“O mercado de venture capital é um ciclo de profecias autorrealizáveis. Trabalhamos com inovação, só que quando a gente bate no que o fundador faz, ele faz SaaS [software as a service], acabou de se formar em Stanford, homem, 35 anos, hétero, cis; não estamos mais inovando em nada, né?”
A frase anônima, colhida numa série de entrevistas feita pelo BlackRocks Startups e pela Bain & Company para identificar o panorama de startups do Brasil, resume o viés de seleção e falta de diversidade no ecossistema de startups.
Em um país em que mais da metade da população se considera preta ou parda, somente 5,8% dos fundadores de startups são negros, de acordo com um estudo recente da Associação Brasileira das Startups (Abstartups).
Mais que isso: em 45% das startups do Sudeste, que concentra o maior número dessas empresas, não há nenhuma pessoa negra, nem entre os fundadores, nem na equipe.
Se, por um lado, há um problema estrutural de desigualdade que contribui para esse cenário, por outro, pouco está sendo feito para romper o ciclo.
Nos últimos anos, vêm surgindo no Brasil iniciativas nichadas, voltadas exclusivamente ao fomento de empreendedores negros, como o próprio BlackRocks Startups, hub de inovação que conecta empreendedores negros a capital e oportunidades no ecossistema de startup.
Entretanto, apesar de serem um grande avanço, as iniciativas ainda têm potencial de impacto restrito.
“O capital de fundos dedicados a fundadores negros é uma parcela pequena e finita do investimento total disponível no mercado. Já o alcance de agentes de suporte como o BlackRocks é limitado, uma vez que estes agentes geralmente não possuem fundos para aporte em startups, atrair negócios e supri-los de incentivos financeiros se torna um desafio”, escrevem Maitê Lourenço, fundadora e CEO do BlackRocks, e Luis Frota, sócio da Bain, no relatório.
Para haver mudanças estruturais e duradouras no ecossistema, é preciso que agentes tradicionais também entrem em ação.
BlackRocks e Bain & Company desenvolveram uma série de seis passos para quem quer começar a romper o ciclo vicioso, resumidos abaixo:
1. Monitorar métricas de diversidade racial em startups do pipeline e do portfólio
“Se você não pode medir, não pode gerenciar”. O velho ditado dos livros de administração também se aplica aqui. “Acompanhar e avaliar indicadores de diversidade em startups do pipeline e do portfólio permite ao agente fazer um diagnóstico de seus processos para identificar quais representam barreiras para o empreendedor negro”, aponta o relatório.
Com isso, é possível desenvolver inteligência quanto aos critérios utilizados para selecionar as startups e repensar alguns aspectos do processo. Um exemplo é entender se há de fato correlação entre certos critérios restritivos e que reforçam um padrão, como a graduação em universidades de primeira linha, MBA no exterior, e a performance demonstrada pela startup.
“Dependendo dos resultados da análise, o agente pode, por exemplo, avaliar o potencial de execução do empreendedor por outros critérios que não incluam títulos ou formação acadêmica”.
2. Aumentar a diversidade racial na liderança e equipes dos agentes
A falta de diversidade no ecossistema que apoia essas startups está por trás do viés de seleção. O relatório mostra que 71% dos entrevistados — que incluíram fundos de de venture capital, fundos de investimento de impacto, investidores-anjo, aceleradoras, hubs de inovação, empresas com programa relacionados a startups e outras entidades do setor — não tinham negros em seus time de seleção e investimento
Aqui, mais que o discurso, é preciso metas para o aumento de diversidade racial nos agentes.
“É importante que a população negra esteja inserida em agentes como tomadores de decisão — e não apenas no contexto de comitês de diversidade apartados do dia a dia dos processos. Essas pessoas, além de trazerem o olhar sobre diversidade racial para o agente, vão facilitar a conexão com fundadores negros, tanto no momento de originação de oportunidades quanto de seleção.”
3. Originar oportunidades por canais não tradicionais
A recomendação é furar a bolha do universo de startups lideradas por homens brancos, buscando maneiras de acessar talentos negros que não seriam captados por processos tradicionais de seleção de startups para investir. Uma forma de fazer isso é criar parcerias com players que já executem soluções focadas em apoiar o empreendedor negro.
Expandir a busca por empresas para além do Sul e Sudeste também pode ser uma medida efetiva neste aspecto, já que a representatividade negra em startups é maior em outras regiões do Brasil.
4. Incentivar maior diversidade racial nos times de startups
Os agentes também devem exercer a influência que possuem em startups que já fazem parte de seu portfólio, mostrando que a diversidade é uma característica valorizada. É preciso “discutir a questão de forma frequente e disseminar boas práticas entre essas empresas, ajudando a fazer da diversidade racial um tema prioritário também para as startups”, aponta o documento.
5. Assumir papel ativo na correção da assimetria de informação sobre o ecossistema
Aumentar a difusão do conhecimento sobre como funciona o próprio ecossistema de startups entre empreendedores negros é outra ação vital para acabar com a desigualdade.
O relatório sugere medidas educativas, como criar mentorias dedicadas exclusivamente ao empreendedor negro, como também que agentes forneçam um feedback mais detalhado, no caso de resposta negativa para uma startup de fundadores negros.
6. Ser aliado de agentes que lutam pela diversidade racial no ecossistema
“Assumir a posição de aliado da causa negra, demonstrar intencionalidade e apresentar ações concretas visando a mudança também é uma forma de construir de maneira orgânica um pipeline mais diverso”, afirma o relatório, destacando a importância de dar voz a pessoas negras em pautas não relacionadas à diversidade.