Como o Estímulo quer multiplicar crédito barato para PMEs

Com estrutura de blended finance, fundo que nasceu na pandemia quer multiplicar recursos de doações em até 11 vezes e chegar a todo o Brasil

Como o Estímulo quer multiplicar crédito barato para PMEs
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Amparado por nomes de peso como Eduardo Mufarej, Armínio Fraga e Luciano Huck, o Estímulo 2020 nasceu no auge da pandemia como um fundo emergencial de crédito para evitar a quebradeira dos micro e pequenos negócios. 

Mas, no Brasil das várias emergências estruturais, seu alcance acabou indo muito além do briefing. 

Com uma estratégia assertiva de concessão, a inadimplência ficou muito abaixo do esperado e permitiu que o dinheiro, captado na forma de doações, fosse reinvestido e chegasse a mais empreendedores. 

Até abril, R$ 60 milhões em doações já tinham virado R$ 125 milhões em crédito, beneficiando mais de 2 mil empresas. 

Agora, o Estímulo está numa nova fase para se tornar perene – e multiplicar ainda mais o capital. 

A iniciativa acaba de fechar a captação de R$ 15 milhões por meio de um fundo de direitos creditórios (FIDCs), que será remunerado a 120% do CDI, com vencimento em três anos. 

“A ideia é maximizar nosso impacto social mantendo as doações como capital perpétuo”, diz o CEO do Estímulo, Fabio Lesbaupin.

É o modelo conhecido como ‘blended finance’: o capital filantrópico absorve os riscos da operação e não tem remuneração, dando conforto para a atração de investimentos que buscam retorno. O Estímulo segue sendo uma instituição sem fins lucrativos.

Esta primeira captação do FIDC deve testar as águas de um modelo de mais escala. 

Na estrutura de blended finance, entraram R$ 40 milhões em doações que já tinham sido captadas no Estimulo ‘tradicional’ como colchão para absorver eventuais perdas e os R$ 15 milhões que buscam retorno do capital e remuneração. 

É uma proporção super conservadora. O plano é que, ao longo do tempo, a equação se inverta, com as doações respondendo por um terço e o capital remunerado pelos dois terços restantes – um modelo que permite multiplicar o capital filantrópico em até 11 vezes num período de cinco anos, segundo o CEO.

“Quando começamos a desenhar o FIDC, o juro básico estava em 3% e a inflação e o desemprego estavam muito mais baixos. Resolvemos fazer uma captação menor para começarmos com mais segurança nesse cenário”, diz Lesbaupin.

Uma nova captação do FIDC será aberta até o fim do ano. E uma nova rodada de captação de doações também acaba de ser lançada.

A meta é captar mais R$ 60 milhões ao todo em ambas as frentes e levar o Estímulo, que hoje atua em cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Santa Catarina) a todo o Brasil.

Crédito mais capacitação 

A deterioração recente da economia brasileira aumentou a necessidade de crédito por parte dos micro e pequenos empresários – um segmento que sempre sofreu para encontrar taxas atrativas nos bancos comerciais. 

Esse cenário já fez sentir algum aumento na inadimplência do fundo, que ainda assim é uma fração do que era inicialmente esperado: está na casa dos 6% a 7% mais recentemente, diz Lesbaupin, contra um patamar de 5% nos últimos dois anos. 

Hoje, o Estímulo oferece empréstimos a taxas fixas de 1,49% ao mês, um terço do que costuma ser cobrado nas instituições financeiras tradicionais, com carência de três meses e vencimento em até dois anos. A agilidade é outro diferencial: apoiadas por uma rede de fintechs, a análise e a concessão do crédito são feitas em questão de dias.

O público-alvo são empresas com faturamento mensal entre R$ 10 mil e R$ 400 mil e pelo menos dois anos de vida. 

“É impacto na veia, por meio da criação de emprego onde se precisa de emprego”, diz Lesbaupin.

Um relatório de impacto mostra que 77% dos desembolsos já concedidos foram feitos em regiões de baixa renda, das classes C, D e E. Mais de 53% das empresas têm participação feminina. 

Parte do calote baixo é explicado pelo desempenho dos negócios que receberam os recursos: entre eles, a receita cresceu 25% no ano passado, contra 8% da média geral das empresas com o mesmo perfil, que perderam para a inflação galopante. 

A capacitação é outra ponta crucial para tornar o dinheiro realmente efetivo e fazer a transformação. 

As iniciativas nesse sentido vão desde mentorias “inspiracionais” com empresários com Abílio Diniz e Wilson Poit, que foram apoiadores de primeira hora do Estímulo, até consultorias mais específicas para assuntos como finanças e marketing digital e rede de networking para associados. 

Do social para o financeiro

Entre os investidores do FIDC estão a Energisa e a Localiza, que já eram doadoras do Estímulo. 

“O bolso só mudou da responsabilidade social para a área financeira, onde, em muitos casos, tem um bolo de recursos maior para se acessar”, diz Lesbaupin. 

Empresários como José Caetano Lacerda, do grupo de segurança GPS, Roberto Lombardi, da Interfloat, Pedro Faria, da Tarpon, e investidores da Aram Capital e da Galapagos Wealth Management também estão na lista.

“O que vemos é muito apetite de investidores conscientes por aplicações deste tipo, que deem algum retorno e estejam gerando impacto, mas as gestoras de capital às vezes encontram dificuldade para colocar esse tipo de produto dentro do seu mandato”, completa.