Atvos quer entrar na onda do biometano

Companhia sucroalcooleira (ex-Odebrecht Agroindustrial) pretende fazer aporte de R$ 350 milhões em usina no Mato Grosso do Sul

Atvos
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A Atvos, antiga Odebrecht Agroindustrial, uma das maiores companhias sucroalcooleiras do país, passou por tempos bicudos na última década.

Com dívidas de R$ 11,9 bilhões, ficou enredada em um processo de recuperação judicial que começou em 2019 e durou quatro anos, e foi alvo de uma disputa de controle acionário entre a Novonor, antiga Odebrecht, e o fundo norte-americano Lone Star.

No ano passado, a companhia passou a dar sinais de que a má fase ficou para trás.

A Atvos concluiu a recuperação judicial, conseguindo alongar parte dos prazos de pagamento de seus débitos, voltou a fazer investimentos, e ainda recebeu um aporte de R$ 500 milhões do fundo árabe Mubadala Capital, que comprou a fatia da Novonor no negócio.

Agora, a empresa quer surfar a onda do biometano, mercado com grande potencial de crescimento no país à frente.

A Atvos pretende colocar de pé, até 2026, uma usina de biometano em sua planta localizada em Nova Alvorada do Sul, no Mato Grosso do Sul, com capacidade instalada de produção de 28 milhões de metros cúbicos de biometano.

O investimento para levantar a unidade industrial deve chegar a pelo menos R$ 350 milhões, podendo ser 25% maior ou 25% menor, e será feito com capital próprio, segundo o CEO da Atvos, Bruno Serapião.

“Hoje a companhia tem uma situação muito saudável de dívida, equity, e pode pensar em recursos próprios para fazer investimento”, afirma Serapião, que assumiu o cargo em maio do ano passado.

O começo das obras da usina, que vai ocupar uma área de 150 mil metros quadrados, ainda depende do licenciamento ambiental do governo do Estado, mas a empresa espera que o início dos trabalhos se dê ainda neste ano.

“Esse é o primeiro investimento que a gente faz fora do que a gente chama de Atvos 1.0, que é plantar cana, moer cana, fazer etanol e vender etanol”, afirma Serapião.

A Atvos quer aproveitar resíduos da produção da cana-de-açúcar como a vinhaça e a torta de filtro para produzir biometano e abastecer sua frota de implementos agrícolas com biocombustível feito em casa. 

A companhia aproveita um momento favorável para a indústria de biogás. O total de usinas de biometano no país pode chegar a 90 nos próximos cinco anos, segundo um levantamento da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás). E a produção nacional de biometano pode passar de 1 milhão de m³ por dia para 7 milhões de m³ em 2029.

De onde vem

A reutilização do que sobra da fabricação da cana-de-açúcar já é um processo conhecido pela Atvos e pela indústria da cana como um todo.

A origem de tudo está em dois resíduos: a vinhaça e a torta de filtro.

A vinhaça é um líquido malcheiroso que sobra do processo de destilação da cana e, no passado, era descartada pela indústria da cana de uma forma geral diretamente nos rios, mesmo sendo altamente poluente.

A cada litro de álcool produzido, são gerados pelo menos 10 a 13 litros de vinhaça, segundo a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa).

Já a torta de filtro vem de outra fonte, sendo produto do processo de filtração do caldo da cana.

Ambos os resíduos podem ser utilizados como fertilizantes nos canaviais, substituindo produtos químicos, por sua riqueza em elementos como potássio e cálcio.

Na safra 2022/23, a vinhaça produzida pela companhia foi aplicada em 91 mil hectares de lavouras, enquanto a torta de filtro foi suficiente para aplicação em 17 mil hectares de canaviais.

Conversão de frota

Mas a Atvos não consegue utilizar todo o resíduo que é produzido durante a transformação da cana em etanol para a produção de fertilizantes.

Com isso, a companhia começou a procurar formas de aproveitar o resíduo excedente.

No biometano, a empresa achou uma forma de utilizar o resíduo, abastecer sua própria frota – trocando o diesel pelo biocombustível – e, quem sabe, no futuro, inseri-lo em seu portfólio.

“A gente falou: ‘Poxa, aqui tem um elemento positivo, porque isso me ajuda a reduzir a pegada de carbono da companhia de maneira muito proativa, e ainda me permite gastar menos dinheiro [com combustível]”, diz o CEO da companhia.

De acordo com a Atvos, a planta tem o potencial de, em sua maturidade, evitar um volume de emissões entre 40 e 50 mil toneladas equivalentes de CO2 por ano, somente com a substituição de diesel por biometano em parte de suas operações.

Outro impacto está no bolso. Por ano, a Atvos gasta entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões com a compra de diesel para abastecer sua frota, que alcança 3 mil implementos agrícolas.

A companhia percebeu que poderia utilizar os resíduos da produção da cana para fabricar biometano e deixar de comprar diesel, o que pode trazer uma economia de pelo menos R$ 400 milhões por ano aos cofres da empresa, segundo Serapião – e, de quebra, mitigar sua pegada de carbono.

No médio prazo, a companhia almeja reduzir em até 40% o uso de diesel em seus veículos. O foco inicial estará na conversão de cerca de 700 caminhões de grande porte.

A redução total de custos, porém, não deve vir imediatamente após o começo da operação da nova usina.

Isso acontece, de acordo com o presidente da companhia, porque haverá a necessidade de conversão de toda a frota da companhia, um investimento que ainda está em análise.

“A gente ainda vai precisar de uns 12 meses para ter números exatos, mas já está começando todo o processo de cotação e troca [de frota]”, afirma.

Além disso, também há o fator demanda. Uma unidade produtora de biometano não será capaz de suprir, sozinha, o combustível de toda a frota.

Por isso, a Atvos projeta erguer pelo menos mais duas usinas à frente, mas o investimento em novas unidades industriais depende dos resultados a serem obtidos com a primeira.

“A gente deve iniciar o projeto das outras duas quando essa primeira estiver operando, por conservadorismo nosso, para ter certeza que essa tecnologia funciona bem”, diz o CEO da Atvos.

A companhia teria potencial para ter plantas de biometano em suas oito usinas, segundo Serapião, porém, ainda aguarda o desenvolvimento do mercado para entender como poderia trabalhar comercialmente com o combustível. Mas a empresa já tem algumas indicações de possíveis mercados.

“Conseguiríamos distribuir esse biometano até para frotas de fornecedores de cana, e frotas de outros parceiros agrícolas que não necessariamente trabalhem com cana, mas que também poderiam adquirir o benefício de tirar o diesel da sua operação e colocar o biometano.”