O aspecto social da sigla ESG pode ser dividido em três tipos de ações.
O primeiro, que chamo aqui de ‘da porta para dentro’, envolve fatores como promoção de igualdade de gênero, diversidade e inclusão e saúde mental dos colaboradores.
O segundo, que seria o mínimo a ser feito, significa, por exemplo, o respeito aos direitos humanos e o cumprimento das leis trabalhistas em toda a cadeia.
O terceiro seria ‘da porta para fora’, isto é, a contribuição que a empresa faz à comunidade do seu entorno e decisões tomadas em prol da sociedade.
Conversando com 30 lideranças de empresas para um projeto recente, identificamos que o principal desafio das empresas no âmbito social do ESG é justamente o relacionamento com a comunidade ao redor da empresa, antes mesmo da promoção da diversidade.
Licença social para operar
Cunhado há 25 anos, o termo “licença social para operar” significa a empresa ter a aprovação da comunidade. Diferentemente da licença ambiental, essa licença social não é formalizada ou calculada, mas é igualmente importante.
A empresa deve conhecer as demandas, expectativas e necessidades daquela comunidade e planejar sua operação de forma que seja vantajosa para o seu entorno, agindo em prol da população e do desenvolvimento local.
Antes de tudo, é preciso entender que os atores locais e movimentos de base já promovem o desenvolvimento social e econômico dos seus territórios e entendem melhor do que ninguém as soluções que precisam ser implementadas.
Por isso, as empresas devem se despir tanto de uma visão colonizadora de que a atuação delas no território fará toda a diferença, quanto de uma visão de que fazer o mínimo já é suficiente para ter uma boa relação com os moradores.
Para promoção do desenvolvimento dos territórios em que atua, é importante a colaboração e articulação das empresas com organizações e lideranças locais, bem como com o governo.
Segundo a Agenda de Compromissos Empresariais pelo Desenvolvimento Territorial Sustentável, do Instituto Ethos, são necessárias desde ações ambientais, como uso de matriz energética limpa, redução das emissões e de resíduos, gestão do uso e preservação das águas e da terra, quanto as sociais, de geração de trabalho decente, redução das desigualdades, fortalecimento da economia local, melhoria da qualidade de vida, saúde pública e promoção de oportunidades de educação.
Na prática
É evidente que este não é um assunto novo e que muitas empresas já praticam o apoio à população do entorno, mas o que temos visto é que muitas vezes ele está pautado em ações pontuais de responsabilidade social, apartadas da estratégia das empresas.
É aqui que enxergo um caminho no qual a inovação e o olhar estratégico para impacto positivo podem ter papéis essenciais para desenvolver pessoas e comunidades de forma escalável e de longo prazo, benéfico para as duas partes.
Imagine uma população que não era atendida por concessionárias de energia elétrica e que vivia na base dos ‘gatos’ ilegais, correndo riscos. Ao serem transferidas para conjuntos habitacionais, essas famílias passam agora a ter a situação regularizada, porém pagando pela primeira vez um valor mensal de conta de luz.
Não só o nível de inadimplência é alto, como também é necessário um planejamento financeiro para aquelas famílias — além de muitos enxergarem a concessionária como ‘vilã’.
Essa foi a realidade de um projeto que fizemos com uma empresa de energia. Antes, ela realizava doação de lâmpadas LED para a população.
No projeto de inovação aberta, identificamos e entrevistamos atores locais do território, exploramos o problema com os moradores dos bairros onde atuamos e buscamos soluções de startups de impacto prontas para atuar na região.
Os resultados gerados incluem a capacitação de mais de 500 pessoas via apps de educação financeira e mais de 110 mulheres capacitadas em elétrica básica, que além de pequenos consertos e economias em casa poderiam executar serviços que contribuem com a geração de renda.
Outro exemplo é um projeto que envolveu a articulação de várias lideranças locais com o objetivo de apoiar soluções que atuam na redução de desperdícios de alimentos em cinco municípios onde uma empresa parceira possui fábricas.
Durante a implementação das tecnologias, o projeto promoveu mais de 40 conteúdos educativos sobre perda e desperdício de alimentos, distribuiu mais de 3,26 toneladas de alimentos próximos da data de vencimento e reduziu o desperdício de alimento no prato das crianças em escola pública em mais de 65%.
Foram gerados ainda mais de R$ 34 mil em renda formal para famílias locais, além da aproximação com diversos parceiros externos, entre redes supermercadistas e gestores públicos para garantir a continuidade das ações.
Parcerias com a comunidade e os governos
A inovação e os modelos de negócio das startups de impacto — projetadas para gerar impacto de forma contínua e recorrente — podem ser ferramentas potentes de transformação social.
Com uma vontade genuína, diálogo com poder público, organizações sociais, sociedade civil e um mergulho nos desafios e na cultura local, é possível gerar valor compartilhado de longo prazo com o território.
Em ambos os projetos, contamos com o apoio de organizações da sociedade civil atuantes na região para legitimar as ações e fazer pontes com a população local.
Aqui também cabe uma observação de que estamos falando do papel do setor privado.
Os governos estaduais e municipais já atuam em diversas frentes, que podem ser potencializadas a partir de investimentos e articulações com empresas e organizações sociais para que os territórios avancem de maneira cada vez mais significativa para enfrentar os desafios.
Para esse tipo de atuação de fato ter eficácia, ela deve ser combinada com o desenvolvimento de um novo olhar da empresa em relação a sua atuação. Um olhar consciente e imbuído da responsabilidade em fomentar o desenvolvimento do local em que atua de forma mais justa e sustentável.
A atuação das empresas na pauta ESG precisa ir além do que vira notícia, e passar a se atentar em apoiar questões sociais profundas que estão logo ao lado.