Potássio na Amazônia: pedido de IPO traz detalhes e riscos do projeto

Recursos serão usados para compra de terras, licenças, capital de giro e acordo com indígenas

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A Brazil Potash, que controla a Potássio do Brasil, entrou com pedido de oferta pública inicial (IPO) para listar ações na bolsa de Nova York (Nyse). 

No documento enviado à Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores mobiliários americana), a companhia detalha em que pé está o projeto que pretende explorar potássio no coração da Amazônia e quais são seus principais riscos. 

A companhia, sediada no Canadá, não divulgou quanto planeja captar com a venda das ações. Mas conforme antecipado pelo Reset, o plano é levantar US$ 150 milhões ainda este ano, segundo pessoas com conhecimento da operação. 

O desenvolvimento do projeto está orçado em US$ 2,5 bilhões, mas o prospecto preliminar indica gastos extras ao informar que parte dos recursos captados será usada para financiar a conclusão de “engenharia adicional” e compra de “terras adicionais”. A estimativa de valor total do projeto não inclui taxas de financiamento, capital de giro e possíveis estouros de custos. 

Os recursos do IPO serão usados também para a obtenção de licenças de operação e outras autorizações, reforço de capital de giro e acordo com os indígenas da comunidade Mura.

Prioridade do governo

O projeto prevê extrair 60 milhões de toneladas de potássio, ao longo de 23 anos, em Autazes, município a 113 quilômetros de Manaus. Ele é considerado essencial para a soberania nacional pelo governo, já que o Brasil importa 95% do potássio usado como fertilizante na agricultura. 

A mina da Potássio do Brasil é uma das prioridades no Plano Nacional de Fertilizantes (PNF) e da “carteira de projetos estratégicos” do Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Confert), que agrega sete ministérios. 

O conselho do governo tem atuado diretamente em favor do projeto, conversando com todos os órgãos envolvidos, federais e estaduais, para destravá-lo, segundo reportagem do AgFeed. 

A exploração da mina, como prevista no projeto, chegou a ser barrada durante anos por atuação do Ministério Público do Amazonas, que alega riscos ambientais e proximidade com terras indígenas.  

Situação financeira

Como a mina em Autazes só tem previsão para entrar em operação em 2028, a Potássio do Brasil não terá receitas até lá, assim como sua controladora. No primeiro trimestre de 2024, a empresa teve prejuízo líquido de US$ 1,5 milhão e um capital de giro negativo de US$ 300 mil, incluindo caixa de aproximadamente US$ 1,1 milhão.

“Como resultado de nossas perdas operacionais contínuas, nossa continuidade como uma empresa em atividade depende de nossa capacidade de obter financiamento adequado para pagar nossas obrigações atuais, financiar nossas atividades de desenvolvimento e atingir níveis lucrativos de operação”, diz o prospecto. 

Cantor Fitzgerald, Bradesco BBI, Freedom Capital Markets, Roth Capital Partners e Clarksons Securities atuam na oferta da Brazil Potash.

Se o IPO se concretizar, ele será a segunda oferta de uma empresa estrangeira, mas com operações no Brasil, desde o ano passado, segundo a Dow Jones Newswires. Em fevereiro de 2023, a Seacrest Petroleo, que tem sede em Bermudas, listou suas ações na Bolsa de Oslo (Noruega), em uma oferta que levantou US$ 260 milhões. 

Do custo total de construção de US$ 2,5 bilhões, a Brazil Potash estima que entre 60% e 65% serão financiados por dívida. A empresa informou no prospecto que busca obter os empréstimos no segundo semestre de 2025.

Construção

O prospecto preliminar da oferta traz detalhes sobre a construção do “Projeto Autazes”, como chama a mina na Amazônia. 

O início da obra começou no segundo semestre deste ano, com perfuração de poços e pedidos de itens de longo prazo. A conclusão do trabalho de engenharia básica está prevista para ocorrer no segundo semestre de 2025.  

A empresa menciona ainda uma “engenharia adicional” e um estudo de viabilidade para incorporar a otimização recente na tecnologia de perfuração de poço a ser usada, que está previsto para ocorrer no primeiro semestre de 2025 a um custo estimado de US$ 3,2 milhões. 

Terras para rejeitos

A compra de terras adicionais tem como objetivo principal garantir os locais de depósito de rejeitos, que devem ficar empilhados sobre o solo. No documento arquivado na SEC, a empresa informa que a conclusão das compras de terras está prevista para ocorrer no primeiro semestre de 2025 a um custo estimado de US$ 2,8 milhões.

Sob o atual plano, a Potássio do Brasil precisa da área de 39 propriedades para a instalação da mina e a infraestrutura de produção e transporte. Hoje, tem a posse de 24 propriedades, que incluem direitos de superfície onde vai instalar poços, planta de processamento e porto para escoamento da produção. 

Além disso, entre março e abril deste ano, firmou acordos para arrendar, por um prazo de seis anos, as 15 propriedades restantes, que serão usadas principalmente para colocar as  pilhas de rejeitos da exploração. Os contratos de arrendamento oferecem direito de preferência para compra das propriedades, no caso de uma venda. 

E é justamente nessa área que reside o maior risco ambiental do projeto, segundo geólogos e investidores. Para a produção estimada (60 milhões de toneladas de cloreto de potássio em 23 anos), o volume de rejeitos da mina será da ordem de 100 milhões de toneladas.

Duas opções de descarte seriam dissolver o cloreto de sódio no mar ou dispô-lo em pilhas secas de 30 metros de altura sobre a superfície. 

Em entrevista ao Reset em 2022, o CEO da Brasil Potássio, Adriano Espeschit, explicou que uma terceira via foi escolhida: devolver esse rejeito para as cavidades abertas no subsolo da mina. 

Com isso, segundo ele, além de reduzir a quantidade de rejeito em 90%, as câmaras também são preenchidas, contribuindo para mitigar outro risco, a de colapso e afundamento do terreno em cima da mina. Mas esse retorno do material só poderá ser feito quando houver cavidades já esgotadas, o que está previsto a partir do sexto ano de exploração da mina. Até lá, o rejeito fica na superfície. 

O armazenamento em superfície, ainda que em menor quantidade, preocupa especialistas e comunidades. Especialmente por se tratar de uma região extremamente úmida e de muita chuva.

A companhia não menciona esses aspectos ambientais no prospecto, fala apenas sobre os riscos legais associados a eles. Cita a falta de clareza sobre quais órgãos ou nível de governo têm autoridade sobre o licenciamento de projetos de mineração, o que gera risco de contestações, como as que o MPF-AM vem fazendo

Outro destino dos recursos do IPO será para cobrir gastos como um acordo com os indígenas da comunidade Mura para redução de impactos na região, estimado em US$ 2,5 milhões.