Aliança financeira pelo net zero tem baixa trilionária

Uma das maiores gestoras dos Estados Unidos, Vanguard deixa iniciativa em meio à pressão política e temor de processos

A gestora americana Vanguard, uma das maiores do mundo, abandonou a aliança global de gestores comprometidos com o net zero
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A Vanguard, uma das maiores gestoras de recursos dos Estados Unidos, com mais de US$ 7 trilhões sob gestão, anunciou hoje que está abandonando a maior aliança financeira pelo clima. 

É a maior baixa da iniciativa, que vem enfrentando um forte vento contrário em meio à pressão política, especialmente por parte do partido republicano, e temores de processos judiciais relacionados a seus compromissos ambientais. 

Diversos Estados americanos de orientação mais conservadora já tiraram dinheiro de gestoras que têm compromissos contra combustíveis fósseis e que apóiam a agenda conhecida como “woke”, que inclui apoio a pautas mais progressistas.

A Vanguard disse em comunicado que a saída do Net Zero Asset Managers “vai ajudar a prover a clareza que os investidores desejam”. Segundo a firma, iniciativas como essa podem resultar em confusão sobre as visões individuais de cada firma de investimento. 

“Esse foi o caso nesse episódio, particularmente em relação à aplicabilidade de abordagens net zero para os fundos de índices amplamente diversificados que são os preferidos de muitos investidores”, afirmou a gestora em nota. 

A Vanguard administra uma miríade de fundos que replicam índices de mercado, os chamados ETFs – que carregam uma complexidade adicional em termos de descarbonização, já que não cabe à casa a gestão ativa do portfólio. 

Revés

A Net Zero Asset Managers faz parte da Glasgow Financial Alliance for Net Zero, ou Gfanz, iniciativa que foi lançada com pompa no ano passado durante a COP26 para demonstrar o compromisso do mundo das finanças contra a mudança do clima. 

Trata-se de um guarda-chuva de sete alianças, que reúnem subsetores específicos, como gestores de ativos, seguradoras e bancos. 

Ao todo, o Gfanz tem 550 membros, com cerca de US$ 150 trilhões em ativos no total, que se comprometem com uma agenda rigorosa da descarbonização estabelecida por um comitê técnico da ONU, que se baseia na ciência. 

Embora seja apenas parte da Race to Zero, das Nações Unidas, o braço das finanças é considerado essencial por causa da pressão que pode exercer em todo o setor privado por meio da concessão de crédito, investimentos e outros produtos financeiros. 

Nos últimos meses, contudo, a aliança vem enfrentando uma série de contratempos. Em agosto, uma nova diretiva do Race to Zero determinou a saída completa do setor de carvão. 

O movimento não foi bem recebido pelas empresas participantes. O Financial Times chegou a noticiar que JP Morgan, Bank of America e Morgan Stanley consideravam uma debandada. 

Logo em seguida, veio um esclarecimento do Gfanz que se tratava de uma orientação para “saída gradual do setor de combustíveis fósseis”, o que não impõe um deadline para o fim de concessão de crédito para o setor. 

Questionado sobre o assunto num evento em que foram anunciados os progressos da campanha Race to Zero, em setembro, Mark Carney, ex-presidente dos bancos centrais do Canadá e do Reino Unido e co-presidente da Gfanz, disse que o texto original ia “longe demais”e que as instituições financeiras não podem se comprometer a assinar nada “legalmente vinculante”. 

ESG na justiça

De fato, existe um temor das empresas de ser alvo de processos judiciais por conta de seus compromissos ambientais. 

Eles podem vir de todos os lados: desde ativistas que afirmam que elas não estão cumprindo o que prometeram, até investidores que afirmam que a empresa está indo contra o seu dever fiduciário ao restringir as opções de investimento. 

Reguladores têm ampliado o cerco ao que consideram ser propaganda enganosa sobre os atributos ambientais, sociais e de governança dos produtos de investimento. 

Há duas semanas, o Goldman Sachs foi multado em US$ 4 milhões pela SEC, xerife do mercado de capitais americano. Em maio, o órgão havia multado a gestora BNY Mellon em US$ 1,5 milhão por informações incompletas e enganosas sobre o uso de critérios ESG em seus fundos.

No mesmo mês, a polícia alemã fez uma batida na sede da gestora DWS, do Deutsche Bank, numa investigação de greenwashing por parte da empresa.

Outra potencial fonte de problemas é a questão anticoncorrencial. Bancos signatários do Gfanz afirmam que, na hipótese de se negarem a oferecer recursos para uma usina de carvão, por exemplo, poderiam ser alvo de ações antitruste.

Se por um lado há uma corrida para colocar compromissos climáticos nos materiais de marketing, um estudo divulgado em outubro mostra que diversos executivos preferem ficar em silêncio sobre as metas de descarbonização das companhias, para não correrem o risco de serem acusados de greenwashing.