A hora da verdade dos compromissos climáticos

Setores deverão apresentar planos de mitigação até maio de 2023, permitindo que mercado cheque a consistência dos compromissos net zero, escreve Ana Luci Grizzi

Greenwashing
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Mudança do clima, mercado de carbono, energia, florestas, transição para economia de baixo carbono. Esses são os temas mais discutidos quando se trata do E do ESG nos últimos 2 anos no Brasil e no mundo.

Olhando o copo meio cheio, só temos a comemorar. Clima não apenas não existia na agenda da liderança, mas era tema carregado de estereótipos e vieses ideológicos que o relegavam ao ambiente daqueles que “não entendiam de negócios” ou “abraçavam árvores”. 

Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris, COP, IPCC, mercado de carbono, risco climático eram palavras inexistentes no dicionário corporativo.

O resultado dessa rápida mudança e incorporação do tema na agenda da liderança foi materializado com a adoção de compromissos climáticos pelo setor privado, os famosos planos de net zero (emissões líquidas zero de gases de efeito estufa) ou de carbono neutro (focados em CO2).

Compromissos estes, destaque-se, voluntários, pertencentes ao rol das boas práticas.

Se a base das diretrizes ESG é regulatória, clima, ainda hoje no Brasil, é tema que reside no âmbito das chamadas normas programáticas, aquelas que definem políticas e programas, mas que não têm aplicabilidade imediata, demandando regulamentação para produzirem efeitos (mais conhecidas no anglicismo diário da Faria Lima como wishful thinking).

Aqui cabe uma primeira reflexão para desconstruir vieses: nossa Política de Mudança do Clima foi publicada em 2009. Desde então, permaneceu válida e em vigor, mas sem produzir efeitos. 

Moral da história: o clima também nunca foi tema relevante para o setor público, independentemente do partido no poder, e nunca foi balizador de políticas de Estado visando liderarmos a transição para economia de baixo carbono.

Olhando o copo meio vazio, a rapidez e a proliferação de divulgação de compromissos climáticos levantaram questionamentos sobre a integridade e exequibilidade dos planos nos períodos propostos. Usualmente, 2030 se fundamentados nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, ou 2050 se fundamentados nas metas do Acordo de Paris.

Por se tratar de compromissos voluntários cujo objeto era tema novo no mercado, as divulgações foram muito comemoradas e ganharam enorme destaque. Porém, logo depois vieram os questionamentos sobre greenwashing e, mais do que isso, sobre a falta de cronograma faseado que levaria ao cumprimento da meta alardeada e sobre a inexistência da identificação dos líderes responsáveis por assegurar o cumprimento das metas.

Muitos investidores colocaram, acertadamente, o stewardship em prática e, em conjunto com a pressão da mídia, do terceiro setor e da sociedade civil, os planos foram sendo aprimorados e dados complementares passaram a ser divulgados, melhorando substancialmente a integridade desses compromissos climáticos.

Enquanto esse movimento ocorria no setor privado, no setor público a discussão sobre regulação do mercado de carbono ganhava destaque sem precedente, fosse no Legislativo, fosse no Executivo. 

Resultado: enquanto minutas de projetos de lei e substitutivos se sucediam no Legislativo visando imputar obrigações de redução de emissão de gases de efeito estufa a setores econômicos diversos, abrindo as portas para que a demanda e a oferta de créditos de carbono se materializassem e criando efetivamente o mercado de carbono, o Executivo publicou decreto regulamentando artigo específico da Política Nacional de Mudança Climática.

Esse decreto não imputa obrigações específicas a setores econômicos para atender a determinado nível de emissão de gases de estufa (linha de base). Portanto, não cria o instrumento econômico (cap and trade) necessário para lançar o mercado de carbono regulado no Brasil.

Cenário ideal? Era o que precisávamos?

Para alguém quem trabalha há mais de 20 anos com sustentabilidade, conhece os dados científicos que mostram a urgência de reduzirmos emissões para controlar o aumento de temperatura e que vê a enorme vantagem comparativa do nosso país megabiodiverso escorrer por entre os dedos sem a materializarmos em vantagem competitiva, é um micro passo à frente apenas, muito longe do ideal.

Planos climáticos setoriais

Mas é aqui que o assunto se torna interessante. O decreto regulamentou os planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas, que são instrumentos setoriais de planejamento para cumprimento de metas climáticas, dando a setores econômicos específicos a possibilidade de apresentar propostas de redução de emissão de gases de efeito em volume e cronograma factível com as obrigações de neutralidade climática assumidas pelo país (NDC).

Até julho, seis associações – Abiogás, Única, Abeeólica, Abrelpe, Abal e ABIR – haviam assinado protocolo de intenções com o Ministério do Meio Ambiente contemplando o plano de trabalho para definição das metas progressivas e graduais e cronograma do seu plano de mitigação.

Essa possibilidade ofertada ao setor privado para assunção de obrigação ambiental relevante é um déjà vu.

Estamos diante do mesmo cenário vivenciado quando a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi publicada e regulamentada, em 2010, trazendo a grande (e esperada) inovação de logística reversa para setores específicos. Nada mais, nada menos, que a base da economia circular tão discutida atualmente.

Isso demonstra que o Executivo opta pelo diálogo prévio com o setor privado antes de impor obrigações ambientais que gerem impactos relevantes, independentemente do partido no poder. Absolutamente nenhuma novidade aqui.

A novidade está aqui: sob a égide das discussões sobre sustentabilidade/diretrizes ESG, em que avaliamos aprimoramentos do sistema econômico-financeiro vigente para incorporar diretrizes ambientais (incluindo climáticas) e sociais nas perspectivas de risco e oportunidade, impera o cruzamento de dados. Esse cruzamento de dados serve como subsídio primordial para a tomada de decisão de alocação de capital.

Isso significa que empresas que tenham divulgado compromissos climáticos, mas que não sejam parte de plano setorial ou não tenham apresentado seu próprio plano (caso o setor não tenha atingido consenso – situação vivenciada na logística reversa), certamente estarão na mira de questionamentos sobre a integridade de seus compromissos e dados climáticos.

De alegações de greenwashing a efetivas sanções administrativas pelos reguladores competentes e/ou instauração de litígios climáticos nacionais ou internacionais, o escrutínio dos dados ESG é uma realidade.

Em maio de 2023, quando o prazo para apresentação das propostas de planos setoriais se encerra, será a hora da verdade sobre a integridade dos compromissos e dados climáticos divulgados ao mercado. Aguardemos.