Empresa desiste de hidrelétricas em Angra por risco reputacional

Riscos ambientais e sociais dificultaram a obtenção de financiamento de bancos para os projetos 

Empresa desiste de hidrelétricas em Angra por risco reputacional
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Brasília – Danos à reputação causados por riscos ambientais e dificuldades de obter financiamento de bancos levaram uma empresa a cancelar a construção de dois projetos hidrelétricos em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, após mais de dez anos de estudos sobre esses empreendimentos.

No dia 5 de novembro, o Grupo Hy Brazil Energia, empresa brasileira que é dona de 35 hidrelétricas de pequeno porte no país, enviou um comunicado à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para informar que decidiu desistir de levar adiante os estudos de duas usinas previstas para a região, devido ao “risco de depreciação reputacional” que passou a contabilizar por causa dos projetos.

O Reset teve acesso ao documento, no qual a empresa discorre sobre os motivos de abandonar os projetos de “Paca Grande” e de “Mambucaba”, dois “potenciais de altíssima queda [d’água] na Serra do Mar”, próximos ao município de Angra dos Reis.

“Após mais de uma década de tentativas de diálogo e esforços de adequação, concluímos que não é justificável, do ponto de vista social e ambiental, persistir em nosso propósito de implantação desses empreendimentos”, afirma a empresa. 

“Consideramos ainda o risco de depreciar a imagem da EBDE [empresa que pertence ao grupo] e do Grupo Hy Brazil Energia perante as comunidades locais e o público em geral, frente aos movimentos contrários aos projetos na Serra do Mar.”

Os riscos socioambiental e reputacional foram uma pedra no caminho da empresa para conseguir financiamento para os projetos. 

“Deve-se destacar também que, no processo de financiabilidade, invariavelmente o setor de compliance dos bancos, bem como as empresas que nos auditam na temática Princípios do Equador, têm nos solicitado esclarecimentos sobre nossa exposição midiática aos empreendimentos na Serra do Mar”, afirma a empresa.

Os Princípios do Equador são um conjunto de diretrizes para orientar instituições financeiras em análises e no gerenciamento de riscos socioambientais dos projetos que financiam. Criados em 2003, eles buscam garantir que projetos de grande porte, como construção de usinas e estradas, sejam desenvolvidos de forma sustentável, respeitando comunidades locais e o meio ambiente.

O Reset procurou a Hy Brazil Energia, por telefone e e-mail, para se manifestar sobre a desistência dos projetos, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Sensibilidade ambiental e social

Prevista para ser erguida no rio Bracuhy, a hidrelétrica de Paca Grande seria construída em um trecho com mais de 1 mil metros de queda, com potência de 38 megawatts. Já a usina de Mambucaba, no rio de mesmo nome, seria viabilizada por uma queda de 600 metros, para gerar 44,95 megawatts.

Os projetos estavam desenhados para ocupar uma área de alta sensibilidade ambiental e social, envolvendo fatores como proximidade com a terra indígena Guarani Bracuí, com a comunidade quilombola de São Rita do Bracuí e com o Parque Nacional da Serra da Bocaina. 

Além disso, seriam construídos em área de predominância de Mata Atlântica em estágio de regeneração.

Em 2021, a Procuradoria da República no município de Guaratinguetá (SP) oficiou a empresa em relação ao projeto Paca Grande, pelo qual o MPF informava que o “tamanho do empreendimento por certo trará impactos negativos ao meio biótico ou local, afetando os municípios de Bananal (SP) e Angra dos Reis (RJ)”.

O projeto de construir essas duas usinas em Angra dos Reis marca uma busca do Grupo Hy Brazil por usinas maiores. Criada em 2009, a empresa é dona de 35 usinas hidrelétricas de pequeno porte, que somam uma potência instalada de 147 megawatts.  

“Apesar da viabilidade técnica e do potencial de engenharia desses empreendimentos, a complexidade socioambiental e as resistências da comunidade local, incluindo as comunidades indígenas e quilombolas da região, resultaram em desafios insuperáveis para a continuidade do projeto”, afirmou a empresa, em sua decisão. 

Formalmente, com a desistência dos projetos, a Aneel poderá disponibilizar os “aproveitamentos hidrelétricos” para outra empresa que se interesse por levar seus estudos adiante.

Com quase 106 mil hectares, o Parque Nacional da Serra da Bocaina é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade e uma das maiores áreas protegidas de Mata Atlântica, localizado em um trecho da Serra do Mar na divisa entre o Rio de Janeiro e São Paulo.

Com altitudes superiores a 2 mil metros na região serrana, o parque é conhecido pela beleza natural e riqueza de fauna e flora, incluindo espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. 

Críticas aos projetos

Ao discorrer sobre as críticas aos projetos, a Hy Brazil Energia destaca sua preocupação com a difusão de informações pela internet. 

“Dentre as razões, entendemos que nos dias de hoje devemos levar em consideração o risco de depreciação reputacional que correremos à medida que avançamos na tentativa de licenciar esses projetos”, afirma a empresa, no documento. “Uma rápida pesquisa no Google indica os movimentos contrários aos empreendimentos em questão.”

Na internet, há publicações locais contrárias aos empreendimentos, sem grande alcance de mídia. 

Um abaixo-assinado publicado no site Change.org soma cerca de 22 mil pessoas contra a usina Paca Grande que, segundo a petição, faria com que a Cachoeira do Bracuhy desaparecesse. 

“Além do enorme impacto socioambiental para as pessoas das comunidades tradicionais locais, traria grandes prejuízos para os usos múltiplos dos recursos hídricos em questão e para o turismo na região”, afirma o texto.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) afirma, em texto publicado em seu site, que o projeto foi construído sem participação popular e que a organização dialogou com com o poder público para apresentar a resistência da população local. 

Segundo a organização, a barragem da usina Paca Grande ameaça terras quilombolas e indígenas e a Cachoeira do Bracuí, um Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco.