelecido.

A solução proposta pelo LandBanking para reconhecer o valor financeiro da natureza envolve contabilidade e tecnologia em igual medida.

“Temos que estabelecer uma moeda ou um tipo de ativo em que todos podem confiar porque é garantido, medido, transparente, imutável e baseado na ciência mais recente”, diz Stuchtey.

Solos resilientes

Um dos clientes da fintech é a Weleda. A multinacional suíça de cosméticos e produtos naturais vai pagar € 500 por hectare anualmente à Sekem, um fornecedor egípcio, pela melhoria da retenção de água em suas plantações de ervas.

A remuneração se baseia num “passaporte de capital natural” da propriedade, no qual serão medidos os avanços obtidos pelo produtor.

“Esse é o trabalho duro de verdade”, segundo Stuchtey. Os dados são analisados de forma automática, combinando a análise de imagens de satélite com dados históricos de precipitação no norte do Egito. Dessa forma, a startup consegue calcular se o solo das propriedades da Sekem será capaz de resistir ao próximo período de seca. 

Aumentar a transparência na relação da Welleda com seu fornecedor é parte do serviço prestado pela startup. Outra igualmente importante é o reconhecimento de um novo tipo de ativo intangível, ou seja, que não existe fisicamente.

Stuchtey defende que, assim como marcas e patentes, esses ‘ativos da natureza’ reforçariam o balanço das companhias. “Estamos criando uma moeda mais forte que algo que aparece no P&L e que vai facilitar as conversas futuras com acionistas, bancos e reguladores.”

O primeiro balanço a incluir ‘ativos da natureza’ deve ser publicado neste ano. Uma construtora alemã paga pela preservação de uma floresta vizinha.

“Isso entrará no balanço como um item de infraestrutura de resfriamento. Poderiam ter comprado ar-condicionado, mas pagaram pelo serviço florestal”, diz Stuchtey, “Parece uma trivialidade, mas é um grande passo porque é a primeira vez que isso é feito assim.”

A oportunidade brasileira

A fintech une as experiências profissionais do casal. Sonja fez carreira em startups de tecnologia, incluindo a organização pró-democracia Alliance4Europe. Martin passou 20 anos no time de sustentabilidade da McKinsey & Company e depois cofundou a Systemiq, consultoria que busca resolver problemas estruturais. 

O LandBanking Group tem duas fontes de receita: o serviço de monitoramento e uma porcentagem dos valores pagos aos produtores rurais.

“A segunda é a que visamos como principal fonte, o que é legal porque somos uma companhia que só recebe se as condições da natureza melhorarem. Cada dólar de faturamento e lucro está relacionado à melhora do planeta.”

Com sede em Frankfurt, a fintech tem 15 clientes, sendo 10 na Europa, três na África, um na Ásia e um na América Latina.

No final do ano passado, foi anunciada a contratação de Felipe Villela, ex-CEO da startup de agricultura regenerativa reNature, para estabelecer uma operação brasileira.

“Fiz a troca porque já estava me aproximando da agenda de capital natural e acredito muito na diversificação de renda para o produtor para dar escala global às práticas sustentáveis”, diz Villela, que assumiu o cargo de diretor de negócios na América Latina. 

O momento de apetite pela agenda de bioeconomia deve ser um diferencial para o LandBanking se consolidar no Brasil, afirma Villela. A expectativa é que os primeiros contratos sejam fechados no próximo mês. 

Globalmente, a companhia também conta com a crescente percepção de que o capital natural é indissociável das estratégias de longo prazo das empresas.

Em janeiro, mais de 300 companhias ao redor do mundo se comprometeram a publicar relatórios sobre o impacto da natureza em seus negócios.

O movimento que busca entender os riscos dessa interação e orientar as companhias é liderado pela Task force on Nature-related Financial Disclosures (TNFD).