
Quando uma série de empresas anunciou nos últimos meses o abandono ou recuo de suas metas climáticas e de diversidade, muitos se perguntaram se seria o fim de uma era: a de um mundo rumo à transição para uma economia de baixo carbono e socialmente mais justa. De lá para cá, o cenário geopolítico só tornou esse quebra-cabeças mais complexo.
Mas dois indicadores desafiam a percepção de que as empresas estão se afastando da meta de zerar suas emissões líquidas de gases de efeito estufa.
Um estudo com líderes empresariais de 50 países identificou que 9 em cada 10 empresas dizem ter mantido ou aumentado os investimentos em soluções e infraestrutura limpas nos últimos 12 meses. O Business Breakthrough Barometer ouviu 300 líderes de empresas que, juntas, têm faturamento de US$ 2 trilhões, sobre o ritmo da transição para o net zero.
Coordenado pelo World Business Council for Sustainable Development (WBCSB), o levantamento mostrou que a maioria dos líderes ouvidos manteve ou aumentou suas metas de emissões de curto (95%) e longo prazo (96%).
Outro número que reforça a manutenção dos compromissos é o fluxo de empresas que se inscreveram para ter suas metas validadas pela Science Based Targets Initiative (SBTi), entidade que dá o selo de maior prestígio para os planos de descarbonização corporativos.
As submissões à SBTi aumentaram 30% no acumulado do ano, após um número recorde no ano passado, disse David Kennedy, diretor executivo do SBTi em entrevista ao Wall Street Journal.
Argumentos comerciais
A polarização política em torno das mudanças climáticas atingiu seu auge com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Negacionista climático, o presidente americano retirou o país do Acordo de Paris e vem revertendo políticas públicas de incentivo à descarbonização da economia.
A pressão se tornou um risco jurídico e de financiamento para as empresas. Com isso, algumas reverteram suas políticas e outras cortaram menções ao clima em suas comunicações públicas. Teve ainda as que se retiraram de acordos setoriais de descarbonização, caso dos bancos americanos com a Net-Zero Banking Alliance (NZBA).
Apesar dos ventos contrários, muitas empresas insistem que o argumento comercial para a busca do net zero continua forte, segundo o diretor da SBTi. “Não se trata de empresas fazendo a coisa certa”, disse Kennedy, que trabalha com clima e sustentabilidade há 20 anos e assumiu o SBTi em março.
“Trata-se de empresas gerenciando seus riscos de transição, o que, em última análise, traz benefícios para o mundo. Mas esses benefícios precisam se alinhar às realidades comerciais. Existe um ponto ideal onde a ciência encontra os negócios, e é uma situação vantajosa para todos.”
O Barômetro mostra a mesma coisa: 56% dos líderes empresariais afirmam que a principal motivação para o investimento em tecnologias limpas é garantir a competitividade a longo prazo – não apenas como resposta a obrigações regulatórias ou para atender aos requisitos de relatórios.
Segundo o estudo, 92% dos pesquisados afirmam que o custo da inação em relação ao clima superará o custo da transição, com 61% prevendo aumento nos custos com os impactos climáticos este ano.
As empresas estão se concentrando em tecnologias e mercados que oferecem sustentabilidade e retorno comercial: 94% afirmam que políticas públicas de apoio à transição são fatores críticos na tomada de decisões de investimento. Países da Ásia e Europa foram classificados como “particularmente” interessantes.
O Brasil foi citado como um ponto de destaque na América do Sul. “Com leilões de energia renovável e um marco regulatório e incentivos para o hidrogênio de baixo carbono, o país está aproveitando suas vantagens em recursos naturais e o impulso político para se tornar um polo de hidrogênio e materiais de baixo carbono, com indústrias como siderurgia, cimento e química adotando cada vez mais a biomassa e a eletrificação”, diz o relatório.
Em contraste, outras regiões são apontadas como menos atraentes para investimentos relacionados à transição, à medida que as condições favoráveis se deterioram ou estagnam, caso dos Estados Unidos.
Ritmos diferentes
Há setores, porém, que é mais difícil reduzir as emissões – são conhecidos como “hard-to-abate”. É o caso do siderúrgico, em que problemas relacionados à tecnologia e ao fornecimento de matéria-prima e energia dificultam a transição para uma produção verde.
Nesses casos, a transição pode levar mais tempo. “Claramente nem todos os setores devem se mover no mesmo ritmo”, diz Kennedy, do SBTi.
Segundo ele, o melhor caminho é adotar uma abordagem pragmática – e não de confronto – com as empresas que continuam trabalhando para reduzir as emissões, mesmo que não atinjam as metas.
“Acredito que as empresas que se superarem devem receber o crédito por isso. Para aquelas que fizeram esforços sérios, mas falharam um pouco, não estamos no shaming business.”