Um roteiro para colocar diversidade nos portfólios de venture capital

Cartilha quer ajudar os gestores a incluir fatores como gênero e raça em suas decisões de investimento

Um roteiro para colocar diversidade nos portfólios de venture capital
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Os investimentos dos fundos de venture capital brasileiros cresceram de forma exponencial na última década, mas um número segue inalterado há dez anos: somente 5% dos aportes são destinados a startups fundadas por mulheres.

A falta de diversidade de gênero e raça nos portfólios dos fundos de capital de risco não é um problema exclusivo do Brasil. Uma lei sancionada há três semanas na Califórnia, o centro gravitacional do capital de risco no mundo, obriga os gestores de fundos de VC a divulgar informações sobre a diversidade das empresas em que investem.

Exigências legais desse tipo ainda parecem distantes por aqui, mas uma iniciativa voluntária da BlackWin, plataforma que ajuda mulheres negras a se tornar investidoras-anjo, e da Development Impact Manager and Advisor (Dima) quer dar o caminho das pedras para os fundos olharem o assunto de forma prática.

A entidade lançou um manual batizado de Estratégia de Investimento Inteligente em Diversidade, detalhando estratégias e procedimentos para aumentar a diversidade nos portfólio dos investidores do país.

O guia parte do conceito de “investimento com lente de gênero” e também inclui o componente racial. O objetivo é garantir que as duas perspectivas sejam aplicadas de forma sistemática em todos os aportes.

Mas o guia não trata só do momento da seleção das startups. O trabalho começa na composição das equipes das próprias gestoras, diz Jessica Rios, fundadora e CEO da BlackWin.

Antes da BlackWin, ela foi sócia da gestora de impacto Vox Capital. “Durante muito tempo fui a única mulher negra gestora de um fundo de VC”, afirma Rios. Equipes diversas trazem “uma análise mais abrangente das oportunidades e reduzem o viés inconsciente que pode afetar a seleção de investimentos”.

A variedade de perspectivas também pode significar mais retorno. De acordo com a International Finance Corporation, fundos com equipes de gestão diversas obtêm taxas internas de retorno (TIR) entre 10% e 20% superiores aos que têm equipes homogêneas.

Ferramentas

Rios afirma ouvir queixas sobre a dificuldade de investir em companhias diversas por falta de opções. Um dos itens do manual trata da prospecção e ampliação das fontes que podem alimentar o pipeline de possíveis investidas.

O guia traz uma lista “não-exaustiva” de 13 programas que apoiam pessoas empreendedoras diversas no Brasil, como o Black Founders Fund, programa de investimento filantrópico do Google, e o BNDES Garagem, iniciativa do banco de fomento que incluirá na edição deste ano pontuação extra para negócios voltados ao público feminino.

Também existem ferramentas para tentar eliminar vícios dos processos de seleção. Um trabalho preparado pelo British International Investment e pela International Finance Corporation aponta a importância de olhar para as redes de contatos dos investidores. “Se elas não forem diversificadas, é pouco provável que seus processos de prospecção sejam adequados em termos de diversidade”, diz o manual.

“Focamos bastante nessa parte do guia, porque é importante pensar nas questões de equidade desde a tese, estabelecendo parcerias e soluções end-to-end”, diz Rios.

Uma vez selecionada a companhia, o guia recomenda que seja feito um diagnóstico das questões de equidade, diversidade, inclusão e pertencimento (EDIP) na startup para posterior acompanhamento.

Os autores sabem que existem diferentes níveis de maturidade entre as gestoras para lidar com um tema tão complexo e, na grande maioria dos casos, novo. Não existe uma receita que se aplique a todos os casos, e tampouco trata-se de simplesmente atingir metas numéricas.

“As questões de EDIP vão muito além de métricas quantitativas, elas precisam estar refletidas em políticas e práticas que considerem todos os desafios enfrentados historicamente por grupos minorizados”, diz Andrea Kestenbaum, sócia e diretora-executiva da Positive Ventures, que contribuiu para a elaboração do guia.

O impacto socioambiental é parte central da estratégia da gestora. Das onze empresas que receberam aportes de seu fundo mais recente, seis têm fundadoras que se identificam como mulheres.

Kestenbaum diz que o aprendizado é contínuo e que o tema é transversal na gestora: vai do RH à área de marketing. A Positive também revisou seu código de ética e criou um “conselho de notáveis” em que diferentes grupos estão representados.

O manual traz as ressalvas de que as questões abordadas ainda são incipientes, e não existe modelo universal. A cartilha é um ponto de partida para que as gestoras criem roteiros adequados a suas realidades, “mas agora já sabendo que é totalmente viável estabelecer ações e compromissos para equidade no ecossistema de investimento”.


O manual foi produzido com o apoio do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e da Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE) e pode ser baixado aqui.

Imagem: Clay Banks, via Unsplash