Enquanto líderes mundiais discursavam na abertura da cúpula do clima, em Glasgow, um telão instalado no stand do governo brasileiro mostrou um vídeo em que o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, prometeu avançar nos esforços do país de reduzir suas emissões e antecipar a neutralidade de carbono.
Se o objetivo do anúncio era limpar a imagem do país logo no começo da COP26, o resultado foi um fracasso monumental. Os novos números apresentados não resolvem a ‘pedalada climática’ de dezembro passado e tampouco foram acompanhados de medidas práticas que lhe dessem o mínimo de credibilidade.
“O que o Brasil fez foi voltar à meta que tinha sido apresentada em 2015”, diz Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa e especialista em política do clima. “Vale lembrar que todos os países foram instados a aumentar sua ambição [para a esta COP]. A nossa ficou quase no zero a zero.”
Por enquanto, só foi protocolado oficialmente o compromisso de antecipar de 2060 para 2050 a neutralidade de emissões do país, como o presidente Jair Bolsonaro havia anunciado na cúpula de líderes organizada por Joe Biden no primeiro semestre.
Quanto às reduções de emissões em 2030, o corte foi revisado para cima: passa de 43% para 50%, tomando como base o ano de 2005. Mas essas porcentagens são enganosas.
A primeira versão da contribuição nacionalmente determinada (NDC, os compromissos que os países assumem perante o resto do mundo) foi expressa em números absolutos e estabelecia um teto de 1,2 gigatoneladas de CO2 emitidas em 2030. O valor considerado para 2005 era de 2,1 gigatoneladas.
Em dezembro do ano passado, veio a malandragem.
O Acordo de Paris estabelece que essas metas devem ser revisadas periodicamente, sempre com mais ambição. Mas o governo brasileiro usou uma nova base de cálculo (os valores iniciais de 2005 foram revisados para 2,8 gigatoneladas) e abandonou as quantidades absolutas, redefinindo a meta em porcentagem.
Como o ponto de partida aumentou, os 43% então prometidos na realidade passaram a representar 1,6 gigatoneladas de emissões em 2030.
Com a mudança anunciada nesta segunda-feira, elas devem permanecer na casa de 1,2 gigatoneladas, considerando que não haja uma nova pedalada no valor base.
Em outras palavras, o país não avançou em nada.
É um problema sério, já que a palavra-chave da COP26 é ambição: o mundo todo está procurando maneiras de estabelecer objetivos mais agressivos de descarbonização.
“Se quisesse apresentar um compromisso compatível com o Acordo de Paris, o corte deveria ser de 80%”, disse um comunicado emitido pelo Observatório do Clima. Isso significaria um plano em linha com um aumento de apenas 1,5°C na temperatura global.
“É uma irresponsabilidade com o planeta e com o futuro dos brasileiros”, afirmou o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
As críticas vão além da contabilidade criativa.
O desmatamento é de longe o principal responsável pelas emissões de CO2 brasileiras e não há nenhuma indicação de que o governo esteja disposto a agir de fato na defesa do meio ambiente.
“Sem explicações de como as metas serão atingidas fica difícil acreditar nos números”, diz Lauro Marins, da consultoria Resultante, especializada em sustentabilidade e mudança climática.
“Papel aceita tudo. O país foi um dos poucos integrantes do G20 que aumentaram as emissões no ano passado, enquanto os outros reduziram. O Brasil precisa apresentar mais explicações. Qual é a credibilidade que temos?”
Se a desconfiança permanece em relação à seriedade das intenções brasileiras, o único líder dos BRIC a comparecer à COP26, o indiano Narendra Modi, surpreendeu o mundo ao se comprometer com a neutralidade de emissões.
Supresa indiana
O prazo é longo. A Índia só deve atingir o net zero em 2070. A China, maior emissora de carbono do planeta, vai chegar à neutralidade em 2060, embora ainda não tenha apresentado um plano detalhado.
O anúncio indiano era aguardado havia anos. O país é o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa e até então não tinha assumido um compromisso do tipo nas negociações do clima.
Modi falou em cinco “elixires” que o país vai adotar. Um deles é gerar metade da energia do país — ainda muito dependente de usinas de carvão — com fontes renováveis.
Outro é reduzir as emissões totais do país até o fim da década como porcentagem do PIB. Ou seja, a economia indiana vai continuar crescendo sem que isso represente um aumento de emissões.
É uma diferença marcante em relação à situação brasileira, diz Unterstell: “Emissões do desmatamento não contribuem para o crescimento do PIB, pois estão à margem da economia.”
O premiê indiano também cobrou ajuda financeira. “É a expectativa da Índia que os países desenvolvidos coloquem à disposição US$ 1 trilhão em financiamentos para projetos climáticos assim que possível”, afirmou Modi.