CEO da Yduqs: ‘Não existe fronteira entre negócio e ESG’

Legitimidade, tração e impacto da pauta dependem do tempo dedicado a ela pela alta gestão, diz Eduardo Parente

Eduardo Parente, CEO da empresa de educação Yduqs
A A
A A

Um dos maiores grupos de educação do país, a Yduqs, antiga Estácio, viveu um inferno astral nos últimos anos. A tentativa frustrada de aquisição da empresa pela Kroton, barrada pelo Cade em 2017, se somou à crise do Fies, que havia financiado boa parte do crescimento da empresa na década de 2010, e aos efeitos da pandemia sobre o setor de educação. 

“Tivemos anos muito, muito duros, o que nos levou a uma reinvenção”, diz o CEO Eduardo Parente.

Originalmente focada no ensino superior para pessoas de menor renda com a marca Estácio, a reinvenção passou pela compra de novas marcas, em áreas de conhecimento distintas e no segmento premium, como a escola de negócios Ibmec, a Damásio, que oferece preparação para concursos, exame da OAB e pós-graduação em direito, e a formação da Idomed, que reúne 17 faculdades de medicina. A aposta no ensino à distância, por meio de plataformas digitais, também foi uma tônica. 

Os resultados estão aparecendo. As ações da empresa saltaram 123% em 2023, a maior valorização do Ibovespa. Mas Parente minimiza o desempenho na bolsa. “Foi muito bom porque no anterior tinha sido muito ruim. Prefiro falar do nosso resultado operacional.”

Nos primeiros nove meses do ano passado, a Yduqs teve uma receita líquida de R$ 3,9 bilhões, com um crescimento de 13% em relação ao mesmo período de 2022. O Ebitda ajustado, de R$ 1,37 bi, registrou alta de 20%, com margem de 35%.

O processo de transformação, diz ele, veio entremeado com o avanço da agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de governança). “Não existe fronteira entre o ‘business’ e ESG”, diz Parente.

E, embora a empresa goste de exaltar seus esforços para ser neutra em carbono, por exemplo, Parente diz estar consciente de que não é esse o aspecto da agenda que realmente importa para uma instituição de ensino. O que move o ponteiro são os esforços para ter um impacto social positivo. 

Especialmente quando boa parte dos alunos vem do ensino público.

Hoje a Yduqs tem 1,35 milhão de alunos, sendo cerca de 800 mil no ensino superior e 600 mil em cursos livres. Dos alunos universitários, 500 mil estão no ensino à distância e 300 mil, no presencial. Na graduação, 56% são negros ou pardos, 80% vêm do ensino médio público e são os primeiros da família a fazer faculdade e 70% já trabalham.

“Na média, nossos alunos passam duas horas e quarenta por dia no transporte público. As pessoas fazem faculdade no ônibus e a tecnologia está diminuindo a lacuna entre o ensino exclusivo e o ensino inclusivo, permitindo que você coloque professores de ponta dentro do celular da pessoa.”

A empresa tem se destacado em avaliações ESG. Em outubro, por exemplo, a MSCI elevou o rating ESG da Yduqs de ‘A’ para ‘AA’. “Só existem nove empresas de educação listadas em bolsa com essa nota no mundo. Somos a única na América Latina e a única no mundo dedicada ao ensino superior”, diz Parente. 

A seguir, a entrevista dele ao Reset:

O que é ESG para você e como ele entra na gestão da Yduqs?

Vejo três tipos de empresas [na agenda ESG]. Um é o popular greenwashing, em que a empresa faz alguma coisa para não apanhar. O segundo tipo de empresa é aquela que gasta muito dinheiro na agenda. O terceiro tipo, onde acredito que estamos, é o que gasta dinheiro, mas também gasta tempo. O tempo do executivo sênior é o ativo mais raro, mais difícil de ser gasto, mas é como você ganha tração, legitimidade e impacto. Enquanto a empresa não entende que ESG não é uma coisa diferente do seu negócio, não chega na plenitude. E a plenitude não é um fim, é um pedaço da jornada. 

E o que é prioritário e ocupa o seu tempo?

Quando você tem uma empresa que tem uma interferência grande com o meio ambiente, você vai dedicar um tempo grande ao “E”, no sentido de que aquilo vai ajudar as suas operações, aquilo vai ajudar você ter uma comunidade olhando para você com respeito e entendendo o que você faz. Nós temos um lado “E” e também temos uma governança forte, porque somos uma ‘full corporation’.

Mas, como empresa de educação, o ‘S’ é o nosso forte; e trata-se do negócio, mas também de ter o coração no lugar certo. Estamos inseridos em muitas comunidades no Brasil, em regiões mais frágeis do ponto de vista econômico e temos que ter um olhar para o entorno.

