Por que a entrada da Cosan na Vale é uma aposta na descarbonização 

Holding controlada por Rubens Ometto anunciou na sexta que montou uma posição de 6,5% em ações da mineradora

Logotipo da Cosan na tela de smartphone
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Deve levar um tempo para investidores e analistas digerirem o inesperado avanço da Cosan sobre a mineradora Vale, anunciado na tarde da última sexta. O movimento não é óbvio e a estrutura financeira da operação, complexa.

Se na Vale, desde 2020 uma corporation, parece não haver uma transformação imediata, as dúvidas maiores recaem sobre as intenções da Cosan e sobre quão acertada é sua decisão de alocar capital num negócio novo, sem sinergias com suas outras atividades e no qual não terá controle acionário.

“É uma mudança de padrão e está cedo para entender bem tudo isso”, diz um experiente gestor com posição em ambas as empresas.

Na concorrida teleconferência que a companhia controlada por Rubens Ometto realizou já na noite de sexta, em que a maior parte das perguntas buscou destrinchar a estrutura financeira, a motivação estratégica da transação começou a ficar clara: a Cosan acredita que a Vale tem um papel importante a desempenhar na transição energética para o baixo carbono.

Na visão da Cosan, as vantagens que a mineradora apresenta nesse front ainda não estão plenamente desenvolvidas — e muito menos precificadas — e, uma vez destravadas, serão uma alavanca de valor para os acionistas.

“A Vale, na nossa visão, é parte fundamental da transição energética do planeta, seja pela descarbonização da cadeia de construção civil e infraestrutura, com minério de ferro de alta qualidade, ou na transição para matrizes com maior penetração de eletricidade, principalmente nos países desenvolvidos e China, com metais como cobre, níquel etc”, disse o CEO da Cosan, Luiz Henrique Guimarães.

O minério da Vale tem uma maior concentração de ferro, o que o torna elegível a uma gama maior de tecnologias com uso de energias limpas na siderurgia. Por conta disso, a tendência é de aumento da demanda, com descolamento do preço em relação a minérios de menor qualidade.

Ao mesmo tempo, na semana passada a Vale confirmou que estuda vender uma fatia minoritária de seus negócios de ‘base metals’ (cobre e níquel) justamente para aproveitar a demanda por esses componentes das baterias elétricas.

Segundo Guimarães, a ideia é ‘incentivar e discutir’ com os demais acionistas de referência e com seus executivos para empurrar a mineradora cada vez mais nessa direção. “Para que a Vale possa ser de fato a companhia com a menor pegada de carbono do mercado global.”

O executivo já vê a mineradora nesse caminho, mas acredita que a Cosan pode contribuir para acelerar. “A gente pode acrescentar com nosso conhecimento de biomassa, nosso conhecimento de outras alternativas de energéticos, de gás etc, nas discussões que a companhia está trilhando.”

A Cosan é uma holding não operacional que controla diversos negócios. O grupo nasceu no segmento de açúcar e álcool, mas desde 2008 empreendeu uma estratégia de diversificação, com a compra da ALL Logística, da Comgás, da rede de postos Shell e da Esso no Brasil, resultando nas suas atuais controladas Rumo, Compass, Raízen e Moove, respectivamente.

Esse histórico foi lembrando por analistas ao comentar a falta de experiência do grupo em mineração. “Não podemos deixar de lembrar como os investidores (e nós) também ficaram surpresos quando a Cosan anunciou alguns desses acordos no passado, que provaram ser decisões convincentes de alocação de capital”, escreveu o analista Thiago Duarte, do BTG Pactual.

Opcionalidade

O valor da operação e seu tamanho em relação à Cosan chamam a atenção. O objetivo é alcançar uma participação total de 6,5% na Vale, algo como R$ 22 bilhões ou dois terços do valor de mercado da própria holding. 

Na largada, entretanto, a Cosan comprou em ações apenas 1,5% da mineradora – posição de R$ 8 bilhões adquirida ao longo das últimas cinco semanas e financiada junto a Bradesco e Itaú.

Para os demais 5% foram montadas duas estruturas envolvendo derivativos. Uma para 3,4% do capital e outra para 1,6% do capital. Sem entrar no detalhe das estruturas, é importante entender que nos dois casos a Cosan pode exercer a opção de compra das ações da Vale contra os bancos que estruturaram a operação.

Os bancos, por seu lado, não podem obrigar a companhia a ficar com as ações e a qualquer momento a Cosan pode reduzir o tamanho dessas estruturas, se achar que suas premissas para o investimento não estão se confirmando.

Mas, caso vá adiante, a ideia é que o investimento completo leve até cinco anos para se concretizar.

Questionados sobre quais seriam os gatilhos que irão determinar a decisão de exercer essas opções de compra das ações da Vale, os executivos da Cosan descartaram que seja o preço do minério de ferro. 

“Esse é um play de longo prazo. Não é o preço do minério que vai determinar nosso exercício ou não das opções. É muito mais o progresso da agenda que achamos que é importante para a companhia”, disse Guimarães, indicando, então, que tudo vai depender de um bom alinhamento com o conselho e com os executivos da companhia para fazer a agenda andar. 

Segundo o CEO da Cosan Investimentos, Leonardo Pontes, além de assegurar a saúde financeira da Cosan, a estrutura de derivativos montada para executar a transação também tem o objetivo de dar tempo para que a companhia entenda, no longo prazo, se as grandes alavancas de valor – minério de alta qualidade, descarbonização da siderurgia e eletrificação acelerada demandando metais básicos – irão funcionar.

Funding

Os financiamentos concedidos pelos bancos para montar a operação não têm ativos da Cosan como garantia e serão pagos com o fluxo de dividendos da própria mineradora e também de Raízen e Compass. Mas se e quando resolver exercer as opções de compra, a holding precisará de liquidez para comprar as ações efetivamente.

A companhia descartou diluição na holding e também aumento de alavancagem, apontando para uma potencial venda de ativos, o que deixou o mercado curioso a respeito dos alvos de desinvestimento.

Marcelo Martins, chief strategy officer da Cosan, procurou esclarecer o ponto e afastar especulações. 

“Fizemos vários exercícios entre os heads de negócios do grupo a respeito de quais seriam os ativos que consideramos maduros que poderiam ser objeto de desinvestimento nos próximos anos. Nós temos uma lista de ativos, e aí falo de ativos especificamente, e não de participações nas empresas.” Esses ativos, disse Martins, serão conhecidos no devido tempo.

Segundo ele, a venda de participação em alguns dos negócios seria apenas uma opção secundária e não desejável.  “Entretanto, de nenhuma maneira comprometendo a nossa posição de controle nos nossos negócios.”