Na posse de Donald Trump, uma imagem foi emblemática: a dos bilionários fundadores e CEOs de big techs, lado a lado, em lugar de destaque na cerimônia em que o presidente fez seu juramento solene. No estilo “bromance”, a foto retrata os muitos interesses corporativos em jogo. Mas a ausência de alguns rostos famosos também foi reveladora: quem são os bilionários que continuam dispostos a lutar pelo clima?
Os executivos da tecnologia se tornaram grandes financiadores de projetos e iniciativas ambientais. Montaram fundações e fundos para canalizar recursos para a mitigação ou adaptação climática.
Mas a vitória de Trump, que descreve as mudanças do clima como “uma farsa”, causou um racha no que parecia um consenso entre os homens mais ricos do mundo. Jeff Bezos (Amazon) e Elon Musk (SpaceX e Tesla) de um lado, Michael Bloomberg (Bloomberg) de outro, e Bill Gates (Microsoft) no meio de campo. Na última década, Gates, Bezos e Musk se alternaram na primeira posição no ranking de pessoa mais rica do globo.
Na resistência, Bloomberg e Gates têm posturas bastante diferentes, é verdade. O criador do serviço de informações financeiras que leva seu nome está dobrando a aposta anunciando apoios estratégicos para a pauta do clima mundial, em alguns casos imediatamente após os recuos de Trump.
Três dias após Trump ordenar a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, o braço de filantropia de Bloomberg (Bloomberg Philanthropies) anunciou que iria financiar, com outros doadores, a parte do país no orçamento do órgão climático da ONU.
Os EUA são responsáveis pelo financiamento de 20% da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Em 2024, o país pagou 10,5 milhões de euros ao órgão que conduz negociações climáticas entre quase 200 países, além de ajudar a implementar os acordos, como o Acordo de Paris.
“Durante um período de inação [do governo] federal, entre 2017 e 2020, cidades, Estados, empresas e o público enfrentaram o desafio de manter os compromissos da nossa nação — e agora estamos prontos para fazer isso de novo”, disse Bloomberg ao anunciar a doação e reafirmar seus compromissos climáticos.
Análise da Reuters sobre documentos da UNFCCC revelou que o órgão sofre grave déficit de orçamento, o que vem atrapalhando o diálogo mundial sobre o clima, segundo diplomatas.
Bloomberg está acostumado com a arena política: ele foi prefeito de Nova York por 12 anos e concorreu nas primárias de 2020 para ser o candidato presidencial do Partido Democrata.
Bill Gates é mais neutro, ao menos publicamente. Mas a imprensa americana noticiou que ele fez uma doação de US$ 50 milhões para a democrata Kamala Harris na eleição presidencial do ano passado.
Decisões do governo federal podem afetar a Microsoft, mas Gates não tem funções executivas na empresa há mais de 20 anos e desde 2021 não tem assento no conselho. Seus inúmeros investimentos em tecnologias são feitos por fundos, com sua fortuna pessoal.
Pelo menos em teoria, ele não precisa adular o novo ocupante da Casa Branca.
‘Todo mundo quer ser meu amigo’
Mas nem todos os bilionários da tecnologia têm essa mesma “liberdade”.
Entre a confirmação da vitória e a posse de Trump, uma peregrinação de grandes nomes da tecnologia foi vista no clube Mar-a-Lago, na Flórida, para reuniões pessoais com o presidente eleito. Mark Zuckerberg (Meta), Sergey Brin (co-fundador do Google) e Bezos estiveram entre eles.
O fundador da Amazon teve desavenças com Trump em seu primeiro mandato, mas agora se aproximou do republicano e doou US$ 1 milhão para ajudar a pagar os vários eventos que aconteceram em paralelo à posse do presidente americano.
Anos atrás, Bezos chegou a ser apelidado como o primeiro bilionário “woke” do mundo. O termo ainda passava bem longe do Brasil, mas foi usado em meio aos projetos filantrópicos iniciais do fundador da Amazon voltados para a educação e apoio a famílias em situação de rua.
Pouco depois, o magnata se tornou um dos maiores filantropos climáticos ao lançar, em 2020, o Bezos Earth Fund, um fundo com o compromisso de investir US$ 10 bilhões em dez anos em estratégias e projetos com foco em combater as mudanças climáticas e proteger a natureza. Por enquanto, foram desembolsados US$ 2,3 bilhões.
Em um passo na direção oposta ao compromisso do veículo, o bilionário cortou o incentivo à Science Based Target Initiative (SBTi), disseram fontes ao Financial Times nesta quarta-feira (5). A entidade é a grande referência global na avaliação de estratégias corporativas de descarbonização e tem o Bezos Earth Fund como um de seus principais financiadores. A decisão não foi confirmada pelas organizações até o momento.
A SBTi avalia se as empresas têm planos em linha com o compromisso global de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, e está repensando suas diretrizes sobre o uso corporativo de créditos de carbono para compensar as emissões. Com o crescente uso da inteligência artificial e decorrentes emissões de CO2, surgiram então dúvidas sobre a influência de Bezos no SBTi que poderiam proteger a Amazon.
