Para xerife do compliance do governo, ser honesto não basta. Tem que ser ESG

CGU quer inserir temas ambientais e sociais em políticas de integridade exigidas das empresas que querem crédito oficial ou contratos com o governo

Para xerife do compliance do governo, ser honesto não basta. Tem que ser ESG
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Criada para coibir a corrupção no governo federal e estimular a adoção de controles internos no setor privado, a Controladoria-Geral da União (CGU) trabalha para ampliar seu alcance, incorporando temas ambientais e sociais a políticas de promoção de integridade nas empresas.

Se forem levadas adiante, as iniciativas do órgão poderão tornar mais rigorosa a análise de pedidos de financiamento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e estabelecer novas exigências para os programas de compliance adotados pelas empresas.

Em agosto, a CGU e o BNDES anunciaram que passarão a exigir das maiores empresas, com faturamento anual superior a R$ 300 milhões, programas que incluam não só vacinas contra a corrupção, mas também medidas para promoção de direitos humanos e práticas sustentáveis.

Os detalhes ainda estão em discussão, mas a ideia é cobrar dos interessados em crédito oficial ou contratos com o governo compromissos mais firmes com objetivos como a erradicação do trabalho análogo à escravidão e a mitigação de danos causados ao ambiente. 

“Não dá para uma empresa ser íntegra em um aspecto e não em outros”, diz Marcelo Pontes Vianna, secretário de Integridade Privada da CGU. “As empresas já têm a incumbência de administrar esses riscos, e nosso papel será reforçar isso induzindo bons comportamentos.”

Passo inicial

Em agosto, a CGU e o BNDES começaram a discutir um questionário detalhado que pretendem submeter aos maiores clientes do banco em 2024 para avaliar a qualidade de seus programas de integridade, incluindo perguntas específicas sobre aspectos sociais e ambientais.

O objetivo é dar um primeiro passo para entender as políticas adotadas pelas empresas e depois rever critérios adotados pelo banco na análise de pedidos de financiamento. A intenção é que eventuais mudanças sejam implementadas gradualmente, em alguns anos.

“Nossa ideia é subir o sarrafo, mas não tão alto que as empresas fiquem impedidas de contratar com o banco”, diz Luiz Augusto Navarro, diretor de Compliance e Riscos do BNDES e ex-chefe da CGU. “Queremos induzir nossos clientes a aprimorar suas políticas nessas áreas.”

O BNDES já exige que as empresas que se apresentam no seu guichê tenham programas de compliance, mas a análise é considerada superficial pela direção do banco. O questionário mais detalhado em discussão com a CGU deve ser enviado às empresas no início de 2024.

Desde 2008, os contratos da instituição incluem uma “cláusula social”, por meio da qual as empresas se comprometem a combater discriminação de raça e gênero, trabalho infantil e trabalho escravo, inclusive em suas relações com fornecedores e prestadores de serviços.

As normas do BNDES preveem sanções em casos de desrespeito da cláusula, mas elas são raras. Alertas do projeto MapBiomas, que monitora queimadas, provocaram a suspensão de operações correspondentes a 1% do total de crédito rural concedido pelo banco neste ano.

Nos últimos cinco anos, 101 operações, no valor total de R$ 37 milhões, foram suspensas depois que clientes ou seus fornecedores foram incluídos na lista do Ministério do Trabalho de empregadores acusados de submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão.

Direitos humanos

Em outubro, a CGU anunciou também um acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania para incluir a proteção aos direitos humanos entre os aspectos observados pela Controladoria ao analisar programas de compliance.

O objetivo é ampliar o questionário submetido às companhias que participam do programa Pró-Ética, que foi lançado pela CGU há dez anos e dá às que são bem avaliadas uma espécie de selo de qualidade para atestar que suas políticas de integridade atendem a certos requisitos.

“Queremos ampliar a compreensão dos direitos humanos nas empresas, para além do trabalho escravo, sem reduzir a importância da diversidade e da inclusão no ambiente empresarial”, diz Luiz Gustavo Lobuono, coordenador da área de Direitos Humanos e Empresas do ministério.

O governo federal avalia a criação de um grupo interministerial para definição de uma política de promoção dos direitos humanos nas empresas. Em agosto, o Ministério dos Direitos Humanos defendeu que elas adotem programas de compliance específicos para alcançar esse objetivo.

Da perspectiva da CGU, a discussão com o ministério é não só um instrumento para aprimorar seu entendimento da questão dos direitos humanos em várias dimensões, mas também um meio de evitar que exigências de outros órgãos se sobreponham às feitas por suas políticas de integridade.

Segundo Vianna, a CGU também deverá buscar parceiros no governo que a ajudem a definir como avaliar a questão ambiental, mas ainda não há nada definido. “Não queremos ser etéreos, mas não queremos errar a mão”, diz.

As companhias que se candidatam ao selo do Pró-Ética respondem a questionários detalhados sobre sua governança e os controles internos adotados para coibir a prática de corrupção. Não há perguntas sobre direitos humanos, sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental.

Desde 2015, a CGU reconheceu as políticas de compliance de 91 empresas como adequadas. Somente duas tiveram o selo renovado em todas as edições do programa desde então. A maioria das que participaram só obteve o reconhecimento uma vez.

Em junho deste ano, pela primeira vez uma empresa reconhecida pela Controladoria foi excluída da lista. A Rivelli, produtora de carne de frango em Minas Gerais, foi acusada pelo Ministério Público de assediar funcionários durante as eleições presidenciais do ano passado.

Critério de desempate

A CGU estuda a possibilidade de definir o selo do Pró-Ética como critério de desempate em licitações que seguirem as normas da nova Lei de Licitações e Contratos, aprovada em 2021. A lei tornou programas de integridade obrigatórios para empresas interessadas em contratos de grande vulto.

O advogado Valdir Simão, que chefiou a CGU durante o governo Dilma Rousseff (PT), diz que a inserção desses temas na agenda das empresas é positiva, mas teme que o processo leve à sobreposição de funções entre os vários órgãos envolvidos e restrinja o acesso a crédito oficial.

“Faz sentido que as empresas incorporem esses temas a suas avaliações de risco, mas nem todas estão preparadas para implementar programas de compliance tão complexos”, afirma. “É preciso tomar cuidado para não restringir o acesso ao mercado com uma agenda irrealista.”

Na sua avaliação, a iniciativa só terá resultado se houver cooperação entre a CGU e outros órgãos governamentais. “A CGU não tem competência para exercer o controle dessa agenda”, diz. “Uma sobreposição do poder coercitivo estatal seria nociva para o ambiente de negócios.”

Imagem: Markus Winkler, via Unsplash