O déficit habitacional é urgente. A Tecverde tem pressa

Com linha de montagem, empresa de construções em madeira está fabricando mais de 500 moradias para os desabrigados pelas chuvas em São Sebastião

O déficit habitacional é urgente. A Tecverde tem pressa
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De uma fábrica em Araucária, na grande Curitiba, vão sair praticamente prontas 518 unidades habitacionais para atender famílias que ficaram desabrigadas pelas fortes chuvas que atingiram São Sebastião, no litoral de São Paulo, em fevereiro deste ano. 

Pioneira em construção modular no Brasil, a Tecverde trabalha com edificações de madeira e num esquema de linha de montagem: as paredes e pavimentos são produzidos na fábrica e já saem de lá com esquadrias, janelas e partes elétrica e hidráulica instaladas, para serem apenas montados no canteiro de obras. 

O plano do governo de São Paulo, que está financiando as obras, é concluía-las em até 150 dias desde o anúncio, feito no fim de março. A agilidade foi fator crucial para que a Tecverde arrematasse o contrato de R$ 72 milhões. 

Serão 480 apartamentos e 38 casas, de 41 a 47 metros quadrados, a serem construídos num terreno a 2 quilômetros da Vila Sahy, um dos locais mais afetados pelo temporal histórico, que fez 64 vítimas. 

“Num empreendimento como esse, a fundação e a terraplanagem levam bastante tempo e, com o nosso modelo, conseguimos ir produzindo as unidades em paralelo, o que reduz em muito o tempo de entrega”, diz Ronaldo Passeri, CEO da Tecverde. 

A montagem é a parte mais simples do processo. Feito num esquema ‘plug-and-play’, as peças são encaixadas e uma equipe de 5 pessoas consegue montar até seis casas por dia e 16 apartamentos por semana, em média.  

O contrato é relevante para a Tecverde, que faturou cerca de R$ 150 milhões em 2022. Mas, mais do que a receita, a empresa enxerga  no empreendimento uma vitrine para sua tecnologia e para as construções em woodframe — uma técnica bastante utilizada no Hemisfério Norte, mas ainda relegada a segundo plano no Brasil, em que predominam o cimento e a alvenaria. 

Nela, as estruturas são feitas de madeira, revestidas por placas cimentícias na parte externa e gesso acartonado na face interna. Membranas que evitam o acúmulo de umidade e mofo completam o “sanduíche” — o que, segundo Passeri, é o que garante a resistência mesmo em áreas litorâneas.  

A madeira utilizada é reflorestamento (em geral pinus), que funciona como um estoque de carbono. Além disso, a técnica gera menos resíduos e, por não utilizar argamassa, poupa o uso de água.

Hospitais na pandemia

Apesar do apelo ambiental, seu principal atrativo tem sido a celeridade na entrega.

Inicialmente mirando principalmente o mercado residencial de Minha Casa, Minha Vida, a Tecverde construiu hospitais em velocidade recorde durante a pandemia. 

Foram seis hospitais públicos entregues num prazo de 30 dias, em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rondônia e Distrito Federal, em parceria com a Brasil ao Cubo, que também trabalha com construção modular. 

A empresa também vai entregar 321 salas de aula para o governo do Paraná ao longo deste ano, como parte do projeto de revitalização das escolas do estado. 

“A proposta sempre foi de inovação, aliando sustentabilidade à industrialização do processo, que hoje nos canteiros em geral ainda é feito em grande medida da mesma forma que era feito há décadas atrás”, aponta Passeri. 

Criada em 2009 por quatro estudantes de engenharia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Tecverde recebeu seu primeiro aporte em 2016. Foram R$ 20 milhões da GEF Capital, gestora de recursos focada na tese climática, que ficou com 40% de participação no negócio. No ano seguinte, a Performa Investimentos comprou 19% de participação.  

Ambos saíram em 2021, quando uma joint venture formada pela fabricante de painéis de madeira Arauco, e a Etex, de materiais de construção, compraram a empresa. A Etex, por sua vez, deixou o negócio em 2022, deixando a Arauco como maior acionista. 

Largando em desvantagem

A habitação popular, com o Minha Casa, Minha Vida, é um dos grandes focos da Tecverde. 

Até hoje, 8 mil unidades foram vendidas dentro do programa e mais de 700 a 800 devem ser entregues neste ano. 

“O Brasil tem um déficit habitacional enorme e é um dos poucos países que têm essa necessidade de padronização [das unidades habitacionais], a custo baixo, e um funding disponível para financiar esse movimento”, aponta Passeri, que veio da Etex e ficou no comando da empresa. 

