ESG vem de berço: Histórias indígenas — contadas pelos próprios

Os diferentes povos e sua cultura, contos tradicionais, mapas e idiomas estão nos livros infantojuvenis, nas palavras das populações retratadas

ESG vem de berço: Histórias indígenas — contadas pelos próprios
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Doenças, armas, drogas e violência. É com essa bagagem que o homem branco chega às terras indígenas e deixa a sua marca em troca de qualquer coisa que valha ouro.

Não estamos em um livro didático escolar observando os acontecimentos que se deram a partir de 1500. Estamos em 2023. Malária, contrabando de armas, aliciamento de jovens, tráfico de drogas, estupro, poluição de terras e rios, fome, desnutrição e muito sofrimento. Tudo acontecendo agora, em troca de ouro.

A história contemporânea da invasão do território yanomami na Amazônia pelos garimpeiros ainda não está nos livros infantis. Em breve estará, aposto. Assim como a da invasão das terras indígenas em todo o país, facilitada pela falta de fiscalização, pelo afrouxamento da legislação, pela corrupção e por interesses políticos e particulares.

É urgente e necessário que essas narrativas venham se somar a tantos outros relatos literários sobre os povos originários do Brasil para que adultos e crianças conheçam as muitas versões de como duas sociedades se encontraram e conviveram nos últimos séculos. Para que saibam explicar, entender e reconhecer o que é um indígena. Sobretudo, para que estabeleçam relações respeitosas (sim, soa mal falar o óbvio).

Mais importante ainda é que essas histórias sejam contadas e ilustradas de preferência por um indígena, ou que, no mínimo, contem com o apoio de consultoria especializada. 

Nesses casos, garante-se um ponto de vista privilegiado sobre os fatos, ao contrário dos normalmente narrados por quem não vivencia as tradições e simbologias indígenas, com uma noção limitada de seus impactos sobre essa cultura.

A autoria indígena garante autenticidade, reconhecimento e remuneração a uma população que vem sendo apagada do cenário nacional.

A Bibliografia das Publicações Indígenas do Brasil, documento construído coletivamente e disponível na Wikilivros, lista as publicações de escritores indígenas do Brasil e hoje é fonte de consulta para pesquisadores e leitores.

Em fevereiro, contei 59 autores originários de 27 povos diferentes. Pelo menos metade escreve para crianças. Esses números vêm crescendo, graças ao empurrãozinho dado pela lei 11.645, de 2008. Ela determina que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”.

Mesmo assim, a produção literária indígena para a infância começou bem antes. O primeiro livro, Histórias de Índio foi publicado em 1996, pela Companhia das Letrinhas, e reeditado em 2016. As ilustrações são de Laurabeatriz.

Nele, o escritor, professor universitário e candidato a deputado federal no ano passado Daniel Munduruku, pertencente ao povo Munduruku, apresenta a cultura indígena partindo de um conto que narra o processo de sucessão de um pajé, a partir do nascimento de um menino especial. Desde então, ele já publicou 56 livros e foi premiado no Brasil e no exterior.

Outro autor experiente, reconhecido dentro e fora do país, é Kaká Werá Jecupé, de origem tapuia. Além de escritor, ele é ambientalista, empreendedor social da rede Ashoka, fundador do Instituto Arapoty e professor. Em As Fabulosas Fábulas de Iauaretê, de 1999, publicado pela Peirópolis, ele conta as aventuras da onça Iauaretê e de seus filhos, lendas do povo Guarani. As ilustrações são de Sawara, filha do autor. Ela fez os desenhos quando tinha 11 anos.

Entre as mulheres, destaco Graça Graúna e Eliane Potiguara, ambas de origem potiguara. Graça Graúna nasceu no Rio Grande do Norte. Escritora, poeta e crítica literária, é graduada, mestre e doutora em Letras e tem pós-doutorado em Literatura, Educação e Direitos Indígenas. Escreveu, entre outros, Flor da Mata, ilustrado por Carmen Barbi e publicado pela Mazza Edições em 2014, em haicai, um gênero da poesia.

Eliane é do Rio de Janeiro, formada em Letras e Educação e tem sete livros publicados. Um deles já citado nesta coluna, em dezembro. Além de escritora, ela é ativista, empreendedora social e participou da elaboração da Declaração Universal dos Povos Indígenas, coordenada pela ONU, em Genebra.

É seu A Cura da Terra, ilustrado por Soud e publicado pela Editora do Brasil, em 2015. Nele, a garotinha Moína se enrosca na avó, sempre curiosa por histórias sobre a existência. A sábia anciã descreve então como uma maldição se instalou entre seu povo e como a chegada do “estrangeiro” criou uma fratura em todos os aspectos da vida. Ela conta também como se salvaram!

Para tentar aproximar os universos e aumentar a sensação de familiaridade com a cultura indígena, é interessante a leitura de Falando Tupi, de Yaguarê Yamã, ilustrado por Geraldo Valério e publicado pela Pallas Editora, em 2012.

Yamã — autor de 11 livros, com prêmios no Brasil e na Europa — amazonense, escritor, professor de geografia e líder do movimento indígena pela demarcação de terras do povo Maraguá. Ele fala, além do maraguá, o Nhengatu (tupi moderno), o tupi antigo e o português.

Essa obra mostra às crianças, de forma divertida, como nosso idioma foi influenciado pelo tupi, língua dos indígenas de origem tupinambá, tupiniquim, caeté, tamoio e potiguara. Desde a chegada dos colonizadores portugueses e dos jesuítas, que foram incorporando as palavras pouco a pouco, hoje estima-se que sejam mais de 10 mil vocábulos integrados ao português falado no Brasil. Entre eles, tatu, jacaré e urubu.

Ele também escreveu Os Olhos do Jaguar, com a ilustradora Rosinha, publicado pela Jujuba, em 2021. Na obra, com ilustrações de cores e detalhes instigantes, relata uma das histórias da cultura Maraguá, seu povo de origem. O livro recebeu o selo Altamente Recomendável da FNLIJ em 2022.

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