Momentos de transição, como acredito que estejamos vivendo atualmente, tendem a ter características paradoxais. Hoje escrevo sobre um destes paradoxos: por mais que a pauta ESG tenha ganho muito espaço em manchetes, eventos e discussões do mundo corporativo, não necessariamente as lideranças empresariais estão comprometidas com ela.
A falta de engajamento da alta liderança na pauta, bem como a falta de conhecimento sobre a potencial agregação que a geração de impacto positivo pode ter na estratégia do negócio e nos resultados financeiros, foram os dois desafios mais identificados por quem trabalha nesta agenda com as médias e grandes empresas.
O dado vem da publicação “Caminhos para o Impacto”, realizada pelo Quintessa em parceria com o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), no qual determinamos nove caminhos e mapeamos 44 organizações que apoiam médias e grandes empresas na jornada de geração de impacto positivo.
Esse desafio é muito frequente nas nossas diárias reuniões com executivos da área. “Não consigo engajar minha liderança. Por que isso está acontecendo? É premissa para eu seguir adiante? O que posso fazer para mudar isso?”.
Na gravação para o Ponto de Ebulição, podcast do Quintessa, tive algumas reflexões com especialistas em sustentabilidade empresarial sobre estas indagações:
Por que isso pode estar acontecendo?
Trabalhar com sustentabilidade e a agenda ESG requer um outro tipo de mentalidade e modus operandi. As lideranças atuais, de forma generalizada, foram ensinadas a operar pensando em ganhos de curto prazo, segmentando assuntos e áreas, baseando-se em casos de sucesso já conhecidos e no que importa apenas aos acionistas.
A agenda ESG requer um olhar de longo prazo, sistêmico e transversal, com potenciais soluções ainda incertas e desconhecidas, considerando múltiplos atores que se relacionam com a empresa para tomar decisões. Com isso, requer uma série de habilidades muitas vezes ainda não desenvolvidas, como vulnerabilidade, escuta, empatia, colaboração, abertura ao erro honesto.
Além disso, requer o questionamento de crenças e formas de olhar. Sair do “ou” e enxergar o “e”. Questionar os limites de responsabilidade e ação de cada agente da sociedade. Refletir não apenas sobre o que a lei explicitamente exige das empresas, mas também sobre o que pode ser moralmente demandado delas pelos seus clientes, colaboradores e investidores.
Assim, ao ouvir estas reflexões, penso que as lideranças podem não estar engajadas porque estão ainda na etapa inicial de “letramento” e preparo para lidarem com esta agenda.
Por último, “líderes” são pessoas e cada uma tem suas motivações para entrar ou não na agenda. Alguns podem ser céticos e ainda acreditar que pode ser uma moda. Alguns podem estar com medo de entrar em uma agenda desconhecida. Alguns, que já estão entrando ou fazem parte da agenda, podem fazer isso por motivos diferentes. Seja pelo desejo de fazer melhor, pelo medo de perder ou pela percepção de oportunidade de ganharem ainda mais.
Por que é importante que o cenário mude?
Sem engajamento da liderança, dificilmente a agenda de geração de impacto positivo alcançará o potencial estratégico de negócio que ela tem – saindo apenas de uma agenda segmentada, associada a custo e à imagem de se estar “fazendo o bem”, saindo de projetos pontuais de mitigação de risco e compliance.
Quando a liderança entra em cena, é possível que a agenda chegue ao core, embasando o propósito da empresa. Vimos isso acontecer com a petroquímica Braskem e com a Vedacit, que fabrica impermeabilizantes e materiais de construção.
Foi a partir da revisão do propósito da Braskem que se tornou estratégico para a companhia olhar para a economia circular, para novos insumos sustentáveis que poderiam complementar o uso do plástico.
Foi a partir da revisão da Vedacit que a companhia passou a olhar para além dos produtos e enxergar-se como um meio para viabilizar a habitação de mais pessoas de baixa renda.
É a partir do engajamento da liderança que os colaboradores entendem a importância da agenda, que ela é conectada à avaliação de resultado gerado e pode ser transversal a diversas áreas de negócio.
É com isso que a agenda pode influenciar a cultura da empresa, seus valores e forma de fazer negócio, que é a essência por trás da sustentabilidade – uma forma mais humana, justa, sustentável.
Com isso, outras ferramentas podem ser implementadas, como o estabelecimento de metas individuais para os colaboradores associadas aos objetivos de sustentabilidade, bem como de remuneração variável a partir do seu desempenho em relação a elas.
Por onde começar?
Não há apenas uma forma de se iniciar no avanço da agenda. Porém, podemos mencionar alguns.
Uma forma é a capacitação. Criar novos espaços de aprendizado e inserir conteúdos sobre o assunto em momentos já existentes de treinamentos dos executivos.
Promover trocas de experiências com outras lideranças empresariais, com elas contando suas trajetórias, aprendizados, erros e ganhos. Incluir os executivos e executivas em fóruns e redes, como Capitalismo Consciente, Ethos, Cebds e Pacto Global.
É papel do profissional de sustentabilidade construir pontes, saber dialogar com as diferentes “línguas” do negócio, bem como se posicionar estrategicamente em agendas da empresa já existentes, momentos de desenvolvimento e capacitação, entre outras.
Talvez faça sentido você, profissional que já enxergou o valor da agenda, começar implementando exemplos práticos. Muitos precisam “ver para crer” e tangibilizar o valor agregado pode ser uma ótima forma de engajamento, começando com pequenos e explícitos ganhos.
As pessoas se motivam por gerar resultado, serem reconhecidas, sentirem que estão contribuindo para algo ser melhor. Proporcionar essa experiência para elas pode ser um ótimo convite para a agenda.
Nessa linha, vale conversar com outras áreas e entender onde estão focando estrategicamente – e se aliar a elas. Por exemplo, conversar com o(a) CFO sobre títulos de dívidas atrelados a metas sociais e ambientais, ou com o time de novos produtos sobre públicos que poderiam atender.
Diversas maiorias minorizadas podem ser novos mercados para se entrar, como mostra a debênture emitida pelo Grupo Fleury atrelada à oferta de serviços de saúde para o público de baixa renda.
Vale também o olhar especial para a integração com a agenda de inovação, especialmente a inovação aberta (na linha do conceito da inovabilidade). Trazer para a companhia startups que estão resolvendo desafios sociais e ambientais pode ser um ótimo caminho para tangibilizar e mostrar resultados concretos de curto prazo, implementando pilotos de soluções, por exemplo.
Vale ainda contar com especialistas nos ambientes decisórios. Há uma tendência acontecendo em se estabelecer comitês ESG dentro das instâncias de conselho, nos quais seus membros dão amparo técnico às decisões, bem como apoiam a liderança a lidar com os complexos dilemas da agenda. A Russell Reynolds escreveu boas práticas sobre os conselhos que valem a leitura.
Se prepare
Um aprendizado recorrente que ouvi nestes diálogos com especialistas no podcast foi o valor da resiliência: “demora, muitas vezes a mudança é mais lenta do que gostaríamos, mas ela acontece e vale muito à pena”.
Portanto, vale sempre se cercar de pessoas que estejam vivendo desafios similares, para que possamos apoiar e aprender sobre o que está ou não funcionando.
Para que a agenda avance, sem termos muitas das respostas que gostaríamos, é preciso que todos se proponham a avançar e ajudar a construir as respostas. Sendo genuínos com o que queremos e podemos nos comprometer no momento, estando atentos para aprendermos com nossos erros e continuamente nos inspirando entre pares.