O problema, aponta o CEO, é que o mercado atualmente é feito mirando as incorporadoras imobiliárias e não necessariamente as construtoras que são contratadas por elas. 

O primeiro empecilho é tributário. A incorporação é um setor que se enquadra no Regime Especial Tributário (RET). “Só aí já perco 10% a 15% de competitividade”, diz o executivo.

A segunda questão é a estrutura de financiamento, que paga o que está sendo construído no canteiro. Como a Tecverde faz tudo na fábrica e entra e sai rapidamente da obra propriamente dita, a empresa acaba ficando com um grande descasamento de caixa na etapa inicial do projeto. 

“A Etex saiu do negócio no Brasil porque percebeu que para ser muito grande aqui precisaria incorporar. Mas elas não têm nem mandato para assumir o risco da incorporação”, aponta. 

Um dos caminhos que a empresa avalia é fazer parcerias com incorporadoras, na forma de Sociedades de Propósito Específico (SPEs), de forma que ela não precise incorrer em riscos como a compra de terrenos. “Mas aqui é preciso encontrar parceiros em quem a gente confie muito.”

A incorporadora Tenda, forte no Minha Casa Minha Vida, lançou em 2021 a Alea, que faz painéis em woodframe para construção modular, num modelo parecido com o da Tecverde, e que atende seus próprios canteiros. 

Mercado corporativo e B2C

Após a experiência bem sucedida dos hospitais da pandemia, muitos erguidos com doações do setor privado, a Tecverde abriu uma nova frente, de construções voltadas para o segmento corporativo. 

A companhia vem trabalhando na construção de hospitais para empresas. “Sempre que tem instalação de fábricas, tem contrapartidas que eles precisam dar para os municípios, e eles sabem que a gente tem velocidade”, afirma Passeri. 

A empresa está construindo uma unidade de 2,5 mil metros quadrados para uma multinacional brasileira. A obra começou em março e a entrega ocorrerá em junho. 

Segundo ele, a margem dos negócios corporativos é maior do que a do negócio residencial — e a atividade no segmento corporativo financia os investimentos no residencial, onde a empresa segue desenvolvendo protótipos. 

“O atendimento à demanda do governo de São Paulo só foi possível porque já tinha o projeto de um prédio de construção rápida”, afirma. 

No ano passado, a companhia lançou também a Casa 1.0, em alusão ao modelo de carro popular, com um valor estimado entre R$ 80 mil a R$ 90 mil por unidade. O formato acelera a linha de fabricação e foi pensado para o segmento econômico de entrada do Minha Casa Minha Vida, que ficou estagnado diante do aumento de custos de material e piora nas condições de crédito. 

Outra linha de negócio mais incipiente vem do segmento direto para o consumidor, mirando o segmento de autoconstrutores. A Tecverde fez uma parceria com a fintech Homeland, de financiamento imobiliário, para fazer uma abordagem com quem quer comprar um terreno e vendê-lo já com uma casa construída. 

“Queremos endereçar o mercado não atendido pelas grandes construtoras e acreditamos que essa tecnologia seja capaz, dado que eu tenho capacidade de atender pequenos canteiros, porque faço tudo dentro de uma indústria.”

Expansão e sustentabilidade

Hoje, a fábrica de Araucária está com apenas um terço de utilização da capacidade – mas a Tecverde já pensa em expansão. 

“Para sair de um terço para dois terços, que é quando eu preciso pensar em outra fábrica, é relativamente rápido”, diz Passeri, afirmando que já tem mapeada uma unidade no interior de São Paulo. 

Apesar das vantagens um tanto quanto óbvias da madeira em contraponto a aço, cimento e alvenaria – grandes emissores de CO2 –, a Tecverde está começando a trilhar agora o caminho da certificação e da mensuração dos seus atributos de sustentabilidade. 

No mercado corporativo, esse é um apelo mais valorizado, diferentemente do residencial de baixa renda, onde a preocupação é com o preço, diz o CEO. 

A empresa vem trabalhando com uma metodologia para tentar gerar créditos de carbono a partir das suas construções. É um caminho árduo, porque fora do país, esse método é amplamente utilizado — e, portanto, não tem adicionalidade, um dos critérios necessários para se qualificar como compensação. 

“Estamos percorrendo todos os caminhos para gerar certificação. Aqui onde só tem alvenaria e concreto é um campo vasto e ainda temos uma desvantagem em termos de preço e desenvolvimento de cadeia”, diz.