Quem precifica o 'risco carbono' para a Petrobras e o planeta?

Mudanças climáticas não parecem sensibilizar a nova presidente da estatal, que defende explorar combustíveis fósseis na foz do Amazonas e flexibilizar o licenciamento ambiental

Homem caminha ao lado de dezenas de barris de petróleo
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O mercado tremeu no dia seguinte à saída de Jean Paul Prates da presidência da Petrobras e do anúncio de Magda Chambriard como sua substituta. A Faria Lima ficou de cabelos em pé com o risco de “intervenção do governo” na gestão da estatal. Para investidores, Magda é uma ameaça de controle de preços dos combustíveis, aumento do endividamento da empresa para priorizar encomendas de bens e serviços no mercado nacional e mais recursos aplicados em refinarias, segmento com margem de lucro menor que a exploração e a produção de petróleo e gás.

Resultado: as ações da Petrobras fecharam o dia com quedas de mais de 6% na bolsa de Nova York e na B3, e perda de R$ 35,5 bilhões em valor de mercado. E diante do burburinho, os oportunistas de plantão voltaram a vociferar aos quatro ventos que tudo isso seria resolvido com a privatização da maior estatal do país. Logo, nada de novo no front mercadológico.

Em breve, as ações da Petrobras subirão, a empresa recuperará o valor de mercado e vários acionistas estarão rindo de uma orelha à outra por terem comprado os papéis da empresa na baixa e vendido na alta. Quem vendeu na baixa do movimento especulativo se arrependerá. E o risco de intervencionismo terá sido plenamente absorvido pelo mercado momentaneamente. 

O problema é ignorar o “risco carbono” permanente, que compromete a própria existência da Petrobras. Ao retirar Prates da estatal, o governo tinha uma chance de ouro de colocar à frente da empresa alguém de fato comprometido com sua transformação de uma petroleira para uma empresa de energia, eliminando gradualmente os combustíveis fósseis e investindo pesado em fontes renováveis.

Afinal, a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) projeta para 2030 o pico da demanda por petróleo no mundo. Ainda que mais devagar do que o planeta precisa, a oferta de energia renovável vem aumentando a passos largos. É um caminho sem volta. 

Até a última gota

Em vez disso, o governo optou por colocar alguém ainda mais comprometido com a exploração de petróleo e gás fóssil “até a última gota”. Pior: que faz campanha pelo enfraquecimento da legislação ambiental e pela exploração de combustíveis fósseis até mesmo na foz do Amazonas. E que, nessa defesa, comparou a exploração na foz do Amazonas com a implantação de usinas eólicas, como se vê em seu artigo publicado em junho de 2023 na Brasil Energia.

Foi com Magda Chambriard na direção-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de 2012 a 2016, que o órgão regulador leiloou blocos para exploração de combustíveis fósseis na foz. Em maio de 2013, na 11ª rodada de licitações de áreas de concessão, e sob o comando de Magda, petroleiras arremataram 14 blocos na região.

Um deles foi o FZA-M-59, no litoral do Amapá, para o qual a Petrobras teve seu pedido de licença para perfurar um poço negado em maio de 2023 pelo IBAMA, que ainda avalia o pedido de reconsideração feito pela estatal. Mas, para a nova presidente da empresa, a Petrobras “lutou pouco” pelo documento, como disse em evento do UBS BB realizado no mesmo dia em que foi anunciada como CEO da petroleira.

Logo após o Ibama negar a licença, Magda atacou a decisão no artigo mencionado acima: “Esse penoso processo [de licenciamento do FZA-M-59], que ainda em 2023 agrega exigências adicionais, faz parte de um aprimoramento regulatório ou é um perigoso sinal de elevação do risco Brasil?”

Está claro no texto o tom desenvolvimentista à la século 20, numa defesa incontestável da indústria dos combustíveis fósseis e a colocação da legislação ambiental como uma “ameaça”. Um pensamento retrógrado que não considera o caminho sem volta da transição energética. E não apenas para a salvação do clima do planeta, mas para a perenidade da Petrobras.

Risco subestimado

A mudança climática é um risco que grande parte da Faria Lima ainda subestima, assim como subestima as oportunidades da transição energética, e que afeta não só a estatal, mas toda a economia, como a tragédia no Rio Grande do Sul está mostrando.

Da agropecuária ao setor automotivo, passando por varejo e transportes, toda a economia sofre com a mudança do clima, que já ocorre e que vai se intensificar se petroleiras como a Petrobras não trabalharem para migrar seu portfólio de combustíveis fósseis para energias renováveis. 

Poucos países têm o potencial do Brasil para produzir uma energia 100% renovável. É uma aspiração de boa parte dos próprios funcionários da Petrobras. Faz sentido tanto do ponto de vista econômico como ambiental.

A postura da nova CEO inviabiliza isso. Ela já deixou claro que trabalhará para engessar a empresa em vultosos investimentos em infraestrutura de exploração e refino de combustíveis fósseis que podem não se pagar, com a projeção de queda da demanda – os stranded assets. Nenhum investidor deveria querer isso.

Já que a nova presidente da Petrobras fala em “risco Brasil”, cabe perguntar: quem está precificando o “risco carbono” para o futuro da Petrobras, o clima e o meio ambiente do planeta?

Ao contrário da “ameaça de intervenção governamental” que derruba o valor das ações em um dia ou semana, mas passa logo depois, o “risco carbono”, se a nova CEO conseguir colocar em prática o que pensa, será prejuízo para a maior companhia do Brasil e para todos. Algo que não acabará em dias, mas se tornará dano permanente.

* Marcio Astrini é secretário-Executivo do Observatório do Clima. Alexandre Gaspari é especialista em energia do Instituto Climainfo