Pode dar exemplos de coisas em que você se envolve pessoalmente e que têm a ver com negócio e ESG?

Vou te dar exemplos de coisas em que eu me meti e gastei muito tempo com. Eu e a nossa diretora executiva toda.

Uma delas é o EnsineMe, um sistema de ensino a distância [EAD] que criamos em 2019, com a seguinte visão: ‘Ok, o nosso EAD existe, estamos ganhando dinheiro com ele, mas a qualidade precisava melhorar muito.’ 

Dentro disso, tinha a questão da experiência do cliente e também o aspecto pedagógico. O aluno adora vídeos, mas descobrimos que são uma forma ruim de ensinar. As pessoas conseguem aprender coisas simples por vídeo, como fazer um bolo. Mas, para pegar conceitos, é preciso ler. Tínhamos aulas de 1 hora e tanto de vídeo, e hoje é proibido ter vídeos de mais de 15 minutos, que são mesclados com leituras e pesquisas. Depois de ver o vídeo, entram conceitos que precisam ser lidos, provas para ver se os conceitos foram entendidos.

Então, fizemos uma grande reforma na experiência do cliente, na pedagogia e no conteúdo. 

Antes, a gente ia numa secretaria da faculdade e tinha um monte de gente na fila; hoje elas estão vazias e os alunos resolvem tudo digitalmente. É uma questão de respeito. Imagina um aluno que trabalha oito, nove horas por dia, fica duas horas no transporte público, estuda com a gente quatro horas, ele não quer ir na secretaria resolver alguma coisa.

O EAD antigo tinha professores que falavam difícil, com perguntas de sete linhas sem ponto. Tornamos as perguntas diretas, treinamos os professores que entenderam a pegada e trocamos aqueles que insistiam em falar difícil. Isso é ‘business’ ou ESG? É tudo.

Eu gastei 30% do meu tempo com isso durante um ano e meio. Na pandemia, apertamos o cinto do ponto de vista de custo, mas enfiamos o pé no acelerador em investimento. Foi tempo e também dinheiro.

Já mediram o resultado disso?

Somos quem mais cresce em EAD e somos a melhor empresa de EAD no Enade [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes]. Nosso presencial era o quinto das empresas listadas no Enade e virou o segundo. Esse conteúdo do EnsineMe se tornou um apoio também para o professor nas aulas presenciais. No EAD, a gente tem um NPS [Net Promoter Score, métrica de satisfação do cliente] do nível de Harvard. O presencial está um pouquinho atrás, mas ele avançou 40 pontos. Então, a nossa retenção está subindo e, os níveis de empregabilidade do aluno, também. 

Que outro exemplo?

Chamamos um consultor de diversidade e foi interessante porque ele está acostumado a trabalhar com empresas muito menos diversas do que a nossa. Não temos tantos PCDs quanto a gente gostaria [2% dos docentes, 6% na administração, 0% na liderança], não temos tantas pessoas negras na alta administração como a gente gostaria [14%], mas temos, por exemplo, 35% de docentes negros. Na média liderança, 41% são negros e na alta, 32% são mulheres. 

Então, saí de férias e peguei o relatório dele para ler. Como bom ex-consultor – fui muitos anos da McKinsey – resumi o negócio em sete gráficos e falei: temos um grave problema de inclusão.

Nós não tínhamos um problema de diversidade, mas 40% das pessoas LGBTQIA+ já tinham se ofendido com algum tipo de piada. 

Você está dizendo que as pessoas eram diversas, mas o ambiente não era inclusivo?

Exatamente. A cultura da empresa. Nós já tínhamos um ambiente diverso, mas em que as pessoas não podiam ser a melhor versão de si mesmas. 

A partir daí, mudamos algumas coisas. A gente mede a satisfação dos funcionários todo mês. Passamos a perguntar para as pessoas se elas tinham se sentido ou visto alguma situação que as constrangia no último mês. Fazemos isso por amostragem e o número começou a despencar.

Mas depois ele começou a subir e fiquei preocupado. Que horror! Estamos regredindo? Mas não foi isso. Acontece que as pessoas começaram a ter consciência do errado e isso é muito poderoso. Então, o número começou a subir, mas depois voltou a cair e estamos felizes com isso.  [Do total de funcionários, 10% disseram em 2022 que já tinham presenciado alguma situação de constrangimento. Esse número em 2023 foi a 5%].

