Como a JGP está medindo o carbono do seu portfólio

Fundo de crédito ESG é 'laboratório' da gestora, que tem compromisso de cortar pela metade as emissões de suas carteiras até 2030

José Pugas, head de ESG da JGP, que tem compromisso de cortar emissões de carbono dos fundos pela metade até 2030
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Com o compromisso de cortar pela metade as emissões de carbono do seu portfólio de investimentos até 2030 e atingir a neutralidade até 2040, a gestora carioca JGP tem usado seu fundo JGP Crédito ESG como um grande laboratório.

Não só para testar a eficiência da seleção de ativos menos intensivos em carbono, mas para ir além e originar títulos de dívida de empresas de baixo carbono e fazer o engajamento com investidas para avançar na descarbonização de suas cadeias.

“Esse fundo é representativo da estratégia de eficiência alocativa em termos de emissões de gases de efeito estufa que orienta todos os demais”, diz José Pugas, sócio e head de ESG da gestora.

O fundo foi criado em novembro de 2020 e hoje tem  R$ 70 milhões de patrimônio – ainda uma pequena fração dos R$ 6 bi que a JGP tem em seu portfólio de produtos de crédito.

Na segunda carta anual do fundo, enviada hoje aos cotistas, a casa diz que o JGP Crédito ESG é a manifestação mais significativa do princípio de gestão de sustentabilidade aplicada a finanças adotado pela casa: “investimentos sólidos em seus retornos e otimizados em seus impactos positivos socioambientais”.

O retorno é claro. Atualmente com 41 ativos em carteira, de 27 emissores diferentes, a carteira acumula rentabilidade desde o lançamento de 25,55%, bastante acima do CDI do período, que foi de 15,19%.

A carta traz também avanços na medição, reporte e desempenho climático do fundo, com um levantamento das emissões de gases financiadas pela carteira – ou seja, o nível de participação da JGP nas emissões das empresas investidas, considerando o tamanho da sua posição.

A medição foi feita em dois momentos, em 31 de dezembro de 2021 e em 20 de outubro de 2022.

No primeiro recorte temporal, a carteira era de R$ 49,9 milhões e financiava 1.750 toneladas de carbono equivalente (medida que inclui todos os gases de efeito estufa convertidos para CO2). Ou seja, para cada R$ 28,5 mil investidos, a carteira gerou uma tonelada de CO2 equivalente.

Na fotografia mais recente, a carteira tinha R$ 78,2 milhões e financiava 1.678 toneladas de CO2e, resultando num valor investido por tonelada de CO2e de R$ 46,6 mil. 

Enquanto no intervalo de tempo a carteira cresceu quase 57%, o volume absoluto de emissões caiu 4% e as emissões financiadas tiveram uma queda bem mais acentuada, de 63,5%.

O fundo carrega desde papéis de grandes empresas, como debêntures da Klabin, de papel e celulose, da AES Tietê, de energia, e da Rumo, de logística, até títulos de negócios menores, como a Solfácil, de financiamento de geração solar distribuída, a bioindústria Tobasa, a rede de açaí Oakberry e a Urbem, fabricante de madeira engenheirada para a construção civil.

O relatório apresenta o inventário de emissões empresa a empresa e as emissões financiadas pela JGP em cada um dos ativos.

A conta

Geralmente, quando bancos e gestoras de fundos se põem a calcular as emissões financiadas de suas carteiras de crédito ou de investimentos, o mais comum é usar os mecanismos do PCAF, o Partnership for Carbon Accounting Financials. Grosso modo, a metodologia estima as emissões de determinada empresa a partir de médias dos setores de atividades.

A criação dessa metodologia, amplamente aceita, foi o caminho encontrado para driblar a escassez de inventários de carbono feitos pelas empresas.

Mas, com uma carteira de ativos que passa por um crivo climático a priori, a JGP tem conseguido usar informações declaradas pelas empresas, que passam por uma validação da equipe de análise ESG da gestora. 

Os dados PCAF só são usados de forma complementar – quando a empresa não possui inventário ou quando as informações são consideradas inconsistentes.

Aplicando essa metodologia, a gestora conclui que a carteira do fundo emite 88% menos CO2 do que a média dos setores correspondentes, de acordo com o PCAF. 