O recuo foi o primeiro de Bezos na administração Trump 2.0. As falas inflamadas do presidente americano sobre a “farsa” das mudanças climáticas devem contribuir para a retração de ações sociais e ambientais de empresários poderosos comprometidos com a política da boa vizinhança em troca de favores.
“Todo mundo quer ser meu amigo”, publicou Trump na véspera de sua posse. No caso de Bezos, a aproximação não é à toa.
A Amazon lida com um processo antitruste, iniciado pela Comissão Federal de Comércio americana, cujo julgamento está agendado para outubro de 2026. Já a Blue Origin, empresa aeroespacial de Bezos, depende de incentivos governamentais para o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias. Os jantares em Mar-a-Lago podem ajudar a traçar os próximos passos nessas frentes.
Até agora, Bezos foi o empresário que mais acenou a Trump – depois de Elon Musk, claro. O homem mais rico do mundo e fundador da Tesla e da SpaceX colocou seu nome, dinheiro (doou US$ 259 milhões para a campanha) e plataforma (a rede social X, antigo Twitter) a serviço de Trump.
Em troca, ganhou uma cadeira no centro da administração, no recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) e pode obter capitalizar esses laços governamentais para negócios para suas empresas de satélites e carros elétricos.
Na resistência
Com 82 anos, Bloomberg conhece bem tanto o mundo da política como o corporativo – e as intersecções entre os dois. Mas é com seu terceiro chapéu, o de filantropo, que ele se tornou agora uma voz dissonante no mundo das big techs.
O empresário já havia financiado o órgão climático da ONU no primeiro mandato de Trump, quando o presidente também retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. E tem uma atuação consistente nesta pauta, principalmente no meio financeiro – a Bloomberg L.P. é uma empresa de tecnologia e dados para o mercado financeiro.
O executivo é co-presidente da Gfanz (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), iniciativa global lançada na COP26 para impulsionar o setor financeiro mundial a criar planos de descarbonização das suas carteiras e incentivar o financiamento climático. Ela reúne quase 700 instituições financeiras.
Além de co-liderar, Bloomberg também financia a iniciativa, conhecida como “clube de finanças climáticas”.
A pedido do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, Bloomberg criou a Climate Finance Leadership Initiative (CFLI), outra iniciativa que apoia a mobilização de capital privado para projetos que combatam as mudanças climáticas, principalmente em mercados emergentes.
Ela reúne instituições financeiras e corporações, em parceria com formuladores de políticas e multilaterais, para identificar barreiras ao investimento e acelerar a implementação de capital.
“Mais e mais americanos tiveram suas vidas destruídas por desastres causados pelo clima, como os incêndios que assolam a Califórnia. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos estão experimentando os benefícios econômicos da energia limpa, pois os custos caíram e os empregos aumentaram tanto nos estados vermelhos [de maioria republicana] quanto nos azuis [democrata]”, disse Bloomberg.
Em nota, ele informou que seguirá apoiando a America Is All In, uma coalizão de cidades, estados, empresas e outros líderes climáticos subnacionais dos EUA que trabalham para cumprir o compromisso dos EUA de reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 61% e 66% até 2035, em relação aos níveis de 2005. “O povo americano continua determinado a continuar a luta contra os efeitos devastadores das mudanças climáticas.”
E Gates?
“A guinada à direita do mundo tech me surpreendeu”, disse Bill Gates em uma entrevista coletiva no fim de janeiro. O fundador da Microsoft se diz, politicamente, de centro ou centro-esquerda.
“Defendo um sistema de tributação mais progressivo, que onere mais os ricos. Até uns anos atrás, só Peter Thiel, fundador do PayPal, expressava opiniões mais confusas e diversas. Os outros eram de esquerda e centro-esquerda, como a Califórnia em geral”, disse sobre a virada do setor rumo a Trump.
Como todo centrão, Gates manteve diálogos com o novo governo e se encontrou com Trump após o Natal, em Mar-a-Lago. “Por causa da fundação, eu mantenho contato com qualquer governo, republicano ou democrata.”
Gates adotou uma narrativa sobre o clima que seja livre de polarização política. “Tentar tornar essas questões [políticas climáticas] o mais bipartidárias possível é superimportante”, disse em entrevista pouco antes das eleições nos EUA.
Além de sua fundação filantrópica, Gates tem negócios e investimentos voltados ao clima.
Um deles é a Breakthrough Energy Ventures, que investe e financia startups voltadas para o clima e a transição energética – que ironicamente tem Jeff Bezos e Mark Zuckerberg entre seus investidores. Em meados de 2024, a firma levantou US$ 839 milhões em seu terceiro fundo, a maior captação do ano para um veículo de venture capital dedicado ao clima.
Engajado no tema, em 2023 ele escreveu um livro: Como evitar um desastre climático: As soluções que temos e as inovações necessárias, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.