Preparar-se para uma entrevista de emprego muitas vezes envolve mais do que conhecer a empresa na qual se quer trabalhar ou ensaiar como se apresentar. Pensar nas roupas, sapatos e maquiagem mais adequados para o ambiente são tarefas que ficam nas entrelinhas do processo seletivo.
A Jobecam quer mudar isso e permitir que candidato e recrutador se concentrem apenas nas habilidades e competências necessárias para a vaga. Para isso, a startup desenvolveu uma plataforma que permite filtrar currículos e realizar entrevistas, pré-gravadas ou ao vivo, de forma totalmente anônima.
Em um ambiente teste, a reportagem assumiu o papel de recrutadora e a CEO e fundadora da Jobecam, Cammila Yochabell, o de candidata. Os nomes das pessoas são trocados pelos de cidades e países, e quem passou a responder as perguntas foi Tóquio. A câmera da videoconferência permaneceu desligada e o que se via era uma ilustração. A voz também foi alterada, com possibilidades de selecionar filtros para que fosse mais aguda ou grave.
A startup acaba de concluir uma rodada de captação de R$ 4 milhões, com aporte liderado pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC Daniel Gleizer e outro parceiro internacional, cujo nome não foi revelado. Os recursos devem ser usados para melhoria na plataforma e expansão para os Estados Unidos.
Esconder para visibilizar
A Jobecam foi fundada em 2019 por Yochabell, natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Foi quando veio a São Paulo e enfrentou dificuldades para conseguir empregos em recursos humanos, área na qual já atuava, que aprendeu o que era viés inconsciente – o preconceito enraizado em nosso cotidiano, com base em estereótipos, e que às vezes sequer é notado.
“Eu sei que é uma linha muito tênue, mas o intuito da plataforma não é esconder a pessoa que está por trás, mas sim enaltecer as reais habilidades e competências desse profissional e conscientizar as pessoas gestoras, os recrutadores, de que o viés inconsciente existe, que precisa ser entendido e combatido”, diz Yochabell.
Como funciona
A Jobecam funciona como um plugin e pode hospedar todo o processo seletivo ou ser acoplado a outros sistemas de recrutamento.
Para as empresas, o ticket médio é de R$ 2.999 por um pacote de entrevistas. Para o candidato, a inscrição é gratuita. Hoje, estão inscritas cerca de 300 mil pessoas na plataforma.
Ao ser conectada, a empresa pode usar entrevistas pré-gravadas ou integrações ao vivo. No final, é possível escolher se o candidato será ou não revelado ao recrutador. “É o ‘The Voice’ da seleção de talentos”, brinca Yochabell.
Nas entrevistas pré-gravadas, a empresa monta um script de perguntas. O candidato elabora um vídeo com as respostas, que será transcrito por uma inteligência artificial e comparado à expectativa da organização sobre quais palavras seriam usadas na resposta e quais de fato foram ditas. Para maior eficiência, a Jobecam elabora um ranking dos candidatos, além de disponibilizar os vídeos para o recrutador.
As empresas também podem visualizar qual perfil de pessoas está atraindo mais para cada vaga e usar filtros ligados a gênero, sexualidade e raça para atender às lacunas que pretende preencher em seu time.
A Jobecam tem voltado seu foco para grandes empresas e tem clientes como Bradesco e Hospital Sírio-Libanês em seu portfólio.
E a inclusão?
Garantir que pessoas de minorias sociais entrem em uma empresa pode até resolver em partes o lado da diversidade, mas deixa em aberto o da inclusão.
Segundo Yochabell, as empresas mais maduras compreendem melhor a relevância da pauta e contam com estruturas de consultoria para auxiliá-las e por isso se tornaram o foco da startup. “Ainda temos barreiras, mas é mais fácil porque já há algum suporte e uma marca pela qual ela quer prezar. Elas também precisam entender que diversidade e inclusão geram lucro.”
A startup ainda não tem um monitoramento sistemático para acompanhar a trajetória de quem foi contratado por meio da plataforma, mas está trabalhando nisso, diz Yochabell.
A empresária também esclarece que a Jobecam não compete com consultorias e bancos de talentos, como TransEmpregos ou EmpregueAfro, mas que poderia ser usada em conjunto durante o processo de entrevistas.
Já na fase anterior, de análise de currículo, a startup foi ampliando seu leque de ferramentas para fortalecer o anonimato, seu produto principal.
Em vez de inserir os anos em que tal curso ou experiência foi adquirida, para evitar os cálculos e driblar o etarismo, disponibiliza apenas o período de cada um.
A contratante também pode optar por ocultar os nomes das faculdades e empresas pelas quais o candidato passou. “A gente fez um estudo e começou a identificar que só o fato de constar uma instituição renomada já deixa a contratante impressionada”, diz Yochabell.
“A gente esconde a marca da empresa no nosso currículo anônimo e mostra só a área. Então pouco importa se ela fez USP, se ela fez UNIP, ou alguma outra. O intuito é parar com esse discurso de executivo que quer apenas ‘escola de primeira linha’.”