ENTREVISTA: Petrobras quer recuperar ‘tempo perdido’ em renováveis

Próximo plano estratégico da estatal trará investimentos para diversificar portfólio, diz diretor de transição energética Mauricio Tolmasquim

Diretor de transição energética na Petrobras, Mauricio Tolmasquim é um homem branco de meia idade e usa terno e gravata. A foto está em preto e branco e o fundo é vermelho
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“Para uma empresa de petróleo, fazer a transição energética significa se transformar.” Ainda que óbvia, a frase dita pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, resume o desafio da petroleira para cumprir o dever – também nas palavras de Prates – de se tornar uma das maiores empresas globais integradas de energia. 

O responsável por coordenar esse movimento é o economista Mauricio Tolmasquim, primeiro diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da companhia. O cargo foi criado em abril. Outras petroleiras, especialmente na Europa, já se preparam para o mundo pós-petróleo há mais de uma década.

“No que diz respeito à descarbonização dos nossos produtos, a Petrobras está atrás de empresas que saíram antes. Por isso, estamos no esforço de colocar no nosso portfólio produtos renováveis”, diz Tolmasquim ao Reset. “Esse é o grande desafio em que estamos recuperando o tempo perdido.”

Tolmasquim tem experiência. Em 2003, foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, quando Dilma Rousseff comandava a pasta, e depois passou 12 anos como presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão do MME que ajuda no planejamento do setor.

Ele diz ter encontrado a Petrobras boa situação no que diz respeito à descarbonização de suas próprias atividades – mas não em seu portfólio. 

A empresa entrou com dez pedidos de licenças no Ibama para explorar eólicas offshore na costa brasileira, mas esses projetos levarão anos para sair do papel. A ideia é começar a investida no negócio de renováveis já no ano que vem, por meio de parcerias e aquisições.

Por uma questão de agilidade, a estatal deve buscar primeiro tecnologias maduras, como plantas eólicas onshore e fazendas solares que já tenham licenças e um projeto inicial, afirma o executivo. 

A Petrobras também considera comprar fatias minoritárias em projetos avançados de eólicas offshore no exterior, para ganhar experiência enquanto aguarda um marco regulatório para essa atividade no Brasil. 

O próximo plano estratégico 

Por ora, a maior parte das ideias são apenas isso: ideias.

A Petrobras encontra-se num “limbo”. Enquanto anuncia e divulga intenções e objetivos, os planos concretos correm por diferentes setores da companhia até que, em novembro, o plano estratégico (PE) seja submetido ao conselho de administração.

O documento, revisto anualmente, orienta os passos da empresa – e, crucialmente, estabelece a distribuição de recursos – para os quatro anos seguintes. 

Nas versões mais recentes, o foco era o aumento da produção de petróleo. A questão climática era abordada basicamente pelo ângulo da redução da intensidade de carbono de cada barril. Esse é um indicador relevante, no qual a Petrobras é uma das líderes globais.

Este ano, diz Tolmasquim, o plano deve incluir geração de energia por fontes renováveis. A granularidade das informações ainda não está clara. 

Uma coisa já é certa: a estatal vai aumentar a proporção dos investimentos que será destinada a projetos de baixo carbono. O compromisso era dedicar 6% do capital (US$ 4,4 bilhões) até 2027 para o segmento. Agora, serão alocados entre 6% e 15% no período de 2024 a 2028. 

Esse valor inclui também a redução da pegada de carbono da operação de petróleo. No plano atual, os recursos para exploração são de US$ 6 bi – a maior parte mirando a Margem Equatorial brasileira, área sensível ecologicamente. A Petrobras já teve seu pedido de licença exploratória recusado pelo Ibama, mas recorreu da decisão. 

Um passo para frente, dois para trás?

Tolmasquim repete um discurso uniforme no setor de energia do governo: não existe conflito entre a exploração de petróleo e gás e a transição energética. 

Mas a Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que o crescimento na demanda pelos fósseis deve acabar ainda nesta década. Para que o aquecimento global fique limitado a 1,5ºC, seria necessário reduzir o consumo de fósseis em 25% até 2030, segundo as estimativas da agência.

“Vai haver uma queda na demanda, sim. Mas, mesmo no cenário em que nós atingimos a meta [do Acordo] de Paris, haverá demanda de petróleo em 2050”, diz o executivo. 

Na sua visão, a Petrobras continuaria sendo relevante porque tem um petróleo de melhor qualidade, com preço competitivo e com menos emissões ao longo da cadeia de produção. 

O menor volume de emissões de gases de efeito estufa se refere às operações (escopos 1 e 2, diretas e de energia) da companhia, além do trabalho de captura e armazenamento de gás carbônico. 

“Nossa prioridade é total [voltada a] diminuir as emissões do escopo 3 (indiretas), dada que essa é uma exigência atual. Tanto por uma necessidade de diversificar a nossa produção, em uma eventual queda de preço do petróleo por conta da demanda, quanto pela demanda de financiadores e investidores para que as empresas adotem medidas concretas de redução de emissões.”

A promessa das tecnologias de ponta

Com 23 GW de capacidade combinada nas áreas em processo de licenciamento ambiental, a Petrobras passou a ter o maior potencial de geração de energia por ventos na costa brasileira.

Os executivos da Petrobras falam da “sinergia” das atividades petrolíferas com as eólicas offshore, por conta da expertise da gigante do petróleo em operar em alto-mar. 

Mas o caminho ainda é longo. Além da regulação, será preciso colocar os projetos em pé. Hoje, o alto custo do capital e dos equipamentos, somado aos baixos preços da energia, estão colocando em xeque diversos empreendimentos offshore ao redor do mundo. 

Em paralelo, Tolmasquim aposta no potencial das “moléculas renováveis”, como se refere ao hidrogênio verde e seus derivados, como novos combustíveis sintéticos.

“O hidrogênio verde tem potencial de crescer muito no Brasil e, especialmente, na Petrobras. Existem projeções de institutos e agências internacionais que apontam o Brasil como um dos países mais baratos para produzir hidrogênio verde. Em 2030, ele será mais barato que o hidrogênio cinza, produzido a partir do gás natural.” 

Quanto aos biocombustíveis, o diretor destaca os planos da estatal para construir sua primeira biorrefinaria, na cidade de Cubatão (SP), onde deve ser produzido um diesel menos poluente e, principalmente, combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). 

A expectativa de Tolmasquim é que haja anúncios “em breve”. Para serem contempladas no PE, as propostas da diretoria precisam ter algum nível de maturidade, ressalta o diretor. “A gente não pode colocar só uma intenção”.