Eneva dá largada para atrair sócio para energias renováveis

Companhia quer parceiro disposto a assumir metade dos investimentos necessários para expandir plataforma além do gás natural

Eneva dá largada para atrair sócio para energias renováveis
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Com a ambição de colocar de pé uma plataforma de ativos de fontes renováveis, a geradora de energia Eneva está dando a largada no processo para tentar atrair um parceiro disposto a dividir a conta dos investimentos necessários. 

“Estamos com o data room pronto, assinando os acordos de confidencialidade, e o UBS está coordenando”, diz o CEO Lino Cançado. 

A geração da Eneva é baseada principalmente em térmicas a gás, mas também a carvão. A base da plataforma de energias limpas veio com a compra da Focus Energia, anunciada no fim de 2021. 

Além de um dos maiores parques solares do país, o Futura I, que entrou em operação no ano passado, o portfólio de projetos que podem ser desenvolvidos contempla as fazendas de Futura II e III e também o parque eólico de Santo Expedito, no Rio Grande do Norte, num total de 2,8 GW.

Mas, diante de uma conjuntura setorial de preço da energia pressionado pelo excesso de oferta e lidando dentro de casa com um endividamento elevado, a Eneva avaliou que precisaria de reforço para avançar na transição do seu portfólio de geração.

“A forma que encontramos para desenvolver o portfólio de renováveis foi trazer um sócio e parceiro. Se não acontecer, vamos desenvolver nós mesmos, mas num outro ritmo”, diz Cançado.

A diversificação do portfólio atende não só a compromissos de descarbonização, como também se faz necessária num cenário mais adverso para as térmicas a gás.

Quando contratadas, essas usinas têm uma remuneração fixa para estarem disponíveis para entrar em operação em caso de escassez de oferta de energia no sistema, mas a maior parte da remuneração acontece quando elas de fato são acionadas.

E a questão ganha contornos mais estruturais, com alguns analistas colocando na conta o risco de não renovação dos contratos uma vez que eles se encerrem. “Uma combinação de boas condições hídricas e forte entrada de fontes renováveis na matriz, dado o perfil mais ESG do governo, está levando ao nosso cenário de maior incerteza sobre a renovação dos contratos das plantas térmicas”, escreveram analistas do UBS BB em relatório desta semana.

Compromissos

Um ano atrás a Eneva se comprometeu a encerrar a operação de térmicas a carvão até 2040 e buscar a neutralidade das emissões de CO2 até 2050, além de investir R$ 500 milhões no desenvolvimento de projetos de captura de carbono e de hidrogênio verde.

Como parte dos compromissos, a empresa de energia fixou a meta de reduzir a intensidade das suas emissões de CO2 nas usinas movidas a gás natural, de 0,45 toneladas equivalentes de CO2 por megawatt hora, em 2020, para 0,39 em 2030.

Segundo o relatório de sustentabilidade que acaba de ser publicado, em 2022, a companhia alcançou uma redução de 3,5% na geração a gás, em grande parte por causa da entrada em operação da térmica de Parnaíba V. 

“É uma usina de 380 MW gerados que não consomem nenhuma molécula de gás natural e não emite nenhuma molécula de CO2. Ela funciona só com o vapor que é gerado pela exaustão das turbinas da usina de Parnaíba I [fechamento de ciclo]”, diz Cançado.

A companhia investiu R$ 2,1 bi nos projetos de eficiência energética nos últimos anos, o que inclui a entrada em operação de Parnaíba VI (fechamento de ciclo de Parnaíba III), prevista para o início de 2025.

No ano passado, a intensidade das emissões gerais da empresa, que levam em conta todas as fontes de geração, teve uma queda ainda mais acentuada. Mas isso se explica, principalmente, pelo fato de as duas usinas a carvão da companhia terem sido menos acionadas, uma vez que as hidrelétricas do país estavam com seus reservatórios cheios.

Polêmica na Amazônia

Enquanto a Petrobras está envolvida na polêmica do licenciamento ambiental para prospectar petróleo e gás na Foz do Amazonas, a Eneva viu seu processo de licenciamento na região ser judicializado.

Uma das principais novas fronteiras de negócios da companhia, o complexo de gás natural de Azulão, na Bacia do Amazonas, foi alvo de controvérsias em maio. O complexo fica em Silves, na região metropolitana da capital amazonense, Manaus. 

A companhia tem ali campos de extração de gás onshore e planeja também construir duas térmicas na boca do poço para produzir energia elétrica no local, com capacidade total de 950 MW. A tese que embasa sua atuação na região é que o gás é um combustível fóssil de transição energética, uma vez que substitui o óleo diesel queimado nos sistemas isolados do Norte do país.

Em 19 de maio, a Justiça Federal em Manaus cancelou a audiência pública para o licenciamento ambiental dos gasodutos que vão conectar os campos às térmicas do Complexo de Azulão e foi além, suspendendo também as licenças ambientais dos campos, concedidas em 2021. 

A decisão foi em resposta a uma ação civil pública ajuizada pela Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e por representante de uma associação dos indígenas Mura. Os autores questionavam a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) no licenciamento do projeto. As licenças foram emitidas em 2021. Em sua avaliação, o licenciamento caberia ao Ibama.

A Eneva conseguiu reverter as decisões em segunda instância, argumentando que a suspensão das licenças dos campos de Azulão interromperia o funcionamento da térmica em Roraima, cortando o fornecimento de energia do Estado e que o próprio Ibama, consultado, já havia delegado a competência do licenciamento ao órgão estadual.

“Não se trata de um projeto interestadual e, portanto, o órgão estadual tem a competência suficiente para fazer”, diz Cançado. Segundo ele, outro argumento apresentado, de que a companhia não havia apresentado o estudo de impacto ambiental (EIA Rima), não era procedente. “Nós tínhamos feito o estudo de impacto ambiental, ele havia sido entregue ao Ipaam, e estava no site público há mais de 45 dias.”

Em recente reportagem do site Amazônia Real, o cacique Jonas Mura, representante das seis aldeias indígenas da região, afirmou que as comunidades estão localizadas nos limites dos empreendimentos da empresa, já vêm sendo afetadas pelo barulho e por clarões produzidos, que espantam os animais disponíveis para caça, entre outras consequências. Por conta disso, o líder demanda que as comunidades sejam consultadas sobre o interesse no projeto.

Cançado rebate, dizendo que o projeto não incide em terras indígenas. “A população indígena mais próxima está a 30 quilômetros de distância.” Com as liminares cassadas, as audiências públicas para o licenciamento dos gasodutos foram remarcadas.