Foi uma jornada que no começo dependia muito de mim e que foi muito dura. Porque eu não era letrado, não tinha consciência da importância. Tive sessões de treinamento individual com pessoas diversas, sessões duras muitas vezes. O grande pulo do gato foi o dia que eu entendi que eu não precisava saber todas as respostas porque, nesse tema, vou aprender pelo resto da vida.

Estamos formando a nossa terceira turma de trainees negros aqui. Fomos atrás do exemplo maravilhoso que a Magalu deu para o país. Temos que ser eternamente gratos a eles, à coragem que a Luíza Trajano teve de peitar todo mundo, num ambiente que era muito duro. Fizemos um ano depois, o ambiente que vivemos hoje é completamente diferente do pioneirismo dela.

A primeira turma foi uma experiência maravilhosa para mim, porque eu fui interagindo com eles e uma hora eles disseram que a gente precisava melhorar o programa de aceleração de carreiras. Sentamos e trabalhamos juntos na solução.

Colocamos mais de 20 mentores para trabalhar com parte dos trainees e estamos dando tarefas difíceis para eles. De novo, isso é tempo das pessoas da organização, porque é muito mais fácil você dar uma tarefa para uma pessoa que já sabe fazer do que ensinar quem não sabe. 

E, de novo, não tem fronteira aqui entre negócio e ESG. O tempo gasto é fator essencial. De um lado, quanto mais empregos meus alunos diversos tiverem, quanto mais a sociedade falar disso, melhor para o meu negócio. A mesma coisa sobre ter as pessoas vindo trabalhar mais felizes. E, de outro lado, eu estou fazendo o certo.

E quando pensam em futuro, no que estão trabalhando?

Antes as pessoas falavam em arrumar os melhores empregos para os melhores alunos. Mas o que temos que fazer é arrumar os empregos adequados para todos os alunos.

Então, o melhor aluno tem que ter o melhor emprego, o aluno que foi com mais dificuldade também tem que ter um emprego bom, no qual ele vai evoluir. Se você pega uma instituição de ensino exclusiva, o coordenador de curso sabe indicar os melhores alunos para cada vaga, mas como você faz isso com 1,4 milhão de alunos?

Se o EnsineMe foi uma ideia para levar conteúdo exclusivo para um ambiente inclusivo, agora queremos entender cada aluno inclusivo – e isso só se faz com dados e inteligência artificial. 

Estamos há três anos entendendo cada um dos nossos alunos. Já não olho apenas a proficiência acadêmica de um aluno baseado no coeficiente de rendimento dele, aquela nota que o professor dá. Eu sei o que ele respondeu em cada prova. E agora a tecnologia está nos permitindo dar o salto que a gente gostaria. 

Estamos colocando os alunos para fazer redações, que são corrigidas, estamos avaliando capacidades sócio-emocionais. Muita coisa está incipiente aqui, tá? Não está tudo prontão. 

Mas um grande banco nos pediu 200 indicações e estamos rodando o sistema e entrevistando os alunos para conferir o que o sistema está fazendo, porque temos que ensinar o sistema. Uma empresa acabou de nos pedir a indicação de 10 alunos e nosso sonho é que a gente mande 20 alunos e eles contratem 10. 

Entender a vaga é mais fácil do que entender o aluno. No futuro, queremos botar o nosso sistema para ir rodando na [plataforma de RH] Gupy, no LinkedIn etc, entendendo quais vagas existem e indicando os alunos corretos.

Hoje, quando você joga uma vaga no sistema, você bota para todos os alunos, as empresas recebem mil currículos para 10 vagas. Às vezes, com as primeiras 10, 20 entrevistas que o cara faz, ele reforça todos os preconceitos e fala ‘tenho que baixar a barra’. E não tem nada a ver com baixar a barra. Tem a ver com achar a pessoa correta para aquele lugar. O sistema, os computadores, vão ajudar a gente a fazer isso. Atualmente, eu dedico 20% do meu tempo a isso.

Como o ESG entrou no programa de remuneração variável?

Eu e os diretores executivos temos 20% da remuneração variável, em média, definidos por metas ESG. De um total de cinco metas, uma é ESG.

É importante ter foco…

Sim. Mas essa meta ESG é um conjunto de 24 metas ESG da companhia. Mas funciona, tá? O ano de 2023 foi o primeiro e estamos batendo, mas não estamos voando. A gente pode ir até 125% da meta e não estamos indo. Chegamos a 100%, mas não conseguimos passar. Tem algumas que talvez a gente tenha sido mais ambicioso do que era razoável, mas estamos aprendendo. 

Meta frouxa comigo não voa. Além disso, dos nossos 50 maiores investidores, cinco são fundos de ESG only, europeus. Esses caras fazem uma diligência louca na gente. Se eu tiver as metas frouxas, ali não passa.