Em outras palavras, pela medida esperada considerando apenas os setores, seria um portfólio mais poluente, mas como os ativos são selecionados já com a lente climática, ele é mais eficiente em carbono. 

Um ponto particularmente complexo para inventários de carbono é o chamado escopo 3, que cobre as emissões indiretas das empresas. Ou seja, aquelas que acontecem em sua cadeia de valor, de fornecedores a clientes e, portanto, não estão sob seu controle direto.

José Pugas explica que, para minimizar o risco de imprecisão na mensuração de escopo 3, a gestora substituiu os dados declarados pelas investidas por informações calculadas usando a metodologia do PCAF sempre que notou inconsistências. 

Além disso, negócios em que as emissões da cadeia de valor são particularmente críticas, como o setor de proteína animal, estão fora do universo de investimento do fundo Crédito ESG.

Pequena amostra

Os resultados podem ser bons, mas o fundo é pequeno perto do universo total de R$ 19 bi de ativos sob gestão da asset, que inclui também fundos multimercado, de ações e imobiliários (sem falar em mais R$ 15 bilhões sob o wealth management da casa).

“Sempre começamos a inovar pelos fundos ESG e escalamos para os demais após validação com os stakeholders mais críticos”, diz José Pugas. Segundo ele, no fundo de ações ESG, por exemplo, a gestora também alcançou a mesma eficiência de redução de emissões. Os dados ainda não são públicos.

No ano passado a JGP divulgou o plano de descarbonização de todo o portfólio. Logo de cara, a gestora fez uma ressalva que dá uma ideia do tamanho do desafio, mesmo para uma casa que se tornou referência em ESG no Brasil: os fundos multimercado, que respondem pela maior fatia dos ativos geridos, por ora estão fora dos compromissos de descarbonização por conta da falta de uma metodologia global de consenso para essa classe de ativos.

A casa tem calculado o inventário de carbono de suas carteiras uma vez por ano e o próximo, relativo a 2022, será feito em janeiro.

Desmatamento zero

No Brasil, o desmatamento e as queimadas são a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa e a JGP colocou o tema no centro da estratégia de descarbonização.

É a única gestora de fundos brasileira entre 32 instituições globais a aderir ao pacto Finance Sector Deforestation Action (FSDA). “Com isso, 2025 é o deadline para não mais investir em commodities oriundas de desmatamento, então o escopo 3 se torna crítico devido ao FSDA”, diz Pugas.

O veto ao financiamento de atividades que promovem o desmatamento dos biomas brasileiros já é adotado no Crédito ESG e também no primeiro Fiagro lançado pela gestora um ano atrás, o JPX11.

Na carta, a gestora informa que, além de fazer uma auditoria prévia aos investimentos, ao longo de 2022 passou a fazer um acompanhamento anual dos riscos de desmatamento dos ativos em carteira, inclusive atrelando-os às garantias das operações de crédito.

Originação e ancoragem

Diante da escassez de ativos compatíveis com a política net zero, a JGP cada vez mais tem trabalhado com empresas que desempenham atividades que evitam emissões para ajudá-las a estruturar papéis de dívida que financiem o crescimento dos seus negócios.

A gestora também tem sido chamada por outros agentes de mercado para ancorar emissões como a da Oakberry e a da Solubio, de insumos agrícolas biológicos – a primeira foi estruturada pelo Bradesco e a segunda, pelo Santander. Os papéis integram tanto a carteira do fundo de crédito quanto a do Fiagro.

“Criar ativos que sejam ao mesmo tempo de excelência de risco, de retorno financeiro e de impacto é difícil, mas provamos que não é impossível”, diz Pugas.

Na carta, a gestora apresenta uma visão de futuro otimista, com um “aumento exponencial da oferta de ativos investíveis de qualidade”. E aponta algumas tendências.

O aumento de ofertas de dívidas baseadas em mecanismos de financiamento misto, o chamado blended finance, é uma delas. Outras são o financiamento da transição da produção de commodities para o baixo carbono e a descarbonização de cadeias produtivas. Além disso, setores chamados ‘hard to abate’, ou de difícil descarbonização, como o siderúrgico e o de aviação, devem acelerar seus processos de transição.