ESG VEM DE BERÇO

Trabalhador invisível no dia-a-dia das grandes cidades vira protagonista de livro 

O porteiro, de Vitor Rocha, joga luz sobre as condições de trabalho da categoria 

Foto: Divulgação
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Já parou para pensar que você vê o porteiro do seu prédio com mais frequência do que a que visita um amigo? Já se deu conta de que ele sabe mais sobre você do que muita gente da sua própria família? Já levou um susto lembrando que se houver alguma emergência com o seu apartamento ou com alguém que esteja lá, será ele, provavelmente, o primeiro a acudir e a tomar providências? 

E você, o que você sabe sobre ele? Nome? De onde veio? Tem família? Onde vive? 

O livro desse mês é um lembrete bem-humorado, e bem sério ao mesmo tempo, sobre o papel essencial desse personagem quase invisível que “mora” na casa de milhões de condôminos de prédios residenciais nas cidades do Brasil. 

O porteiro, de Vitor Rocha, publicado pela editora Gato Leitor em 2024, tem uma única frase, lá no final do livro. Antes disso, apenas o que se chama, no mundo editorial, de paratextos – o título, os nomes do autor e da editora, ficha catalográfica e palavras que pertencem às imagens para ajudar a completar seu sentido.  

Ainda assim, dizendo tão pouco com as letras, ele despeja no leitor um mundo de informações, de histórias e de temas com os quais esbarramos todos os dias. Propõe duas grandes discussões que dão pano para manga. A primeira, bastante ampla e transversal, sobre questões sociais. A capa faz uma introdução e tanto ao tema. Nela, um homem negro, obeso, com olheiras profundas e uniformizado, segura um molho de chaves. Um porteiro, que pode lembrar também um carcereiro. 

A segunda toca na conturbada e conflitante relação do ser humano com o trabalho – em todos os níveis e não apenas em ocupações “invisíveis” ou informais, em geral com baixa remuneração e pouco acesso a direitos, mas também e principalmente essas. O tema esteve nas primeiras páginas dos jornais no final de 2024, quando uma proposta de emenda à constituição que reduz a jornada de trabalho de 44 para 36 horas ganhou popularidade nas redes sociais e chamou a atenção do Congresso. A sociedade se inflamou. Trabalhadores, patrões, associações de classe, consumidores, políticos, todo mundo tinha um contra ou um a favor a escala 6 X 1. Foi um bate-boca sem fim. 

Enquanto isso, lá nas portarias, alguém continuou abrindo e fechando portas e portões, recebendo pizzas, boletos, compras de supermercado, o personal trainer e o técnico da máquina de lavar roupa de cada um dos moradores. Muitas vezes ele está com uma mangueira na mão, aliviando a sede das plantas do jardim, afinal há algum tempo já não chove mais o quanto deveria chover em certas épocas, certo? 

A velha pergunta passa de novo pela cabeça, acenando de longe: quem cuida de quem cuida? Porteiros, vigias, seguranças e profissionais da limpeza compõem a economia do cuidado?  

Na obra, Vitor Rocha consegue, com maestria, chamar a atenção do leitor para as condições de trabalho desse profissional. Ele faz isso não apenas com ilustrações sagazes, mas ao usar o livro como um palco, onde um cenário está montado. Do lado esquerdo, luzes sobre a sala do porteiro, de onde ele entra e sai sem parar. Do lado direito, foco no portão que dá para a rua e por onde circulam os personagens que entram e saem do condomínio. 

O autor mostra também que, como qualquer outro ser humano, ele, o porteiro, pode pifar. E agora? Quem recebe as compras, distribui correspondências e chama o bombeiro? Como será a vida sem portaria? 

Sobre o autor 

Ilustrador e designer, com formação pela Escola Panamericana de Artes e Design. Estudou Letras na Universidade de São Paulo (USP) e foi bolsista do governo federal pelo Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI), graduando-se na Sorbonne Université. Gosta de conhecer novos lugares e desenhar pessoas e bichos.