Como esse family office brasileiro criou negócios de moradia popular nos Estados Unidos e na Inglaterra

Com dinheiro de sete famílias, Brainvest investiu US$ 250 milhões em impacto e busca oportunidades no Brasil

Como esse family office brasileiro criou negócios de moradia popular nos Estados Unidos e na Inglaterra
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Muito antes de os investimentos com impacto social e ambiental positivo virarem um assunto quente, um multi-family office brasileiro começou a percorrer essa trilha oito anos atrás.

Hoje, a Brainvest Wealth Management tem US$ 250 milhões aplicados em negócios de impacto, especialmente na área de moradias populares. Há também incursões em educação e agricultura familiar. Mas tudo fora do Brasil.

“Começamos com investimentos na área imobiliária em ‘affordable housing’, para atender pessoas de muito baixa renda ou renda nenhuma, sem-teto mesmo. Hoje temos dois grandes investimentos, um nos Estados Unidos e outro na Inglaterra”, diz Dany Roizman, sócio-fundador da Brainvest.

O ponto de partida foi o mandato de uma família cliente, que está na terceira geração e é tradicionalmente ligada à filantropia no país.

“Eles resolveram que queriam fazer o bem por meio dos investimentos e passei a avaliar a oportunidades de impacto que trouxessem um bom resultado financeiro”, diz Roizman.

Foi então que conheceu o trabalho de um grupo de mórmons no Estado americano de Utah que compravam conjuntos de apartamentos populares e procuravam subverter a lógica de investir o mínimo possível para extrair o máximo dos aluguéis.

“Eles faziam o contrário. Investiam um pouco mais para dar dignidade às famílias nessas moradias. O resultado é que, com o mesmo valor de aluguel, conseguiam baixo turnover e baixa inadimplência. São benefícios que não se enxerga no primeiro mês, mas que são colhidos 5, 7 anos depois.”

Depois de investir em alguns empreendimentos, a Brainvest passou a comprar ela mesma as propriedades voltadas para famílias com renda de até US$ 30 mil por ano e fazer toda a reforma: na área interna, eletrodomésticos com acabamento em inox e bancadas de granito, nas áreas comuns, asfalto e iluminação novos e amenidades como piscina, academia e quadra, que não costumam fazer parte da infraestrutura de conjuntos de moradias populares.

Num primeiro momento, foram investidos US$ 35 milhões de cinco famílias. Numa segunda etapa, outros US$ 100 milhões com o co-investimento de mais dois single-family offices.

Hoje, o negócio se converteu numa empresa e a Varia US Properties tem 11 mil imóveis avaliados em US$ 1 bilhão em 14 Estados americanos.

O tamanho dos apartamentos varia e o aluguel mensal médio é de US$ 800. Os inquilinos costumam ser trabalhadores de grandes empresas em cidades do interior dos Estados Unidos. Muitos são imigrantes.

Para dar liquidez aos investimentos imobiliários, em 2016 a Brainvest abriu o capital da Varia na na Six, a bolsa de valores suíça. Agora, os acionistas fazem planos de transformá-la formalmente na primeira empresa de impacto com ações negociadas no mercado suíço.

Para isso, é preciso medir formalmente o impacto gerado pela empresa. “Estamos identificando empresas para fazer o relatório de medição de impacto”, diz Roizman, que hoje está no conselho de administração da Varia representando as famílias investidoras.

Se o impacto social ainda será validado, o retorno financeiro está claro. De 2013 até agora, a Brainvest obteve um retorno anual de 21% em dólar com o negócio.

Do outro lado do Atlântico

O passo seguinte foi cruzar o Atlântico atrás de oportunidades nessa mesma área na Inglaterra, onde uma legislação recente, de cinco anos atrás, liberou o capital privado para financiar moradias populares.

A Brainvest foi uma das primeiras a investir. “A demanda é absurda e as oportunidades, enormes”, diz Roizman.

A lógica é completamente diferente da do mercado americano, com uma forte presença estatal a modelar os investimentos privados.

Tudo passa pelas chamadas ‘housing associations’, organizações privadas e sem fins lucrativos que fornecem moradias sociais de baixo custo. Elas fazem a gestão das propriedades, a seleção dos moradores e recebem funding do governo para pagar os aluguéis.

O investidor, por sua vez, fecha contratos de 20 a 30 anos com essas associações. “O risco é muito baixo, porque é risco do governo britânico”, diz Roizman. 

Hoje a Brainvest e investidores parceiros criaram a sua própria ‘housing association’ e, por meio de um fundo, têm sete propriedades na Inglaterra.

Uma delas fica em Luton, cidade a nordeste de Londres, onde o investimento foi feito num prédio de 80 quartos para abrigar pessoas sem-teto e ex-condenados em processo de reabilitação.

O YMCA da região toca o projeto de reabilitação, empregando e treinando as pessoas num restaurante aberto ao público que fica no térreo do edifício.

Os modelos de moradias sociais variam bastante. Num outro investimento, a Brainvest comprou apartamentos num edifício de alto padrão de 70 andares em Canary Wharf, centro financeiro de Londres. Por determinação do governo, parte das unidades do empreendimento é voltada a famílias de baixa renda.

No mesmo prédio, os apartamentos não destinados a moradia popular custam três vezes o valor pago pela Brainvest. “Foi a solução que governo encontrou para que as pessoas que trabalham na região central não tenham que gastar horas no transporte público.”  

Até agora, foram investidos 60 milhões de libras e, ao combinar esses diferentes modelos, Roizman diz que a Brainvest consegue ter um retorno de 4% a 6% ao ano em libras com os aluguéis. Com a venda do imóvel ao final, a taxa interna de retorno pode ir a 8% ao ano.

O fundo de impacto passou recentemente a ser gerido pelo Rothschild e a ideia agora é captar mais recursos de investidores institucionais para chegar a 500 milhões de libras. “Criamos o veículo, colocamos o capital semente e agora queremos trazer o dinheiro grande para conseguir escalar.”

A entrada de investidores privados como a Brainvest no segmento de moradias sociais da Inglaterra tem despertado duras críticas. Se, por um lado, o capital é bem-vindo porque os recursos do governo são escassos, por outro há receio de desvirtuação do propósito.

Alguns citam a tendência a atender cada vez mais um público de renda média e há quem acuse grandes investidores de aumentar os aluguéis e despejar moradores.

Impacto para rico?

E por que uma gestora de patrimônio com seis famílias brasileiras e uma mexicana faz investimentos de impacto em economias desenvolvidas quando o Brasil oferece um mar de problemas sociais esperando por solução?

“Estamos tentando desesperadamente encontrar oportunidades. Tudo que chega para gente é principalmente em venture capital e achamos o risco alto.”

O retorno esperado também é visto como um problema. “Nosso mandato é para fazer impacto sem abrir mão de retorno. Pode ser que no futuro a gente tenha um mandato diferente. Mas hoje é assim e precisaríamos ter um retorno de 25% ao ano no Brasil para valer a pena. Não achamos nada ainda com o perfil.”

Hoje, todas as sete famílias clientes da Brainvest têm uma porção de seus ativos alocado para impacto, num percentual que varia de 10% a 20% e o próximo passo, segundo Roizman, será integrar fatores ESG aos demais ativos da carteira.

Ao mesmo tempo, está em curso um projeto para transformar a própria Brainvest numa empresa ‘100% ESG compliant’.

Roizman diz que o processo, que conta com a assessoria do Granito Group, se mostra mais desafiador do que ele esperava porque exige mudanças profundas na empresa. “Queremos que o ESG esteja no cerne de cada política e de cada processo.”